A frase que faz o título deste texto parece um exagero mas há verdades tramadas de digerir, nada a fazer. Vá, repitamos, agora todos juntos: sem Princesa Leia não há Guerra das Estrelas. Não há. E não é porque neste último “Rogue One” (SPOILER: não leia este pedaço se não viu o filme) ela aparece digitalmente restaurada como se estivéssemos outra vez em 1977, o ano em que tudo começou. (FIM DE SPOILER: já pode ler). É porque a história que George Lucas criou só faz sentido com ela.

A legião de seguidores da saga só faz sentido com Leia. O regresso ao cinema, ano após ano, com a esperança que o equilíbrio galáctico seja restaurado com um filme razoável, também isso só existe graças à princesa. Que bom para nós, que destino tramado para Carrie Fisher, que para sempre ficou presa ao cliché do penteado em forma de caracol (um de cada lado da cabeça) e da sex bomb que mata um monstro do outro mundo (hey, Jabba, conseguiste a tua vingança, miúdo) num biquíni que merece respeito.

Vamos por partes: Leia era a única que queria salvar o universo. E esta certeza ninguém a pode negar. Han Solo queria sobreviver e beber uns canecos (nada contra), Luke queria encontrar o pai e resolver as suas questões de fé com a Força e o sabre de luz. A princesa não. Leia queria destruir a Estrela da Morte, acabar com o Imperador, dar a vitória à Aliança Rebelde. Era uma líder política e militar, que depois lá se apaixonou porque, enfim, a Harrison Ford não é fácil escapar (de tal maneira que nem na vida real Carrie Fisher lhe conseguiu fugir). Foi ela que lhe disse “eu amo-te”, foi ele que lhe disse “eu sei” como resposta. Era Leia que tinha a vontade e a atitude, os outros seguiam-na numa de “logo se vê como isto acaba”.

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Mesmo quando, no final dos anos 90, George Lucas teve a boa ideia e o péssimo sentido de concretização de fazer os três primeiros episódios da série, Leia esteve sempre lá. Natalie Portman, que interpretou a rainha Amidala, mãe de Leia e Luke, era a única personagem convicta dos seus valores e do seu caminho. E, convenhamos, Portman conseguiu assumir a única prestação digna de registo, no meio de uma embrulhada esquecível a todos os níveis (isso mesmo, todos). E é evidente que Fisher inspirou aquela prestação, do princípio ao fim, quem disser o contrário é tolo.

Tudo isto é de tal maneira complicado que os fãs da saga da Guerra das Estrelas fazem o luto de Carrie Fisher como se fosse de facto Leia que tivesse morrido. Para os fiéis que seguem a Força, ambas são uma única pessoa. E se isso pode ser mágico do lado de cá do ecrã, seria certamente terrível para a atriz. A maior das sortes (menos de 20 anos e uma estrela no cinema) transformou-se na maior das maldições e nunca houve muito que Fisher pudesse fazer.

Com Han Solo isto não aconteceu porque Harrison Ford seguiu em frente, fez “Indiana Jones”, “Blade Runner”, “Presumível Inocente”, “A Testemunha” e “Uma Mulher de Sucesso”. Fugiu depressa e fugiu bem. Mark Hammil nunca teve por onde fugir porque não sabia como nem podia e, na verdade, Luke Skywalker — que a Força nos perdoe o sacrilégio — não é a mais memorável das personagens. Fisher tramou-se. Quando aparecia fora das questões do Espaço (em “Ana e as Suas Irmãs” ou “Um Amor Inevitável”, por exemplo), aparecia quase sempre bem, mas por pouco tempo. E em metade das circunstâncias surgia como “herself”, “ela própria”, algo muito bonito se acontecer de quando em vez e em momentos de idade avançada, vá.

Há uma cena chave no primeiro de todos os filmes de Guerra das Estrelas (agora escreve-se Star Wars em todas as línguas, certo?). Quando Luke e Han salvam Leia na prisão da Estrela da Morte, é ela a primeira a enfiar-se pela conduta do lixo, antes até de Chewbacca, aquele gigante feito de pelo, força e coragem. Leia, sem medo e cheia de vontade, para se salvar e depois resgatar o Universo.

Tal e qual o que se passava com Carrie Fisher, a querer fugir da fama dos pais — Eddie Fisher e Debbie Reynolds — para construir a sua. Fê-lo com uma eficácia tremenda mas sem querer minou o próprio enredo. Haveria de o fazer noutras ocasiões da vida pessoal mas com nenhum dos acidentes de percurso se livrou de ser para sempre a Princesa Leia. E a Guerra das Estrelas sem ela não existe. Certo, já estamos aqui a confundir as duas coisas, Fisher e a personagem. Mas é difícil, neste caso, não seguir pelo Lado Negro da Força. Carrie que nos perdoe.