Os portugueses têm uma característica distintiva que orgulha qualquer um de nós: quando simpatizamos ou gostamos de algo ou alguém, nunca ficamos por aí. Fazemos tudo, idolatramos todos, amamos. No desporto também é assim.

Há dez anos, a Seleção Nacional comandada por Tomaz Morais participou na fase final do Campeonato do Mundo de râguebi. Sem grande ambições, sem a mínima hipótese de dar luta aos maiores colossos, mas a defender o orgulho e a honra do país. E houve um clique: quando João Correia, Vasco e Gonçalo Uva, Pedro Leal, Gonçalo Malheiro, António Aguilar, Luís Pissarra ou Miguel Portela, entre tantos outros, cantaram o hino de pulmões cheios e lágrimas a cair pela cara, deixaram de ser 15 – eram pelo menos dez milhões. Pelo menos porque, em França, começaram a torcer por nós. E quando Rui Cordeiro conseguiu o ensaio na segunda parte contra a Nova Zelândia, ninguém ligou à pesada derrota por 108-13: tínhamos feito um ensaio aos All Blacks!

No final desse encontro em que Portugal quis jogar o jogo pelo jogo mesmo sabendo que isso seria impossível, os suplentes das duas equipas juntaram-se e fizeram entre si um jogo de futebol, com a vitória a sorrir à Seleção por 3-1. Com a bola oval nas mãos, eles esmagam-nos; com a bola redonda nos pés, somos nós a esmagar. E foi isso que aconteceu hoje, como ficou bem visível no resultado de 4-0, na primeira vez que as duas equipas se defrontaram em futebol.

Dez anos depois, estamos apaixonados pela Seleção Nacional de futebol. Aquela vitória no Campeonato da Europa frente à França, no prolongamento, encheu-nos de orgulho. Revitalizou-nos a alma. Como referiu Marcelo Rebelo de Sousa após a vitória de Salvador Sobral no Eurovisão, parece que “todos os portugueses ganharam 20 centímetros e acham que vão ganhar tudo na vida”. Mesmo quando o adversário é menos cotado, mesmo quando a prova não é tão apelativa, estamos, com o engenheiro Santos, com Ronaldo, com todos eles.

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Ficha de jogo

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Nova Zelândia-Portugal, 0-4

3.ª jornada do grupo A da Taça das Confederações

Estádio Krestovsky, em São Petersburgo (Rússia)

Árbitro: Mark Geiger (EUA)

Nova Zelândia: Marinovic; Ingham, Smith, Boxall, Durante (Smeltz, 74′), Doyle; Thomas, Lewis (Barbarouses, 65′), McGlinchey (Tuiloma, 37′); Rojas e Wood

Treinador: Anthony Hudson

Portugal: Rui Patrício; Nélson Semedo, Pepe, Bruno Alves, Eliseu; Danilo, João Moutinho; Bernardo Silva (Pizzi, 46′), Quaresma (Gelson Martins, 84′), Cristiano Ronaldo (Nani, 67′) e André Silva

Treinador: Fernando Santos

Golos: Cristiano Ronaldo (33′, g.p.), Bernardo Silva (37′)

Ação disciplinar: cartão amarelo a Lewis (19′), Nélson Semedo (21′), Pepe (56′) e Ingham (82′)

Na antevisão do encontro, Rui Costa – que até calhou bem ter feito a análise do pré-jogo na RTP, mas já explicamos mais abaixo porquê – fez também essa comparação para, de forma prática, falar das diferenças entre as duas equipas: “Se fosse râguebi, a Nova Zelândia era favorita, claro. Aqui, somos favoritos”. Se eles são os melhores do Mundo numa, nós somos os melhores da Europa na outra. E antes de tentarmos ser também os melhores do Mundo, no próximo ano, há uma Taça das Confederações para ganhar na Rússia.

Durante 20 minutos, contudo, essa diferença monstruosa de valores não se viu. Aliás, até foi a Nova Zelândia a ter um pouco mais de jogo, a rematar à baliza (por Wood, para defesa segura de Patrício) e a mostrar uma intensidade e uma agressividade nas segundas bolas que nos faziam questionar onde andava aquela Seleção Nacional que anda há um ano quase no nosso goto. Andava onde estava Quaresma. Andava onde estava Ronaldo. Andava ali, na frente.

A dupla que melhor funciona na frente e que joga de olhos fechados começou a causar mossa a partir dos 20’, sempre com Quaresma a cruzar e Ronaldo a finalizar. O primeiro remate saiu à figura de Marinovic, o segundo embateu com estrondo na trave (ambos de cabeça). À terceira foi de vez, de grande penalidade: Danilo foi carregado na sequência de um canto e o capitão marcou o 75.º golo pela Seleção (33′). Assim, o avançado passa a ser o segundo melhor europeu marcador de sempre em seleções, apenas atrás de Puskas, que marcou 84 entre Hungria e Espanha.

Percebeu-se que bastava acelerar um pouco e nem os cinco defesas da Nova Zelândia conseguiam travar aquilo que era inevitável: quatro minutos depois, no seguimento de uma boa arrancada pela esquerda de Eliseu e de um grande passe de Quaresma, Bernardo Silva teve apenas de encostar o cruzamento rasteiro do lateral esquerdo para o 2-0. E o golo só não foi mais festejado porque, nesse movimento, o agora jogador do Manchester City colocou mal o pé, lesionou-se, ainda voltou, mas ficaria mesmo no balneário ao intervalo, sendo substituído por Pizzi.

Como Fernando Santos explicou de forma curiosa na flash interview, o jogo estava esquisito na segunda parte. Porque a superioridade de Portugal era evidente, mas a vontade da Nova Zelândia lá conseguia ir levando a bola até à baliza de Rui Patrício, que teve mesmo de fazer uma intervenção de recurso com o pé quase em cima da linha a remate de Wood. A única novidade má surgiu nesse período, com o amarelo a afastar Pepe das meias-finais. Aos 67′, saiu Ronaldo, entrou Nani. E a coisa lá mexeu. Tanto que chegou a goleada.

André Silva, que já tinha visto Marinovic a fazer uma excelente intervenção, teve uma impressionante cavalgada a superar adversários até chegar à área, descaído sobre a direita, para rematar cruzado para o 3-0 (80′). Já nos descontos (90+1′), Nani estabeleceu o resultado final, numa jogada onde a bola rodou de flanco até o disparo certeiro do extremo que tinha ficado com a braçadeira de Ronaldo e entrou hoje no top-3 dos mais internacionais.

Com este resultado, Portugal somou sete pontos no grupo A, passou em primeiro do grupo (apesar do triunfo do México frente à Rússia, que afastou a anfitriã da prova) e espera agora pelo adversário nas meias-finais, que deverá sair entre Alemanha e Chile (a não ser que apareça uma qualquer conjugação cósmica que troque as voltas). Missão cumprida. E bem cumprida. O resultado era o que mais interessava mas, na capital da cultura russa, São Petersburgo, a Seleção conseguiu ter nota artística a juntar à goleada. E mais uma vez, os portugueses mostraram-se orgulhosos e esperançosos que o caminho nesta Taça das Confederações vá mesmo até ao final.

E voltamos agora a Rui Costa. Porquê? Porque o Maestro era, a par de Eusébio, o jogador com mais grandes penalidades convertidas pela Seleção. Seis. Ronaldo, que nunca tinha marcado a uma equipa da Oceânia, juntou-se ao lote. Há sempre um registo qualquer que o capitão português consegue igualar, superar ou dobrar…