Boris Johnson deu o mote, durante a tarde. Numa ação de campanha, deixou-se fotografar com duas luvas de boxe postas, como quem diz que está pronto para o combate. Antes disso, já tinha enviado uma série de perguntas, tornadas públicas, ao líder da oposição, Jeremy Corbyn, sobre a sua postura face ao Brexit. O primeiro-ministro ainda em funções deixou assim claro qual seria a estratégia para o debate dessa mesma noite — e para toda a campanha, já agora. Atirar ao calcanhar de Aquiles do Labour, que é a sua política para o Brexit. “Game on”, parecia dizer Boris.

Boris Johnson numa ação de campanha no dia do debate (FRANK AUGSTEIN/POOL/AFP via Getty Images)

Primeiro round: Brexit, “geringonça” e anti-semitismo

Ding ding”, debate iniciado e as hostilidades abriram-se ao gosto de Boris, com o Brexit a ocupar a primeira metade da hora de debate. Boris Johnson entrou a matar, repetindo uma e outra vez a mesma pergunta, colocada ora de uma forma, ora de outra: o que defende afinal Jeremy Corbyn sobre o Brexit?

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“O senhor Corbyn não nos diz de que lado fará campanha em caso de referendo sobre o Brexit”, disse Johnson. “Mais uma vez, se a política do Labour for aplicada, não sabemos de que lado o senhor Corbyn fará campanha: pelo Leave ou pelo Remain?”, reforçou mais à frente. “Ele acredita no que está a propor? Ou irá, por absurdo, fizer campanha contra o acordo que ele próprio negociou?”, acrescentou uma terceira vez.

Jeremy Corbyn tentou levantar-se, depois de serem desferidos tantos murros, e respondeu lembrando que “o primeiro-ministro votou duas vezes contra o acordo de Theresa May” e acrescentando que trouxe agora um “acordo ainda pior”. Quanto à questão do segundo referendo, limitou-se a dizer que serve para “levar a cabo a escolha do povo”, seja ela qual for.

Mas os desvios de Corbyn de pouco lhe serviram. Boris Johnson desferiu o golpe final nesta matérias, nada mais nada menos, do que com a palavra “geringonça” (usando o equivalente em inglês, contraption): “Ainda não sabemos, é um enigma: irá Jeremy Corbyn fazer campanha pelo acordo que quer fazer ou irá chamar os seus amigos do Labour para destruir a geringonça que ele próprio criou?” Desta vez, não se tratava de política de alianças parlamentares, mas sim de uma definição para a posição dos trabalhistas no que toca ao Brexit.

Gancho extra: Já agora, falando em alianças parlamentares, Boris Johnson também aproveitou este ponto para desferir novo ataque ao adversário, acusando-o de estar a preparar um acordo secreto com o Partido Nacional Escocês (SNP) no qual, em troca do apoio parlamentar para formar governo, estaria disposto a conceder autorização aos escoceses para realizarem um novo referendo à independência. Corbyn reagiu, ultrajado, e disse que não haver “nenhum acordo” com o SNP. Não se pronunciou, porém, sobre a possibilidade de um novo referendo.

A gargalhada do público que também fez mossa: Ao ser confrontado com as acusações de anti-semitismo que pendem sobre o seu partido desde que é líder, Corbyn disse reconhecer que os judeus têm uma “história desesperada”, sobretudo no século XX, e que “o racismo, seja de que forma for, é um flagelo”. Na plateia, houve risos após essa afirmação, mostrando que nem todos estão convencidos de que Corbyn está empenhado no combate ao anti-semitismo dentro do partido.

Resultado: Vitória clara para Boris no tema Brexit.

Jeremy Corbyn manteve-se quase em silêncio no dia do debate, apostando na preparação (Carl Court/Getty Images)

Segundo round: Serviço Nacional de Saúde, Guterres e problemas com a verdade

Se durante a tarde Corbyn tinha estado calado, tinha a segunda parte do debate para provar que, por vezes, quem ri por último ri melhor. O gancho mais eficaz, que acertou em cheio no rosto de Boris Johnson, veio com três letrinhas apenas: NHS, que é como quem diz National Health System, o Sistema Nacional de Saúde muito querido aos britânicos. Não terá sido por acaso que os dois candidatos o referiram nas suas intervenções finais.

Corbyn começou por apontar que o sistema está “sob uma tremenda pressão” e aproveitou para ganhar pontos contando uma história concreta, tornando o tema mais pessoal em vez de recorrer a uma guerra de números:  “Ouvi ontem a história de uma mulher que morreu de cancro da mama. No dia anterior, tinha ido ao hospital para receber tratamento urgente. Esperou oito horas. Os enfermeiros não conseguiam nenhum médico porque estavam todos ocupados. Ela fez um vídeo para as redes sociais a pedir que apoiem o sistema de saúde. É uma das coisas mais preciosas deste país.” Um golpe eficaz. Ao qual Corbyn ainda acrescentou “Acabemos com a privatização do NHS”, referindo-se às parcerias público-privadas.

Antes disso, ainda no primeiro round, já tinha usado este tema para uma defesa relevante, mencionando “uma série de encontros secretos com os EUA, onde [Boris] propõe abrir os nossos ‘mercados do SNS’, como eles lhe chamam”. A referência diz respeito a reuniões noticiadas pela imprensa britânica entre responsáveis do governo com empresas norte-americanas onde o NHS foi tema de discussão.

Boris Johnson não negou a existência desses encontros, limitando-se a responder que também valoriza o NHS e recordando que o governo irá construir 40 novos hospitais. À defesa, limitou-se a deixar uma garantia: “O NHS não está à venda”. Mas não concretizou.

Gancho extra: Perante a pergunta “Qual o líder político mundial que mais admira?”, quase que se conseguia antever Boris Johnson a salivar perante uma possível hesitação de Corbyn ou uma resposta que apontasse os trabalhistas na direção de países como a Venezuela ou a Bolívia — e que serviriam de munição para Boris voltar a dizer a Jeremy no Parlamento que ele está “Caracas” (como quem diz que “perdeu a cabeça”). Corbyn, que claramente se preparou, optou por um diplomático “António Guterres”, dizendo que o secretário-geral da ONU “está a tentar unir o mundo”.

A gargalhada do público que também fez mossa: Perante a pergunta direta “A verdade importa nesta campanha?”, Boris Johnson optou por um singelo “Penso que sim”. Talvez tendo ainda na memória o primeiro-ministro que disse que preferia “morrer numa valeta” a adiar o Brexit — e que acabou por fazê-lo —, a plateia rebentou em gargalhadas. Auch.

Resultado: Vitória clara para Corbyn no tema NHS.

Resultado final

Sem knockout, o resultado final deste combate terá de ser, inevitavelmente um empate. Por um lado, podemos acrescentar que Boris Johnson seguia com vantagem nas sondagens e que, por isso, o frente-a-frente pode ter beneficiado mais Corbyn, que precisava mais de surpreender. Por outro, é evidente nos estudos de opinião que o Brexit é o tema que mais preocupa os eleitores e, nesse campo, Boris Johnson foi o claro vencedor.

No fim do debate, a sondagem final da YouGov, em parceria com a Sky News, ilustrava bem o ponto de situação. Para 51%, o vencedor foi Boris; para 49%, foi Jeremy. Dia 12 de dezembro, tiram-se as teimas no recontro final.