Bruno Fernandes tem apenas 25 anos. Mesmo atravessando um dos períodos mais altos da carreira, ninguém se atreve a dizer que está no seu apogeu porque todas as semanas tem uma carta qualquer para sacar da manga mas por iniciativa própria já pensa no futuro e numa carreira de treinador. Pode começar já, pode ir fazendo aos poucos mas é por aí que deverá passar o próximo capítulo no futebol daqui a uns longos anos, quando decidir pendurar as chuteiras. Mais do que jogar e arriscar, o médio gosta de perceber o jogo. E foi por isso que, no final do ano, quando era ainda jogador do Sporting, deixou uma frase em que poucos tinham pensado em entrevista ao Record.

A mudança de treinadores, a inadaptação dos reforços e mais um ou outro fator que surgem sempre em conversa quando as coisas não correm bem numa equipa. Tudo foi utilizado pelo capitão leonino para justificar o péssimo arranque (coletivo) de época. Mas houve mais, algo que talvez tivesse passado ao lado de quem se fixou apenas na venda de Bas Dost. “Saiu um outro jogador a quem davam pouco crédito, o Gudelj. Ele era muito importante pela nossa ideia de jogo”, assumiu. O sérvio esteve apenas um ano em Alvalade por cedência do Guangzhou Evergrande, ganhou dois troféus, não chegou a acordo para ficar no clube e foi resgatado pelo diretor desportivo da moda, Monchi, para o Sevilha. Esta noite, passavam de companheiros de equipa e setor a adversários diretos.

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“Falei com ele [Gudelj] por estes dias, contou-me que tinha contraído o vírus. Estou feliz por ele, por poder jogar. No final do jogo trocaremos de camisolas”, contou o português em conferência na antevisão da primeira meia-final da Liga Europa entre Manchester United e Sevilha, antes de abordar ainda mais uma resposta recordando esses tempos em que era companheiro do sérvio: “O nosso treinador disse-me que fizesse o mesmo que fazia no Sporting e que continuasse a evoluir. Quando sentes esse apoio do teu treinador, tudo se torna muito mais fácil”. Não houve reencontro inicialmente em campo, houve no final, com um apenas a sorrir pelo resultado.

O impacto em campo de Bruno Fernandes desde que chegou a Old Trafford foi evidente mas não se resume aos golos e às assistências que foi somando – e que chegaram a bater recordes em alguns casos particulares. Em menos de seis meses de competição (que foram mais mas com a pandemia pelo meio), o internacional português assumiu-se como um líder, um exemplo, uma referência. E a forma como abordou esta Liga Europa foi mais uma prova disso mesmo. “Os jogadores precisam de perceber o que é conquistar uma competição pelo Manchester United. Se terminarmos a época com esta conquista não será perfeito mas vai acabar por ser um bom ano. O United precisa de voltar a conquistar coisas, lutar por competições europeias e também pelo Campeonato”, disse.

“Tudo mudou com a chegada de Bruno Fernandes. Ele é como o motor da equipa. É visível que Pogba gosta de jogar com ele porque reconhece que Bruno Fernandes é um jogador de classe mundial. Eles agora podem dominar os jogos. Os avançados aguardam agora por passes mortíferos de Bruno ou Pogba”, comentou Van Persie, um dos últimos grandes avançados do Manchester United. No entanto, e quando se entra no campo das comparações, é de outro nome que se fala. “É muito bom ouvir isso e ser comparado a nomes como Cantona mas para mim ele foi um jogador fantástico para o clube e eu tenho que fazer muito mais para ser comparado com ele. Estou muito feliz com aquilo que fiz mas não estou satisfeito, tal como o treinador já disse. Vir para Manchester é conquistar troféus. Vim para o clube para ganhar e ficarei feliz se, no final da época, tiver um”, disse nas plataformas do clube.

O objetivo estava traçado, o adversário dificilmente poderia ser pior. Aliás, alguém que tivesse visto os encontros do Sevilha na Alemanha frente à Roma e ao Wolverhampton com atenção até poderia colocar os espanhóis com um ligeiro favoritismo frente ao Manchester United. Em termos individuais, os ingleses tinham melhores jogadores; no plano coletivo, essa ascendência ficava por completo diluída. Apesar de ter sido contestado em alguns momentos da temporada, talvez até por haver a ambição de sonhos maiores perante os maus resultados dos crónicos candidatos ao título, Julen Lopetegui montou uma equipa bem trabalhada, organizada, forte no plano ofensivo e capaz de jogar de frente para qualquer adversário, o que lhe valeu o apuramento direto para a Champions.

Depois de ter estudado o encontro com os Wolves, em que os andaluzes terminaram com uma posse de 73%, o Manchester United entrou praticamente a ganhar porque também fez por procurar essa vantagem: com uma zona de pressão mais alta do que é normal e com outra capacidade para em três/quatro toques chegar ao último terço de campo, os ingleses adiantaram-se numa grande penalidade cometida por Diego Carlos sobre Rashford após uma grande assistência de Martial e transformada com a classe do costume por Bruno Fernandes, a não desafinar perante Bounou, ou Bono, nos 11 metros (9′). Ainda dentro do quarto de hora, Fred conseguiu roubar a bola a Jordan na zona de construção, deu e recebeu do português e atirou ao lado (13′). E foi preciso passar essa barreira para Ocampos, descaído sobre a a esquerda na área, rematar de ângulo impossível para defesa de De Gea.

O Manchester United parecia melhor também pelo conforto do golo, o Sevilha não demorou a mostrar que no plano coletivo conseguia ser superior. Depois, contou também a eficácia: no segundo remate à baliza de David de Gea, os espanhóis conseguiram chegar ao empate numa jogada iniciada com uma grande variação de flanco, que passou por mais de metade da equipa e que teve um cruzamento largo de Ocampos para o desvio de Suso ao segundo poste (26′). Com mais bola, os comandados de Lopetegui fintaram o mau início e ficaram depois por cima do jogo, fiéis a uma ideia que tem sido a mais conseguida em campo nesta Final Eight. No entanto, o intervalo só chegaria depois de dois remates com perigo do Manchester United para defesas para a frente de Bono, de Marcus Rashford na sequência de um livre direto (41′) e de Bruno Fernandes à entrada da área (45+1′).

Os ingleses terminaram melhor a primeira parte e entraram com tudo no segundo tempo, somando oportunidades seguidas para se adiantarem de novo no marcador: Greenwood viu Bono evitar o golo após uma grande assistência de Bruno Fernandes (47′), o mesmo Bono fez uma defesa fantástica a remate de Martial na área (50′) e houve ainda uma série de tentativas que foram esbarrando na defesa dos andaluzes, saindo depois para canto. Sem bola a equipa de Solskjaer até parecia algumas vezes desligada mas, em posse no meio-campo adversário, ia criando mais chances tendo Martial como protagonista: primeiro roubou a bola a Banega à saída da área mas encontrou de novo Bono pela frente (52′), logo a seguir apareceu sozinho mas o guarda-redes voltou a levar a melhor (54′).

O encontro entrou depois numa fase diferente, menos intensa, com mais passes errados e sem que os jogadores que iam sendo lançados na partida conseguissem fazer a diferença entre um Sevilha com mais posse e um Manchester United a tentar fazer a diferença nas transições. Não fizeram aí, fizeram uns minutos depois com Franco Vázquez em campo num jogada que passou também pelos pés do suplente Munir e que teve o toque final do avançado De Jong após cruzamento de Navas (78′), antes de uma discussão mais acalorada entre Bruno Fernandes e Lindelof, que defendia que não tinha sido ele a falhar. Solskjaer não mexeu e viu-se em desvantagem, Lopetegui começou a mexer antes e foi por aí que chegou à vitória. E também foi por aí que os espanhóis garantiram o triunfo.