“Falar com o Sérgio? Depois do jogo sim, agora antes do jogo… Conheço o Sérgio, foi meu jogador, tem uma família extraordinária, já o conheço. Ele antes do jogo nem me quer ver, é supersticioso. Mas é sincero no que diz, aquelas palavras que ele diz, de não ser hipócrita, é mesmo assim. Ele não gosta de cumprimentar o rival antes dos jogos. Depois do jogo é diferente”. No clássico das incertezas, Jesus tinha uma certeza. Afinal, enquanto se esperava pelos onzes iniciais, os dois técnicos receberam de Fernando Gomes, presidente da FPF, os prémios Quinas de Ouro – um por ter sido o melhor português lá fora, outro por ter sido o melhor português cá dentro. Um sorriso para a fotografia, um cruzamento a caminho dos balneários, um cumprimento com o punho fechado. Afinal já nem a tradição era o que era. E a Supertaça, hoje em dezembro mas por norma em agosto, tornava-se mais incerta.

FC Porto vence Benfica por 2-0 com golos de Sérgio Oliveira e Luis Díaz e conquista 22.ª Supertaça

O Benfica chegava com um ataque que nem sempre podia ser muito produtivo mas que tem grande facilidade em criar oportunidades. Tinha vantagem aí? Nem por isso, o FC Porto apenas não marcou esta época na receção ao Manchester City onde até o nulo chegava nas contas do apuramento. O FC Porto continua com grande poder de fogo nas bolas paradas. Tinha vantagem aí? Nem por isso, o Benfica no Campeonato sofreu apenas um golo num esquema tático contra o Farense. O Benfica tem sentido algumas dificuldades nas transições defensivas. Tinha desvantagem aí? Nem por isso, o FC Porto também se tem mostrado mais vulnerável do que é normal nesse aspeto. O FC Porto tem sentido algumas dificuldades para desequilibrar pelo corredor central. Tinha desvantagem aí? Nem por isso, o Benfica também enfrentou problemas nesse capítulo em alguns encontros. Muito do que poderia ou não fazer a diferença entroncava mais na identidade das equipas do que nos esquemas ou nas ideias de jogo.

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Aí, o onze inicial dos dragões mostrava ao que ia. Pepe, que sofreu uma fratura na cara frente ao P. Ferreira onde só jogou para ganhar ritmo para a Supertaça, colocou uma máscara especial e foi aposta ao lado de Mbemba (embora Jesus, no lançamento que fez para a RTP, dissesse que será muito complicado o internacional português poder ir a jogo após a lesão que sofreu). Otávio e Corona, os dois cérebros que mais têm desequilibrado numa equipa que fica mais equilibrada com a sua presença, recuperaram também dos problemas físicos e foram titulares. E ainda houve uma novidade, com Taremi a manter lugar na frente ao lado de Marega em vez do apontado Luis Díaz. Da parte do Benfica, aí, as ausências certas de Gabriel e Pizzi foram colmatadas como esperado por Weigl e Taarabt – e era nos médios que estavam muitas das ambições encarnadas, com a certeza que ali estaria parte do sucesso.

“Vim do futebol mais evoluído do mundo. Foram campeões do mundo cinco vezes, têm os melhores jogadores do mundo. O FC Porto joga normalmente num 4x3x3, quando o meu colega acha que tem de ter mais poder joga com dois avançados. A ideia de jogo do FC Porto passa por três jogadores na frente com muita mobilidade, penso que não deve fugir muito dessa ideia. Tirando os jogos da Champions em que jogaram com outras táticas, normalmente jogam assim nas competições com mais jogos. Penso que será dentro do Marega, com um ala mexicano e outro colombiano, com a chegada do Otávio. Não há nada para esconder, nem eu do Sérgio nem do Sérgio de mim”, dizia Jorge Jesus. “Cabe-nos a nós perceber que dinâmica tem o Benfica e conhecer individualmente os jogadores. Estamos preparados para os diferentes cenários, não sabemos nem controlamos o que o treinador do Benfica está a pensar. Sei que é um treinador que empresta muita convicção e determinação ao que faz. Em termos táticos, vamos percebendo o que vai fazendo”, salientava Sérgio Conceição. Mas quem conhecia melhor quem?

Que o FC Porto conhecia bem o Benfica, não ficaram dúvidas. E que, de certa forma, o Benfica também conhecia bem o FC Porto, também não. Diferença? O FC Porto de Sérgio Conceição tem um ADN competitivo e de vitória que este Benfica de Jorge Jesus não tem. Quer mais, procura mais, dá mais, luta mais. Quando no final do jogo, pouco antes do livre de Grimaldo que podia ter mudado tudo, Sérgio Oliveira se “pegou” com Otamendi, a primeira coisa que fez foi mostrar o símbolo que tinha ao peito. O médio tornou-se um verdadeiro líder da equipa que tem na essência um líder chamado Pepe, operado há menos de uma semana, a jogar de máscara e a fazer mais um jogo de todo o tamanho a secar por completo o ataque dos encarnados. É por causa dos Pepes que ganham mais.

Ficha de jogo

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FC Porto-Benfica, 2-0

Supertaça Cândido de Oliveira

Estádio Municipal de Aveiro

Árbitro: Hugo Miguel (AF Lisboa)

FC Porto: Marchesín, Wilson Manafá, Pepe, Mbemba (Diogo Leite, 76′), Zaidu; Uribe, Sérgio Oliveira (Grujic, 90′); Corona (Romário Baró, 90+5′), Otávio; Marega (Toni Martínez, 90′) e Taremi (Luis Díaz, 77′)

Suplentes não utilizados: Diogo Costa e João Mário

Treinador: Sérgio Conceição

Benfica: Vlachodimos; Gilberto (Diogo Gonçalves, 89′), Otamendi, Vertonghen, Grimaldo (Nuno Tavares, 89′); Weigl (Pedrinho, 89′), Taarabt; Rafa (Seferovic, 64′), Everton; Waldschmidt e Darwin Núñez

Suplentes não utilizados: Helton Leite, Jardel e Samaris

Treinador: Jorge Jesus

Golos: Sérgio Oliveira (25′, g.p.) e Luis Díaz (90′)

Ação disciplinar: cartão amarelo a Weigl (30′), Pepe (37′), Sérgio Oliveira (54′), Mbemba (58′) e Seferovic (90+3′)

O encontro começou com as duas equipas a tentarem testar as possíveis debilidades do adversário: logo a abrir, no seguimento de uma entrada dura de Otamendi sobre Taremi, Sérgio Oliveira marcou um livre perigoso que acabou com Gilberto a cortar para canto entre protestos dos azuis e brancos por um penálti (o VAR considerou que a bola tocou de forma casual no lateral) e um canto mais chegado à baliza, Rafa lançou uma transição rápida onde isolou Darwin Núñez para corte de Marchesín num lance que seria depois anulado por posição irregular do uruguaio. O início foi mexido, o que se seguiu nem por isso. Por mérito das zonas de pressão que colocavam grandes dificuldades nas fases de construção das equipas, por demérito dos jogadores de ligação que não conseguiam soltar desse bom jogo sem bola. O sentido democrático da procura do golo rendia-se ao melhor da “ditadura tática”.

Fase 1, alguma emoção. Fase 2, zero emoção. Fase 3, demasiada emoção. E depois de um lance em que Otamendi sofreu falta de Sérgio Oliveira mas onde Marega tinha conseguido ganhar a bola sem qualquer infração, o central uruguaio que voltou a ser capitão dos encarnados e o avançado maliano chegaram a encostar quase as cabeças num momento de maior tensão resolvido com uma conversa de Hugo Miguel. De jogo jogado, pouco ou nada capaz de criar desequilíbrios e na primeira vez que surgiu resultou de imediato em golo: Taremi foi lançado nas costas da defesa do Benfica, Vlachodimos fez falta sobre o avançado iraniano, o lance foi invalidado por fora de jogo, o VAR atuou e por 18 centímetros a grande penalidade contou mesmo. Aí, Sérgio Oliveira não tremeu e inaugurou o marcador, colocando o FC Porto com uma vantagem na única ocasião até esse momento (25′).

Pouco depois, Grimaldo, após um grande passe de Waldschmidt no único lance em que soube explorar o espaço entre linhas, obrigou Marchesín a uma defesa apertada (27′) mas não mais o Benfica voltaria a enquadrar um remate ou sequer tentar um remate. Mesmo com mais posse nos minutos finais antes do intervalo, também com o FC Porto a baixar um pouco mais as linhas num 4x4x2 mais clássico com Otávio na esquerda para acompanhar as subidas de Gilberto pelo flanco, os encarnados beneficiaram de fogachos por Everton mas nunca conseguiram ter a capacidade de desbloquear jogo pelo corredor central, ao passo que os azuis e brancos também não encontraram espaços para sair em transição aproveitando um maior balanceamento ofensivo contrário (pelo menos no plano territorial). O 1-0 chegaria de forma natural ao final dos 45 minutos, num jogo trancado onde o nulo só foi desfeito pela janela de oportunidade encontrada pelo sempre batalhador Taremi.

No segundo tempo, o Benfica entrou com mais posse e a jogar no meio-campo contrário enquanto o FC Porto ia criando algumas boas aproximações, com um remate perigoso em posição central de Uribe para grande defesa de Vlachodimos (52′), uma tentativa rasteira de Otávio que o guarda-redes encarnado voltou a defender bem (54′) e um bom passe de Otávio à procura de Marega que acabou com um remate muito ao lado (56′). Grimaldo, num livre direto, voltou a colocar Marchesín à prova mas havia duas diferenças entre as equipas: Weigl e Taarabt não tinham a mesma capacidade de fechar espaços e fazer interceções de Sérgio Oliveira e Uribe, ninguém no lado das águias tinha a capacidade de sair com bola de Otávio. E era também isso que ia fazendo a diferença no jogo.

As mudanças posicionais não tiveram resultado e Jesus avançou para um plano B, lançando em campo Seferovic para o lugar de apagado Rafa, colocando Everton na direita do ataque e deixando Waldschmidt como falso ala na esquerda jogando por dentro nas subidas de Grimaldo. Essa era a ideia na teoria, esse teve tudo menos resultado na prática. Aliás, seriam os azuis e brancos, cada vez mais confortáveis em campo com o passar dos minutos, a criar oportunidades de golo na sequência de bola parada, com Vlachodimos a tirar o golo a Mbemba na sequência de um canto à direita antes de Otamendi salvar de bicicleta quando Uribe se preparava para a recarga e Marega, ao primeiro poste após canto na esquerda, a desviar de cabeça pouco ao lado da baliza dos encarnados (74′). No final, a sorte também entrou em cena mas premiou quem fez por merecê-la: Grimaldo acertou no poste de livre (87′) e Luis Díaz, em mais uma transição que nasceu numa perda do Benfica, sentenciou o 2-0 (90′).