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Daddy G/Grant Marshall, 3D/Robert Del Naja e Mushroom/Andrew Vowles, o trio que criou os Massive Attack e em volta de quem gravitavam regulares ou pontuais colaboradores

Redferns

Daddy G/Grant Marshall, 3D/Robert Del Naja e Mushroom/Andrew Vowles, o trio que criou os Massive Attack e em volta de quem gravitavam regulares ou pontuais colaboradores

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30 anos de "Blue Lines": assim começou a revolução dos Massive Attack

Os Massive Attack colocaram Bristol no mapa da pop mundial. E lideraram o movimento a que chamaríamos "trip hop". Marcaram a história da música urbana, tudo a partir de um clássico de 1991.

1991 foi um bom ano para discos históricos. Nevermind dos Nirvana e Ten dos Pearl Jam marcaram a cena grunge, Blood Sugar Sex Magik fez dos Red Hot Chilli Peppers heróis funk metal com apelo pop, Loveless de My Bloody Valentine elevou o shoegaze a prática meditativa, e os De La Soul reinventaram-se, declarando-se mortos em De La Soul is Dead. Enquanto isso, a música de dança começava a infiltrar-se em todos os poros: Achtung Baby dos U2 prova-o, tal como Screamadelica dos Primal Scream, o disco em que Bobby Gillespie trocou o rock pelos prazeres psicadélicos da pista de dança. Todos estes, e alguns outros não enunciados, fazem de 1991 um ano fortíssimo em termos musicais, mas, se for preciso nomear apenas um disco como exemplo de mudança de paradigma, esse é Blue Lines, o álbum de estreia dos Massive Attack. Na altura, o contexto geopolítico mundial podia ter-lhe sido fatal.

Há 30 anos, Robert Del Naja/3D, Andrew Vowles/Mushroom e Grant Marshall/Daddy G, o trio fundador dos Massive Attack, então acompanhados de Tricky na categoria de membro honorário, faziam música “estranha” sob nome e logótipo incómodos. É um caso quase cómico de mau timing. Quando começaram a fazer-se notar, decorria a Guerra do Golfo, Massive Attack não era a melhor das designações, pior ainda se acompanhada de um símbolo de “inflamável”, como era o caso. No início dos anos 90, as preocupações com suscetibilidades, de cariz político, religioso, ou sexual, já eram consideráveis. A publicação dos Versículos Satânicos de Salman Rushdie, em 1988, tinha causado graves atritos com a comunidade islâmica no Reino Unido, que rapidamente alastraram, o que deixou muitos alertas no vermelho. Com o início da Guerra do Golfo, em 1990, a BBC, temendo incendiar emoções, optou por tirar da playlist algumas canções e artistas e não foi a única instituição a tomar medidas de “precaução”. Numa tentativa de limitar danos, os então ainda desconhecidos Massive Attack, optaram assim por abreviar o nome para Massive. O álbum Blue Lines, editado no início de abril de 1991, pouco depois do final da Guerra, já saiu como Massive Attack e o logótipo intacto, mas singles como “Unfinished Sympathy” foram apenas editados como Massive (o que tem feito as delícias dos colecionadores).

A mudança de nome foi apenas um acontecimento insólito. Hoje já poucos se lembram da Guerra do Golfo e dizer só Massive acaba por soar carinhoso, é como tratar “amigos” famosos pelo primeiro nome. O que ficou é que os Massive Attack são uma das maiores bandas do mundo e Blue Lines a sua obra prima de estreia, o disco que, em teoria, apresentou o trip hop ao mundo. Só que o trip hop ainda nem existia. A expressão foi usada pela primeira vez a propósito do hip hop instrumental lento do americano DJ Shadow (em concreto, foi usada numa crítica a In/Flux, no início de 1994, um disco com selo da Mo’Wax, editora britânica que absorveu melhor do que ninguém o conceito de hip hop abstrato/ trip hop e para a qual 3D fez dezenas de capas). Só depois de 1994 começou a chamar-se trip hop ao que até aí era mais ou menos conhecido como Som de Bristol: beats hip hop com elementos de soul e alguns efeitos dub, tudo ao retardador. Blue Lines saiu antes de qualquer um dos rótulos ser usado, não estava ancorado em nenhuma cena, mas refletia o ambiente de Bristol, uma cidade portuária britânica profundamente marcada pela emigração das Caraíbas e cuja vida musical girava, desde os anos 60, em redor da cultura Sound System. Mark Stewart (Pop Group, The Maffia), um dos heróis do pós-punk britânico, é de Bristol e foi dos primeiros a incorporar elementos da música jamaicana, algo perfeitamente natural para quem tinha crescido nesse ambiente, mas que fez toda a diferença na dinâmica geral do pós-punk.

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Três décadas depois da sua edição, Blue Lines continua a fazer-nos dançar, com pés, cabeça e coração e não raras vezes de sorriso na cara. Não só sobreviveu incólume como ganhou densidade e criou descendência, marcando várias gerações com a sua atitude simultaneamente introspetiva e descomprometida.

Aspeto fulcral das festas jamaicanas, os Sound Systems, grandes sistemas de som com identidade própria, estão também na origem dos Massive Attack. Um em particular, chamado Wild Bunch. O Wild Bunch foi fundado em 1985 por Milo Johnson (hoje mais conhecido como DJ Nature) e Grant Marshall (Daddy G nos Massive Attack), mas também agregou pessoas como Jazzy B e Nellee Hooper que depois iriam fundar os Soul II Soul (Nellee Hooper tornou-se aliás num dos grandes produtores dos anos 90, trabalhando com gente como Bjork e Madonna, por exemplo). O Wild Bunch ficou conhecido pelas festas noite dentro em armazéns abandonados, alimentadas a punk, funk, new wave, reggae, dub, soul, rare groove, hip hop… valia tudo, desde que não fosse muito rápido, o que certamente explica o carácter dopado do Som de Bristol (à exceção da cena jungle, simbolizada por nomes como Smith & Mighty e Roni Size). Diz quem viveu a cena que o Wild Bunch tinha a melhor música, as pessoas com estilo mais cool e a melhor street art de Bristol, quiçá do Reino Unido. Eram muitos os que gravitavam em redor deste soundsystem, incluindo Mushroom que era DJ, 3D/Robert Del Naja, na altura mais conhecido por fazer graffiti, mas a dar os primeiros passos a escrever rimas, e também Tricky (Kid), que tentava ser uma espécie de rapper e era convidado ocasional das festas.

A capa de "Blue Lines", o álbum de estreia dos Massive Attack, lançado em 1991

O Wild Bunch foi o caldeirão onde a fórmula mágica dos Massive Attack começou a fermentar. Mas foi preciso pressão de Nenneh Cherry, outra personagem central da cena musical da cidade, para as coisas acontecerem. Tanto 3D como Mushroom tinham trabalhado com Nenneh Cherry no álbum Raw Like Sushi (1989), ela conhecia as potencialidades do projeto e foi insistindo. Sem a ajuda moral, técnica e financeira dela e do marido, Cameron Mcvey, os Massive Attack nunca teriam abordado uma editora e gravado um álbum. Aparentemente, eram demasiado preguiçosos, por isso faziam música para dançar com a cabeça, mais do que com os pés. E na verdade nunca se viram como um grupo, no sentido tradicional, antes uma espécie de unidade de produção com vocalistas convidados que foi assumindo diferentes encarnações ao longo dos anos e dos discos

Três décadas depois da sua edição, Blue Lines continua a fazer-nos dançar, com pés, cabeça e coração e não raras vezes de sorriso na cara. Não só sobreviveu incólume como ganhou densidade e criou descendência, marcando várias gerações com a sua atitude simultaneamente introspetiva e descomprometida. Na essência, é um disco baseado em samples, matéria alheia trabalhada para soar original, algo que na altura era, não só natural, mas quase obrigatório para quem tinha alguma relação com o universo hip hop. Samplar era uma prática artística comum e recomendável, que resgatou do esquecimento muita música extraordinária, apesar dos problemas com licenciamentos começarem então a multiplicar-se. “Safe From Harm” a canção que abre o disco é um dos mais brilhantes exemplos de sampling em Blue Lines, não por ser tecnicamente prodigiosa, mas por respeitar a integridade do original: no coração está um sample de “Stratus” de Billy Cobham (1973), mas a apropriação faz tanto sentido, que acaba por ser perfeita para a entrega da vocalista Shara Nelson. “Safe From Harm” foi o primeiro single dos Massive Attack editado já com nome completo, saiu depois do fim da  Guerra do Golfo. Segundo os próprios, é inspirada no personagem de Robert De Niro em “Taxi Driver” e fala sobre a necessidade de proteção das crianças. Tudo muito simbólico para uma canção lançada no rescaldo de um conflito armado.

Na altura, a veia política que hoje é notória nos Massive Attack ainda não se tinha manifestado por completo, muito embora fizesse parte da cultura de Bristol por via de músicos como Mark Stewart (o influente primeiro disco do Pop Group chama-se We Are All Prostitutes) e pela própria vivência na cidade e na Inglaterra da era Thatcher. “Daydreaming” fala um pouco da realidade marginal de Bristol enquanto cita Beatles e Zero Mostel, mas tem um tom bastante lúdico, até nas rimas. Se há ativismo mais declarado em Blue Lines ele está em “Hymn To The Big Wheel”, a canção que encerra o disco, uma espécie de hino ecológico com voz do jamaicano Horace Andy, que já fala de alterações climáticas e sobre-exposição tecnológica. “Be Thankful For What You’ve Got”, um original de 1974 de William deVaughn, é a única versão do disco e de certo modo tem uma mensagem espiritual: podemos não ser ricos mas ser imensamente ricos com o que temos. Ao que parece, eles acharam que ficou demasiado retro, e de facto destoa do resto do álbum, mas ainda assim, assenta que nem uma luva em Blue Lines, enche toda a nebulosidade de luz.

Quase todas as canções do primeiro álbum dos Massive Attack são marcantes, no sentido em que, à exceção de “Be Thankful…” nenhuma tem propriamente estrutura de canção clássica. Ainda assim, há uma que sobressai sobre todas as outras, também por desafiar o cânone sendo longa, estranha, intensa e com camadas de orquestração: “Unfinished Sympathy”. Consta que era uma ideia de Shara Nelson, trauteada durante as sessões de gravação, que despertou a atenção e precisou ser levada mais longe. Tão mais longe que acabaram a gravar com uma orquestra de cordas de 40 elementos nos estúdios Abbey Road. O resultado é inegavelmente sublime, mas os custos foram exorbitantes e obrigaram os Massive Attack a vender a carrinha. Nada que não tenha sido ultrapassado rapidamente, claro, já que “Unfinished Sympathy” transformou-se numa daquelas canções incontornáveis que marcam épocas e vidas. Parte do fenómeno deve-se ao videoclipe filmado em Los Angeles, um longo plano sequência com Shara Nelson a andar na rua, indiferente ao muito que se ia passando em seu redor. Os Verve prestaram homenagem ao vídeo (e à canção) quando fizeram o seu para “Bittersweet Symphony”, em 1997. É apenas um dos muitos exemplos da influência de Blue Lines na música das últimas décadas.

Trinta anos depois, é fácil esmiuçar o primeiro álbum dos Massive Attack e reconhecer nele todos os elementos do passado em que se sustenta, o contexto, os samples, as influências, mas foram os caminhos de futuro que ele abriu, e por sua vez deram origem a discos de gente como Tricky ou Porstishead, que o tornaram efetivamente clássico. Depois de Blue Lines, a música feita, sobretudo no Reino Unido, tornou-se mais diversa e desafiante.

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