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PEDRO PINA

PEDRO PINA

40 anos do Centro de Arte Moderna: uma história em exposição, a caminho da reabertura

Duas centenas de obras para descobrir ou reencontrar na Gulbenkian, recordando o percurso de um centro fundamental que reabre no primeiro semestre de 2024, após conclusão das obras de recuperação.

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Antes mesmo de se percorrem os diversos núcleos que contam uma história com mais de seis décadas, somos confrontados com um mural, erguido numa estrutura de madeira a fazer lembrar as montagens oitocentistas, onde se vislumbra um princípio orientador desta mostra, mas também um arco cronológico. Entre as dezenas de obras expostas, há diferentes abordagens artísticas e plásticas, artistas nacionais e estrangeiros, peças adquiridas no princípio da coleção, mas também em anos recentes. São a confluência de 65 anos de um percurso de aquisições, que dá forma a uma das mais singulares coleções de arte moderna e contemporânea em Portugal. Uma coleção, a partir da qual, se espelha também muito da história recente do país, através dos seus protagonistas e dos diferentes movimentos artísticos que se foram impondo ao longo dos anos.

Como um livro aberto, e um design expositivo que propõe diferentes modos de expor, é desta forma que abre a exposição “Histórias de uma Coleção. Arte Moderna e Contemporânea do CAM”, que pode ser visitada a partir desta sexta-feira, dia 5 de maio. Com curadoria de Ana Vasconcelos, Leonor Nazaré, Patrícia Rosas e Rita Fabiana, a exposição contempla novas narrativas e interpretações, sobre a história da Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, que volta assim a expor muitas das obras que, de outra forma, estariam no CAM — Centro de Arte Moderna, edifício encerrado para obras de remodelação, numa ampliação assinada pelos arquitetos Kengo Kuma e Vladimir Djurovic, e que este ano comemora o seu 40.º aniversário.

Na apresentação da mostra, Benjamin Weil, diretor do Centro de Arte Moderna, adiantou ao Observador que a abertura do CAM está prevista para o primeiro semestre do próximo ano, mas que até lá irão continuar a desenvolver um conjunto de projetos, com o objetivo “de pensar de que forma é que o público pode vir a fruir no novo centro, de forma espontânea.” “Queremos criar condições para apresentar as formas mais inovadoras de arte contemporânea, mantendo esse foque na formação de novos públicos”, sintetizou.

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O diretor do CAM destacou a abertura da exposição “Gris, Vide, Cris”, no próximo dia 18 de maio, que junta obras de Alberto Giacometti a várias esculturas de Rui Chafes, criadas especificamente para a mostra. A 8 de junho, data do aniversário da morte de Paula Rego, a fundação irá vai expor pela primeira vez duas obras adquiridas recentemente, “Anjo” e “O Banho Turco”. Segue-se, a partir do dia 20 de julho, a celebração do aniversário do CAM, ao longo de três, com uma temporada japonesa, “que irá prolongar-se até ao próximo ano e acompanhar a progresso de reestruturação do edifício”.

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“Um lastro histórico importante”

De regresso à mostra que agora abre portas, Leonor Nazaré fez questão de realçar a importante do acesso à mesma. “Ao percebermos que está coleção ia estar fechada por alguns anos no seu acesso, percebemos que era preciso disponibilizá-la de algum modo”, diz ao Observador Leonor Nazaré, realçando que esta mostra embora centrada nos diferentes momentos de aquisição da coleção, “não deixa de ser uma hiperseleção, com um outro ponto de vista”. Entre as mais 11.700 obras que compõem a coleção existem núcleos destacáveis, como é o caso do espólio de Amadeo de Souza-Cardoso ou os diversos quadros de pintores britânicos que se tornaram marcantes a partir da década de 1960. “O que nos propusemos foi a contar a história das aquisições e como é que foi sendo construída, desde o final dos anos 50, uma coleção que já vai no seu quinto diretor, cada um com diferentes formas de a orientar, mas que mantém lastro histórico importante”, sintetiza a curadora.

Ao mural que abre a exposição, seguem-se sete obras em destaque, todas adquiridas nos anos iniciais de 1960, e que ditam o tom de um percurso expositivo que começa por ser explosivo e multidirecional, para se tornar progressivamente mais estruturado na demonstração de diferentes critérios de seleção e de problematização das práticas artísticas. A icónica pintura de Fernando Pessoa, por José de Almada Negreiros, quadros de Amadeo de Souza-Cardoso, Maria Helena Vieira da Silva e Paula Rego, uma escultura de José Cutileiro e dois artistas ingleses, um quadro do, à época, ainda artista emergente David Hockney e uma escultura de Isaac Witkin. Embora não estivesse no desígnio original da Fundação Calouste Gulbenkian, a verdade é que a coleção se foi constituindo muito por via do gosto do seu primeiro diretor José de Azeredo Perdigão, de acordo com as curadoras, e depois com a abertura do CAM, em 1983.

“Vivia-se um forte momento artístico em que a liberdade e a novidade rompiam definitivamente com os cânones das chamadas 'Belas-Artes', apesar de estes serem também mantidos e aclamados", explica a curadora.

“Nestas sete obras, está o Cutileiro que foi bolseiro da Gulbenkian, como estudante, mas também se mostram artistas importantes para a fundação, como foi o caso da Vieira da Silva e do Almada Negreiros. Por outro lado, evidencia um núcleo inglês, que aponta para o facto da Gulbenkian, embora tivesse sido criada em Lisboa, apoiasse as artes e a cultura no Reino Unido, pela história do seu fundador”, salienta Ana Vasconcelos. Segue-se um caminho de décadas pela frente, neste caso aqui evidenciado em obras de artistas como Alberto Carneiro, Ângela Ferreira, Ana Jotta, Ana Vieira, Fernão Cruz, Francisco Tropa, Helena Almeida, Joana Vasconcelos, Ofélia Marques, Luisa Cunha, Malangatana, Mónica de Miranda, Nuno Cera, Patrícia Garrido, Paula Rego, Rosângela Rennó, Rui Chafes e Susanne Themlitz.

Como se começa e como se continua

Depois destes primeiros dois momentos, a exposição começa por apresentar um núcleo com as primeiras aquisições de obras de arte da Fundação Gulbenkian, em 1958, logo após a criação da mesma em 1956, no âmbito do apoio aos artistas, que incluía igualmente bolsas e subsídios. A compra de obras surge também com o objetivo de reunir peças para serem apresentadas nas exposições temporárias itinerantes organizadas pela Fundação, no país, ou em exposições realizadas em cidades como Rio de Janeiro, Bagdad, Madrid, Bruxelas ou Paris.

“Houve um apoio aos artistas que a fundação já apoiava de alguma maneira, mas também a necessidade de os poder expor lá fora”, realça Leonor Nazaré. Dentro e fora de portas, foi uma época onde se intensificou a realização de exposições temporárias na fundação, com a colaboração de parceiros nacionais e internacionais e com enfoque na arte contemporânea. Por outro lado, explica Ana Vasconcelos, é nesse período de transição entre as décadas de 1960 e de 1970, que se considera incontornável para a Fundação e para o seu presidente, José de Azeredo Perdigão, a construção de um edifício que albergasse a coleção de arte moderna e contemporânea reunida até à data. “Numa altura em que o Edifício Sede e o Museu já constituíam o grande centro cultural de Lisboa, era essencial preencher um indubitável vazio que ainda persistia na vida cultural do país.”

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Já estamos num segundo núcleo, marcado pela aquisição de quadros surrealistas, de artistas como Mário Cesariny, António Aeal, Cruzeiro Seixas, António Pedro, mas também de diversos artistas internacionais. Num dos momentos importantes de constituição da coleção acontece no mesmo período: para reforçar a coleção adquire-se muito oportunamente uma parte significativa da coleção de Jorge de Brito, ex-banqueiro, e grande admirador da obra de Maria Helena Vieira da Silva e dos pintores e desenhadores modernistas portugueses. Serviu como câmara de antevisão do que viria a ser o CAM, explica Ana Vasconcelos. “Depois do 25 de Abril, surgem cada vez mais vozes de artistas que se reúnem e que pedem pela criação de um museu em Portugal que os representasse de alguma maneira”, sublinha.

Um centro de arte, não um museu

Quando em 1981, na sede da fundação, se expõem pela primeira vez muitas destas obras agora mostradas, pretendia-se informar o público sobre o projeto para o novo Centro bem como apresentar um conjunto significativo de obras do acervo que tinha vindo a ser reforçado nos últimos anos com vista a constituir uma coleção coesa sobre arte portuguesa do século XX. O CAM inaugura a 20 de julho de 1983 como o primeiro espaço em Portugal com uma exposição permanente de arte moderna e contemporânea – com 540 obras de arte portuguesa e internacional de 252 artistas – e o arquiteto José Sommer Ribeiro viria a ser o seu primeiro diretor.

“Surge como centro de arte, portanto como espaço vivo, que assume também a rutura com os géneros convencionais das Belas-Artes”, explica Leonor Nazaré, num momento em que a exposição avança para os seus dois últimos núcleos. Estamos, primeiro, no período da direção de Jorge Molder em que, realça a curadora, “a coleção avança num caminho mais diversificado em termos de médium, nomeadamente com fotografia, mas também ao comprar obras de uma nova geração de artistas portugueses, pós-Alternativa Zero, como a Helena Almeida ou o Julião Sarmento”. É um período, explica, em que a coleção também é marcada pela movida do ACARTE e do Bairro Alto e na efervescência de uma certa pós-modernidade. “Vivia-se um forte momento artístico em que a liberdade e a novidade rompiam definitivamente com os cânones das chamadas ‘Belas-Artes’, apesar de estes serem também mantidos e aclamados.”

“Tem uma variedade tão grande de momentos, expressões, suportes e percursos artísticos, aberta tanto à história quanto à contemporaneidade e à emergência, e por isso mesmo relembra o que pode ser uma aposta, sendo por isso uma coleção central na história da arte em Portugal”, diz-nos a curadora.

Num momento final, com três novas direções, está o sentimento vincado de que a exposição não está terminada, longe disso. “É um conjunto vivo, que se continua a atualizar”, realçam as curadoras. É isso que se espelhas nas obras adquiridas Entre 2009 e 2015, sob a direção de Isabel Carlos, o CAM inicia uma nova fase com um intenso ciclo anual de exposições temporárias e apresentações regulares da Coleção a partir de temas sugeridos pela programação temporária. Focada na produção artística contemporânea e na revisitação da obra de artistas portugueses, a programação promove o crescimento do acervo através de aquisições que refletem as exposições.

Focada na produção artística contemporânea e na revisitação da obra de artistas portugueses, a programação promove o crescimento do acervo através de aquisições que refletem as exposições – nomeadamente nas destacadas por Benjamim Weil, uma debruçada sobre a obra de Fernão Cruz, bem como na mostra que pôs em diálogo peças de Jorge Queiroz e Arshile Gorky.

Colmatam-se lacunas, nomeadamente na representação de artistas mulheres e olha-se como grande enfoque para a obra de artistas de diferentes geografias, nomeadamente provenientes do continente africano. Em 2016, as coleções do CAM e do Museu unem-se sob a designação Museu Calouste Gulbenkian, passando a ser conhecidas como a Coleção Moderna e a Coleção do Fundador. Pela primeira vez, as curadoras da CAM fazem parte da seleção das obras, coordenada pela nova diretora Penelope Curtis e avaliada por comissões consultivas externas. Mais do que nunca, a coleção olha para a emergência, e constitui-se sobre diferentes suportes técnicos, não perdendo o seu legado.

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Numa das suas últimas inscrições de parede, a exposição interpela: “O que é uma coleção? Como se constitui? De que histórias é feita?” Para as curadoras, que têm vindo a desenvolver um trabalho extenso de investigação sobre os próprios arquivos da coleção, subsiste a crença de que esta existe por um conjunto de gostos pessoais, mas também pela motivação de apoiar artistas. “Tem uma variedade tão grande de momentos, expressões, suportes e percursos artísticos, aberta tanto à história quanto à contemporaneidade e à emergência, e por isso mesmo relembra o que pode ser uma aposta, sendo por isso uma coleção central na história da arte em Portugal”, diz ao Observador Leonor Nazaré. Não deixa de ser, diz, “um aguçar de curiosidade para aquilo que vai ser o novo espaço permanente desta coleção, o novo edifício do CAM”. Na necessidade de um primeiro reencontro, desde que o edifício fechou portas, carrega a necessidade de dar acesso à coleção, essa sim, a que é verdadeiramente protagonista de uma história que agora se conta.

A exposição estará patente na Galeria Principal e vários espaços do edifício Sede, no Museu Gulbenkian e no Jardim da Fundação Calouste Gulbenkian, entre 5 de maio e 18 de setembro de 2023. Bilhetes normais a 6 euros. Além do habitual programa de visitas, as atividades paralelas a esta exposição incluem oficinas para crianças e workshops de experimentação. A programação complementar também terá atividades integradas no Dia Internacional dos Museus e no Jardim de Verão.

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