Bruno de Carvalho sofreu uma autêntica metamorfose entre as eleições de 2011, em que surgia como um outsider ou o “candidato do um por cento”, como recentemente se intitulou, e o sufrágio de 2013, em que partia como favorito por ter marcado uma posição dois anos antes. E mudou exatamente por isso, por perceber o contexto em que se encontrava. Cinco anos depois, teve de novo essa perceção de, perante tudo o que tem acontecido ao Sporting, ter passado para um patamar de segundo plano perante um cerco apertado para o qual também contribuiu muito.
Esta tarde, mais de uma hora depois do que estava marcado, e durante cerca de 120 minutos, o presidente leonino falou. E falou. E falou. Com as demissões em catadupa, a pressão externa, a relação claramente debilitada com o plantel de futebol e notícias que dão conta de alegados esquemas de corrupção no Campeonato Nacional de futebol e andebol, Bruno de Carvalho tem sido um alvo com diversas miras apontadas. Diversas, ainda não demasiadas na sua ótica. Por isso, regressou ao estilo mais bélico, recordando as duas décadas que lhe antecederam e que deixaram a SAD com um PER — Processo Especial de Revitalização que pretende evitar a insolvência — em cima da mesa para sobreviver. Para muitos, ou quase todos, o mais importante foi os disparos que fez para fora; para ele, o mais importante eram as mensagens que passava para dentro, para aqueles que irão decidir sempre o seu futuro, seja em sessões de esclarecimento, reuniões magnas ou eleições.
No entanto, entre tantos os disparos, também abriu o flanco e as reações de fora sucederam-se em catadupa (incluindo desmentidos de alguns órgãos de comunicação social, que voltou a ser estar na mira). Foi no estilo do passado que Bruno de Carvalho tentou assentar as suas hipóteses de ter um presente, mas o seu futuro em Alvalade está cada vez mais em risco, sobretudo depois da final da Taça de Portugal. E tudo com um outro ponto estrutural que terá reflexos a médio prazo muito maiores do que todos os problemas conjunturais: o ruído que está a ser criado coloca o clube numa posição onde as fações estão cada vez mais extremadas. Algo que, como se viu com vários exemplos que lhe antecederam na liderança, pode deixar feridas que nunca chegam a sarar.
Alvo de bullying, (quase) vítima de chantagem
“Nós somos pais, filhos, maridos, temos a nossa dignidade, honra e respeitabilidade, e esta campanha que se instalou e que a comunicação social dá eco chegou ao limite de hoje na capa do Expresso, a dizer “Brunos de Carvalho devem ser mortos à nascença”. Temos outra capa com uma caricatura onde estou com uma matraca ou uma moca a dizer: “Bruno deu aval a agressões”. Outra que diz que jogadores acham que seria uma afronta ir ao Jamor. Outra que tem que os jogadores não querem Bruno. Outra que diz que comprámos outro atleta. E mais, e mais, e mais… Tem de ter o seu limite. É um total desrespeito pelo sentido das regras mais basilares da democracia e pelos princípios e direitos humanos. Estamos a ser alvo – e aqui falo de mim e dos meus colegas, a quem muito agradeço estarem comigo apesar das chantagens diárias – de bullying, de completo terrorismo e a única coisa que falta é entrarem por aqui como aconteceu naquele ato criminoso e arrancarem partes do corpo…”.
As manobras externas e a (contínua) falta de militância
“Vamos aqui fazer um exercício que não queríamos fazer, da forma mais responsável e cuidadosa possível. Tenho pena que a comunicação social, assim como alertei os sportinguistas na Assembleia-Geral, esteja a contribuir para atos de verdadeiro terrorismo. Sempre disse que se não estivessem atrás de mim que me matavam e sempre me disseram para ir em frente porque estavam ali, eram o exército. Neste momento, perante o ataque mais vil, pessoal e indigno que me estão a fazer, não vejo afinal onde estão as pessoas que sabiam da capacidade de manipulação e estão a deixar morrer aquele presidente que juraram nas Assembleias Gerais e nas eleições que podia dar 24 horas do seu tempo e o corpo às balas para denunciar o que está mal no desporto. Entregámos o nosso destino nas mãos dos sportinguistas e 90% disseram que queriam este estilo e esta gestão.”
O ataque a Sobrinho e a saída da Holdimo da SAD
“A Holdimo é um caso curioso da comunicação. Álvaro Sobrinho era dos homens mais mal falados, e ainda é mas esta semana passei a ser eu, por todos os motivos: BESA, congelamentos de contas, problemas em vários países… Aparece quase como herói nacional e aquilo que ele diz afinal tem relevância e para a vida do Sporting. Quero dizer que não tivemos nenhum relacionamento especial com a Holdimo, dos 20 milhões que colocaram na altura de Godinho Lopes – e quero relembrar porque isto é um jogo e ele foi trazido por José Maria Ricciardi – só fizemos um acerto de contas de 500 mil euros e ofereceram a tal carrinha para o futebol profissional. Para nós, enquanto sportinguistas e Comissão Executiva da SAD, [a Holdimo] já devia ter vendido a sua participação na SAD porque não é a marca ideal para dar nome e reputação ao Sporting. E recordo-me que, quando fomos buscar Jorge Jesus para o Sporting, isso era possível com o dinheiro sujo de Álvaro Sobrinho…”
Ricciardi, o dono disto tudo com quem era hipócrita
“Durante estes anos errei muito e aprendi muito. Dizem que os líderes têm de ser hipócritas e fui, a bem da união e coesão do Sporting que sempre disse que era estéril. Há uma parte do Sporting que nos recusa e que sempre nos recusará. Ricciardi é o estratega de tudo isto, com promessas nos corredores de entradas de milhões no Sporting com Álvaro Sobrinho, quando só se viu o acerto de contas de 500 mil euros e uma carrinha. É um sobrevivente, um daqueles que vai passando pelos pingos da chuva nem que tenha de ter a família toda na cadeia… Quis assessorar com a sua nova empresa o empréstimo obrigacionista com o Montepio. A proposta foi analisada, recusada e entrou num loop de uma campanha vergonhosa. Continuava a achar que era dono do Sporting, que poderia pôr e dispor, e quando se disse ‘não’ entrou num loop completo e começou a juntar as suas tropas. Ricciardi, Rogério Alves, estamos a falar de tudo aquilo que o Sporting conseguiu afastar e que sempre me orgulhou e deve continuar a orgulhar os sportinguistas. Quando renovei com Jorge Jesus, prometeu 15 milhões ao Sporting que seria o incremento do contrato de Jesus e ele jurou que sim, que dava. Estamos à espera até hoje”
Balizar o início do filme na Madeira e não no pós-Madrid
“Vamos falar do sucedido na Academia e vou tentar ser o mais cuidadoso possível estando 100% disponível para auxiliar a Justiça em todos os aspetos do que aconteceu. Foi um ato bárbaro de terrorismo e aproveitaram-se de um homem que estava abatido e estava em estado de choque com o que viu, tentando e conseguindo colar na opinião pública que “0 crime era chato e faz parte do dia a dia”. Foi um ato hediondo mas que tem o seu início. Aquilo que sabemos é que na Madeira houve atletas do Sporting que infelizmente, por impulsividade, pelo seu temperamento quente, não conseguiram aguentar aquilo que é a frustração. Confesso que os percebo porque já passei por isso, é duro para quem se sente injustiçado, mas temos de saber na vida aguentar e aceitar. Sem o nosso conhecimento, foi dito por um dos ex-líderes da claque Juventude Leonina que iria na terça-feira falar com esses atletas que lhes chamaram nomes e que se viraram. Mas continuo a dizer que os atletas não têm culpa nenhuma. Foi um ato vil, que teve uma origem mas não foi a 6 ou a 7 de abril, quando estava a um dia de saber se a minha filha mais nova sobrevivia ou não. Teve início na Madeira, local onde infelizmente não fui porque gosto de acompanhar [a equipa] mas havia uma prova europeia e uma Taça de Portugal, mas era minha forte convicção que íamos à Madeira ganhar. Não era minimamente expectável perdermos o jogo.”
A defesa dos jogadores, a sua família, até à morte
“Não foi a SAD que deu autorização para alguém entrar. Nunca houve nada em cinco anos, tínhamos uma folha de limpa e ficámos manchados por isto. Lamento que, com o apoio da bem montada teia cartilheira do Benfica, se diga que sou culpado moral. Falou-se em provas, testemunhos fidedignos. Sou pai. Os atletas são a minha família, posso criticar ou dar os parabéns, mas são a minha família e jamais em tempo algum deixaria que fizessem mal à minha família (…) Só não estive lá porque nesse dia do treino saem as notícias mentirosas do Cashball. Temos um nome e uma política contra tudo o que é corrupção e estivemos com o gabinete jurídico a perceber aquele claro ataque. Por um ato que desconhecia na totalidade, podia estar com pontos e fraturas porque eu ia lá estar (…) Jogadores que vão ser nossos, como o Raphinha, também sofreram situações destas mas como não era Bruno de Carvalho, Portugal não ficou assim. Não fazia a menor ideia deste ‘pedido’ do “Vais dizer-me isso na cara”. O que me foi transmitido pelos jogadores quando perguntei o que se tinha passado era que estava bem, que não era nada que não se resolvesse. Tenho pena que não me tenham dito o que se passou e tenho pena de não estar lá porque, para passarem por mim, tinha de sair de lá morto. Pela minha família e pelo meu clube, eu morro”
O aviso para as rescisões unilaterais e a “farpa” em Patrício
“Criou-se uma campanha de pânico para sermos corridos do Sporting, dizendo que os jogadores estavam a preparar rescisões de contrato. Pedir rescisão por um ato que começa numa rixa, e entendam como termo para os jogadores que não perceberam o impacto nem a dimensão, mas que pelos vistos o teve. Começa nos jogadores. O Rui Patrício tem tempo suficiente no Sporting, e eu respeito-o, e não pode nem deve nos estacionamentos dirigir-se a sócios e adeptos a chamar nomes e a dizer que sabiam que estavam pagos, como quando aconteceu quando chegaram de Madrid. Tem mais inteligência emocional do que isto. Não devemos entrar neste tipo de situações com os adeptos. Alguma vez estou a dizer que merecia um ato criminoso? Nunca! (…) Já disse a Joaquim Evangelista, por exemplo, que não pode haver uma tentativa de rescisão por algo que involutariamente saiu dos jogadores. Eles não merecem nada do que passaram, aquilo não é o Sporting nem vai ser nunca mais, mas manter este terror, este silêncio ensurdecedor (…) Cheguei a colocar-me à frente de centenas de adeptos, em Chaves ou em Portimão, e coloquei-me à frente para que se quisessem fazer alguma coisa fizessem a mim e não a eles (…) Tive uma reunião com eles na segunda-feira e disse que tinha sido uma desilusão mas que nos tínhamos de focar. Todos eles responderam que sim e fui perguntar a um atleta do Sporting se ele tinha a noção do que era virar-se a um líder de uma claque; respondeu-me que tinha um sangue quente. Fui falar com o outro e ele disse que só foi ajudar. E com outro, disse que não houve problemas. Isto na véspera do ataque hediondo, mas disse aos jogadores que se houvesse qualquer indício ou ameaça para transmitirem a mim ou ao André [Geraldes]. Em momento algum transmitiram que havia aquele encontro apalavrado para terça-feira e podiam-me ter dito isso. Teríamos motivo para fazer alguns processos disciplinares perante o que aconteceu mas com um crime daqueles não merece, mas não me venham falar mais de rescisões.”
Guerra aberta às instituições e a operação CashBall
“A Academia é e sempre foi um local seguro. As pessoas têm de tirar as ilações, fazer as auditorias e alterações que devem ser feitas, mas jamais posso dizer que não é um local seguro para os atletas estarem a treinar. Até porque, volto a dizer, a Sporting SAD garantirá toda a segurança de todos os atletas de todas as modalidades e são 55. Todos os atletas e staff podem estar calmos porque o que for preciso mudar, mudaremos, mas parem este ato de terrorismo. Lamento que não tenha chegado nenhuma nota oficial de nenhum órgão de soberania de lamento por aquilo que aconteceu ao Sporting. É de cortesia institucional um voto de solidariedade e de repúdio e solidariedade com órgãos sociais, atletas, treinadores e staff. Bem sei que afronto os interesses instalados (…) Os sportinguistas podem estar orgulhosos daquilo que é o clube, da Direção e da Comissão Executiva da SAD. Aqui não há sacos azuis nem verdes, não há contratos com o Braza, não há emails a pedir nomeações que escamotearam. Existem jogadores em choque mas muitas vezes, por trás, aproveita-se emocionalmente um advogado ou um agente”.
A cimeira pedida por Luís Filipe Vieira, via Marta Soares
“Dias antes do jogo de Madrid, Marta Soares veio propor-me a pedido de Luís Filipe Vieira uma cimeira com o mesmo, uma cimeira secreta com o amigo Luís Filipe Vieira. Quando diz que não tem sido fácil falar com o presidente, confesso que nunca tinha dito tanto palavrão numa frase só porque o simples convite é um desrespeito por mim e pelo Sporting. Devia era ser um homem de bom senso que colocasse os interesses do Sporting acima de tudo. É mais um sobrevivente. Apareceu tipo emplastro na Academia. Tem direito a ir lá? Sim. Mas não o direito de mentir. Disse que tinha trocado parcas palavras com Jesus, falei duas horas com ele. Diz que jogadores não falaram, com um deles, o Bruno Fernandes, foi à frente dele. E o Bruno diz: “Isso foi terrível, já disseram que vou para o Norte mas não ligue a isso, o que interessa é o que aconteceu”. Horas ali, falei com vários jogadores. Relembro palavras de Jesus ontem: “Quando vi a notícia que tinha provas que o presidente tinha sido o mandante, a primeira coisa que fiz foi ligar ao presidente” (…) Neste momento, não sei onde está a minha filha Diana porque a minha ex-mulher diz que não estão reunidas condições de segurança e desapareceu com a minha filha Diana. É criminoso o que estão a fazer e espero que os sportinguistas percebam isso. O que está a ser armadilhado por Jaime Marta Soares? Se apresentarmos a demissão, só nos permite recandidatar seis meses depois. Entretanto, coloca uma Comissão de Gestão, e Ricciardi, que sabe que estamos a acabar uma negociação para ficar com a dívida por metade, a tentar vir dizer depois que eles é que são bons.”
As sessões de esclarecimento, a última tábua de salvação
“Vamos fazer três sessões de esclarecimento pelo país, não preciso de um presidente da Mesa da Assembleia Geral que anda a brincar. Vamos ouvir e dar explicações às pessoas. Vamos lutar pela nossa dignidade e pelo Sporting. Somos honrados e sérios, não brinquem mais com os sportinguistas. A operação CashBall vai dar, como diz o meu treinador, bola (…) No Sporting não há corrupção e não há sacos azuis. Somos pessoas honradas, trabalhadoras, que não vão deixar que tomem de assalto o clube e o coloquem como esteve 20 anos (…) Portugal quer destruir o seu enfant terrible. Espero que tudo acabe com os sportinguistas a perceberem tudo o que se está a passar. Avisei que estava a guardar muita coisa, hoje foi uma abertura de porta. Vou dizer tudo o que quiserem e mais, que não disse hoje porque amanhã tem de ser um dia de paz. Não vou ao Jamor, não acho que estejam criadas as condições para ir ao Jamor. E não mereço o que se está a passar e que me tirem isso.”