A noite foi longa. Desde o encerramento das urnas até a divulgação dos resultados na Venezuela passaram-se seis horas. Pouco passava da meia-noite em Caracas (mais cinco horas em Lisboa) quando o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) venezuelano, controlado por políticos chavistas, dava a vitória ao atual Presidente venezuelano, Nicolás Maduro, com 51,9%, angariando mais de cinco milhões de votos. “É o triunfo da independência nacional e da dignidade do povo venezuelano”, destacou o líder venezuelano que avança assim para o terceiro mandato.
No entanto, María Corina Machado, a líder da oposição, desmentiu estes resultados e, minutos após do discurso de vitória de Nicolás Maduro, proclamou: “A Venezuela tem um novo Presidente eleito e é Edmundo González”. “Ganhámos e todo o mundo sabe”, proclamou a política de 56 anos que foi impedida de concorrer a estas presidenciais e teve de escolher o diplomata de 74 anos para ser o rosto da oposição nestas eleições. “Foi algo tão avassalador que ganhámos todos os estados do país. Ganhámos. Vimo-lo nas ruas. Sabemos o que se passou hoje.”
E o resto do mundo também, disse Machado, incluindo antigos aliados da revolução. “E o mais importante é que nós, venezuelanos, sabemos. E os militares do Plano República também sabem. E o seu dever é fazer com que a soberania popular do voto seja respeitada. E é isso que esperamos dos militares”, referiu num apelo claro ao exército.
Os dois lados asseguram que venceram as eleições com uma grande diferença. A comunidade internacional está dividida sobre o que fará com estes resultados. Enquanto países como os Estados Unidos da América (EUA), o Uruguai ou a Costa Rica já admitiram suspeitas em relação aos resultados revelados pelo CNE, outros — como Cuba ou Bolívia — congratularam Nicolás Maduro. Em todo o caso, o processo eleitoral venezuelano tem sido criticado e a oposição foi denunciando irregularidades na contagem de votos. Mas terão María Corina Machado e Edmundo González forma de o comprovar?
A proclamação precoce da vitória do filho de Maduro e as irregularidades das atas
Quando as urnas encerrarem, ninguém sabia o que ia acontecer nas próximas horas. O Conselho Nacional Eleitoral apenas indicava que revelaria os resultados quando houvesse uma margem “inequívoca” para a vitória de um candidato. Mas havia alguém que parecia saber o desfecho logo no início desta noite eleitoral. Nicolás Maduro Guerra, filho do Chefe de Estado, escreveu no X que as “urnas expressaram o que as ruas disseram todos estes meses de campanha”: “Vitória do povo venezuelano”.
Las urnas expresan, lo que la calle ya dijo todos estos meses de campaña. Victoria del pueblo venezolano, feliz cumpleaños comandante Chávez!
— Nicolas Maduro Guerra (@nicmaduroguerra) July 28, 2024
Por sua vez, a oposição fazia um apelo no início da noite eleitoral. Para evitar fraudes, Edmundo González pedia aos cidadãos venezuelanos que “participassem na verificação dos resultados” e que se deslocassem aos locais de voto para terem acesso às atas: “É a prova”. Oito países da América Latina (Argentina, Costa Rica, Equador, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana e Uruguai) emitiram igualmente um comunicado em que pressionavam para que houvesse uma contagem dos votos transparente, que permitisse a verificação e controlo dos observadores e delegados de todos os candidatos.
À medida que o suspense ia crescendo e não havia resultados, Delsa Solorzano, porta-voz da candidatura de Edmundo González, veio a público denunciar que o regime de Nicolás Maduro “tinha paralisado” a transmissão dos resultados eleitorais destas presidenciais e recusou-se a partilhar algumas atas com a oposição. “Fomos [à sede] do Conselho Nacional Eleitoral e impediram-nos o acesso”, criticou ainda Delsa Solorzano, acrescentando que muitos membros da oposição foram obrigados a sair dos locais do voto.
Já era um sinal de que estas eleições não correriam como o normal. Ainda assim, por parte do regime, tentou passar-se a imagem de que este ato eleitoral foi justo e transparente. O presidente da Assembleia Nacional, Jorge Rodríguez garantiu que o “sistema eleitoral venezuelano funciona na perfeição”. “Esta festa democrática ocorreu em absoluta tranquilidade e absoluta paz”.
“Vejam os eventos democráticos em qualquer parte do continente e em outras partes do planeta. Sem dúvida que a Venezuela é um exemplo para o mundo na realização de eventos eleitorais em completa paz”, saudou ainda Jorge Rodríguez. O mesmo argumento foi utilizado por Nicolás Maduro, no seu discurso da vitória; elogiou o “sistema eleitoral” venezuelano, que é de “grandíssima confiança” e marcado pela “transparência e segurança”.
A oposição continuava a criticar. Após a denúncia de Delsa Solorzano, outro responsável da oposição, Omar Barboza, precisou que apenas tiveram acesso a “30% das atas” eleitorais — “Não nos permitiram ter o resto” —, sendo que vários membros das mesas de voto afetos à oposição “foram retirados dos locais de voto”. Para além disso, o político indicou que tentaram conversar com o governo para tentar detalhar a transição de poder. Mas nunca obtiveram qualquer resposta por parte do regime.
A pressão dos países estrangeiros e os resultados contestados
“Com calma, com muita alegria, com muito entusiasmo, sem amarguras e sem apelar à violência.” Foi assim que Diosdado Cabello, número dois do regime de Nicolás Maduro, pediu que os venezuelanos esperassem pelos resultados eleitorais a meio da noite. Porém, fora de fronteiras, a paciência parecia esgotar-se. Dirigentes de países como a Colômbia, o Uruguai ou o Chile pressionavam o Conselho Nacional Eleitoral para divulgar os resultados.
Outros ainda foram mais longe. De forma categórica, o Presidente argentino, Javier Milei, garantiu que Nicolás Maduro perdeu as eleições presidenciais na Venezuela. “Ditador Maduro, fora!”, escreveu no X. “O mundo aguarda que [Maduro] reconheça o derrota, após anos de socialismo, miséria, decadência e morte”, atirou o líder da Argentina, assegurando que o país não ia “reconhecer outra fraude” eleitoral.
DICTADOR MADURO, AFUERA!!!
Los venezolanos eligieron terminar con la dictadura comunista de Nicolás Maduro. Los datos anuncian una victoria aplastante de la oposición y el mundo aguarda que reconozca la derrota luego de años de socialismo, miseria, decadencia y muerte.…
— Javier Milei (@JMilei) July 29, 2024
Os resultados foram revelados poucos minutos após a meia-noite em Caracas pelo Conselho Nacional Eleitoral e deram a vitória a Nicolás Maduro com 51,9% dos votos, ao passo que Edmundo González se ficou pelos 44,2%. Com 80% dos votos contabilizados, o presidente do CNE, Elvis Amoroso, declarou que a tendência de vitória do Presidente venezuelano era “contundente e irreversível”. O responsável adiantou ainda que a taxa de participação eleitoral foi de 59%.
Nas palavras de Nicolás Maduro, esta vitória dirige-se contra os países estrangeiros que aplicam “sanções” à Venezuela. No discurso da vitória, garantiu que o “fascismo” não passará “nem hoje nem nunca” no país. Denunciou ainda uma “guerra psicológica” nos meios de comunicação social e anunciou que houve um “ataque massivo aos sistemas do Conselho Nacional Eleitoral”. Sobre a oposição, Nicolás Maduro criticou as acusações de “fraude”. “Já vi esse filme. É o filme da extrema-direita.”
Poucos minutos depois de Nicolás Maduro discursar em frente ao Palácio de Miraflores — em clima de festa — María Corina Machado anunciou que não ia aceitar os resultados oficiais. “A comunidade internacional sabe o que está a acontecer. O povo venezuelano votou pela mudança. Pela alegria de ter uma transição pacífica”, declarou María Corina Machado, indicando que, nos “próximas dias”, vai anunciar eventos para defender a “verdade”.
“Temos estado a certificar-nos de que toda a informação foi recolhida e comunicada. Três sondagens à boca das urnas com resultados impressionantes. Ao longo do dia, com as quatro contagens rápidas, monitorizámos a afluência às urnas hora a hora, que é histórica face à quantidade de pessoas que foram votar”, referiu, garantindo: “A nossa luta vai continuar e não descansaremos até que a vontade do povo seja respeitada”.
O candidato presidencial replicou as críticas da líder da oposição e não teve receio em denunciar a fraude eleitoral que diz que o regime venezuelano levou a cabo. “Violaram todas as normas”, acusou Edmundo González, assegurando que vai continuar a seguir o objetivo da “reconciliação pela paz” até que a “vontade do povo venezuelano seja respeitada”.
Vários países sinalizaram que não vão aceitar os resultados: Peru, Costa Rica, Uruguai. O Presidente de Chile, Gabriel Boric Font, um político de esquerda, manifestou a sua apreensão: “O regime de Maduro deve entender que os resultados que publica são difíceis de acreditar”.
A condenação mais evidente veio dos Estados Unidos. O secretário de Estado, Antony Blinken, sublinhou que o país tem “sérias preocupações” de que os resultados anunciados “reflitam” a “vontade ou votos do povo venezuelano”. “A comunidade internacional está atenta e segue o que se passa, agindo de forma responsável”, afirmou o chefe da diplomacia norte-americana.
Em contrapartida, os Presidentes de Cuba, Bolívia e Honduras felicitaram Nicolas Maduro pelo resultado obtido nas eleições e reforçaram o apoio a Venezuela. Por exemplo, o Chefe de Estado cubano Miguel Díaz-Canel escreveu que conversou “com o irmão” Maduro “para lhe transmitir os parabéns em nome do partido, do governo e do povo cubano pelo triunfo eleitoral histórico alcançado”. “A dignidade e a coragem do povo venezuelano triunfaram sobre as pressões e manipulações.”
Se tudo correr como o previsto, Nicolás Maduro deverá assumir um terceiro mandato e ser Presidente venezuelano por mais seis anos. Do outro lado, ainda assim, tem uma política que ganhou o cognome de “dama de ferro” pela teimosia e coragem. María Corina Machado não vai desistir e vai tentar garantir apoios para a sua missão de “libertar” a Venezuela.
María Corina Machado. O “fenómeno político” com raízes portuguesas que espera derrubar Maduro