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Afinal, quem tem direito a impor o teletrabalho? E que controlo pode o empregador exercer? 22 respostas sobre o que vai mudar

Lei vai ser mais específica sobre as despesas a cargo do empregador, alarga a possibilidade de os trabalhadores imporem o teletrabalho sem acordo e restringe as formas de controlo. O que muda?

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Portugal tem estado nas notícias internacionais pela aprovação de medidas que regulam o teletrabalho além da pandemia. A Euronews salienta que Portugal “ilegalizou” a possibilidade de os patrões enviarem mensagens para o trabalhador, a mesma ideia que foi destacada pelo BusinessInsider, que escreve: “é agora ilegal para os patrões enviarem mensagem aos trabalhadores depois do horário em Portugal, numa altura em que o país tenta atrair nómadas digitais com novas medidas laborais”.

Mas as alterações vão muito além disso. A lei vai passar a ser mais específica sobre as despesas a cargo do empregador, alarga a possibilidade de os trabalhadores imporem o teletrabalho sem acordo do empregador e também restringe o leque de opções da empresa para controlar os seus trabalhadores. Afinal, o que muda com as regras aprovadas no Parlamento? E quando podem entrar em vigor?

Como se define o teletrabalho?

Nas alterações agora aprovadas, o teletrabalho é definido como “a prestação de trabalho em regime de subordinação jurídica do trabalhador a um empregador, em local não determinado por este, através do recurso a tecnologias de informação e comunicação”. Na lei que ainda está em vigor, a definição é ligeiramente diferente, ao entender por teletrabalho “a prestação laboral realizada com subordinação jurídica, habitualmente fora da empresa e através do recurso a tecnologias de informação e comunicação”.

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Outra novidade é que algumas das mudanças que tiveram luz verde (por exemplo, o pagamento das despesas, a igualdade de direitos e deveres, o controlo do trabalho à distância ou as regras de saúde e segurança no trabalho) passam também a aplicar-se aos trabalhadores em regime de dependência económica, ou seja, os independentes em que mais de metade da atividade é prestada à mesma empresa.

A empresa pode impor o teletrabalho?

Não. O teletrabalho está sempre sujeito a acordo (com algumas exceções, que serão explicadas mais à frente).

teletrabalho

Regras também se aplicam ao setor público "com as necessárias adaptações"

Getty Images/iStockphoto

O que deve conter esse acordo?

Em primeiro lugar, o acordo pode constar no contrato de trabalho inicial ou ser “autónomo”. Em qualquer dos casos, tem de definir o regime de permanência em teletrabalho ou de alternância entre períodos de trabalho à distância e de trabalho presencial e conter:

  • Identificação, assinaturas e domicílio ou sede das partes;
  • Local em que o trabalhador vai habitualmente realizar o trabalho e que será considerado “para todos os efeitos legais” o seu local de trabalho (esse local pode ser alterado pelo trabalhador mediante um acordo escrito com o empregador);
  • O período normal de trabalho diário e semanal;
  • O horário;
  • A atividade para a qual o trabalhador está a ser contratado e respetiva categoria;
  • Salário, incluindo “prestações complementares e acessórias”
  • A propriedade dos instrumentos de trabalho e o responsável pela instalação e manutenção, assim como especificar se são fornecidos ao trabalhador ou por ele adquiridos, “com a concordância do empregador acerca das suas caraterísticas e preços”.
  • A periodicidade e o modo de concretização dos contactos presenciais que devem ser promovidos pelo empregador para evitar o isolamento do trabalhador.

E o subsídio de alimentação?

O subsídio de refeição não está integrado expressamente na nova lei. No entanto, o PS considera que está incluído nas “prestações complementares e acessórias”.

Deputados aprovam alargamento do teletrabalho a pais com filhos até 8 anos

O trabalhador pode recusar o teletrabalho?

Sim. Quando a proposta de teletrabalho partir do empregador, o trabalhador pode recusar e não tem de justificar a recusa. Porém, essa recusa não pode levar a despedimento nem funcionar como fundamento da aplicação de qualquer sanção.

E o empregador pode recusar?

Pode. Quando a atividade do trabalhador é compatível com o teletrabalho e, “tendo em conta os recursos” de que a empresa dispõe, o empregador só pode recusar o pedido de teletrabalho do funcionário por escrito e com indicação do fundamento da recusa. Mas há exceções.

Em que situações é que o empregador não pode recusar?

A lei atual já prevê que possam prestar serviço à distância trabalhadores vítimas de violência doméstica e os que têm filhos com menos de três anos (neste caso, quando o empregador tem recursos e meios para o fazer), sempre que a atividade é compatível com o teletrabalho e mesmo que não haja acordo do empregador.

Porém, a nova legislação vem definir que o direito ao teletrabalho se estende aos pais com crianças até aos oito anos. Nos casos em que a atividade dos dois progenitores é compatível com o teletrabalho, só têm direito a impor unilateralmente o regime se ambos forem alternando em períodos de igual duração até 12 meses. O direito também se aplica às famílias monoparentais ou quando apenas um dos progenitores pode teletrabalhar (nesse caso não há, naturalmente, obrigatoriedade de alternância).

Pais e mães em teletrabalho têm de trocar no máximo a cada seis meses

Também os trabalhadores com estatuto de cuidador informal não principal podem impor o regime sem o ‘ok’ do empregador pelo período máximo de quatro anos seguidos ou interpolados, mas desde que a atividade seja compatível com o teletrabalho e a empresa tenha os meios necessários. Neste caso, o empregador pode opor-se quando não estão reunidas as condições ou “com fundamento em exigências imperiosas do funcionamento da empresa”.

O incumprimento destas normas constitui uma contraordenação grave (punível com multa até 9.690 euros).

O direito ao teletrabalho para quem tem filhos até aos oito anos aplica-se a todas as empresas?

Não. Os trabalhadores das microempresas (até dez trabalhadores) com filhos até essa idade não podem impor unilateralmente o regime.

Quanto tempo pode durar o acordo de teletrabalho?

O acordo pode ter duração determinada ou indeterminada. No primeiro caso, não pode ir além dos seis meses, “renovando-se automaticamente por iguais períodos”, caso nenhuma das partes declare, por escrito, que não pretende renová-lo até 15 dias antes do fim do acordo. No segundo caso, de duração indeterminada, qualquer das partes pode pôr fim ao acordo, mediante uma comunicação escrita à outra parte, com 60 dias de antecedência.

Além disso, quer num caso quer no outro, qualquer uma das partes pode denunciar o acordo, durante os primeiros 30 dias.

E o que acontece quando o acordo chega ao fim?

Uma vez cessado o acordo de teletrabalho, e caso tal aconteça no âmbito de um contrato de trabalho de duração indeterminada ou outro que ainda não tenha chegado ao fim, o trabalhador tem o direito de retomar a atividade em regime presencial. Esse regresso não pode implicar uma perda de direitos face aos outros trabalhadores em regime presencial com funções e duração de trabalho idênticas, nem prejudicar a contabilização da antiguidade.

Afinal, que despesas tem o empregador de pagar?

O empregador deve disponibilizar os equipamentos e sistemas necessários à realização do trabalho à distância e à interação empregado-empregador. A lei que entrará em vigor define também que a empresa deve pagar as “despesas adicionais” que o trabalhador tenha por estar à distância desde que as comprove. Essas despesas incluem a eventual aquisição dos equipamentos e sistemas informáticos, mas também os gastos que advêm do seu uso, como os acréscimos de custos de energia e internet “em condições de velocidade compatível com as necessidades de comunicação de serviço”.

Também estão a cargo do empregador os custos de manutenção dos equipamentos e dos sistemas. O pagamento pelo empregador deve ocorrer “imediatamente” após a realização das despesas.

Como é que se calculam essas despesas adicionais?

A aquisição dos tais equipamentos necessários à realização do teletrabalho é considerada uma despesa adicional, pelo que o valor gasto nessa compra deveria ser reembolsado. No caso das outras despesas, nomeadamente de energia e internet, o cálculo é feito em comparação com as despesas homólogas “no mesmo mês do último ano anterior à aplicação desse acordo”.

Ou seja, por exemplo, se o acordo entrar a vigor a 15 de janeiro 2022, o cálculo do acréscimo das despesas será em relação ao mês de janeiro de 2021. Nesse mês, fortemente afetado pela pandemia, o teletrabalho foi obrigatório, o que pode ter levado a consumos superiores de energia. Por isso, como escreveu o Negócios, pode partir-se de uma base elevada, o que influenciará o cálculo do acréscimo de despesas.

A lei vai salvaguardar, no entanto, que a compensação paga ao trabalhador seja, para efeitos fiscais, considerada um custo para a empresa e não um rendimento para o trabalhador.

Os meios de trabalho podem ser usados para outros fins que não o teletrabalho?

As condições para o uso dos equipamentos e sistemas fornecidos pelo empregador devem ser estabelecidas pelo empregador num regulamento interno ou no acordo de teletrabalho. Constitui uma contraordenação grave (punível com multa até 9.690 euros) a aplicação de sanções ao trabalhador por este usar equipamentos além das necessidades de trabalho quando esses limites não estão definidos no regulamento ou no acordo.

O trabalhador tem de ter os mesmos direitos do que os colegas que estão no escritório?

Sim, pelo menos em teoria. A lei vai definir que o teletrabalhador vai gozar dos mesmos direitos que os seus colegas na mesma categoria e função idêntica, o que inclui o acesso a formação, limites da duração do trabalho, períodos de descanso, como férias pagas, proteção na saúde e segurança no trabalho, reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais, acesso a informação das estruturas que representam os trabalhadores e a promoção na carreira. Quanto a este último ponto poderá, no entanto, ser difícil de provar que um trabalhador foi preterido face a outro por estar em teletrabalho.

O salário também terá de ser “no mínimo” o valor que o trabalhador auferia em regime presencial, com a mesma categoria e função. O trabalhador terá igualmente direito a participar presencialmente em reuniões nas instalações da empresa mediante a convocação das comissões sindicais e intersindicais ou da comissão de trabalhadores. Também pode integrar essas estruturas de representação coletiva.

Constitui uma contraordenação grave (punível com multa até 9.690 euros) a desigualdade entre trabalhadores remotos e presenciais.

O empregador pode controlar o teletrabalhador?

Não de forma dissimulada. Vai passar a ser proibida a captura e utilização de imagem, de som, escrita, histórico ou recurso a outros meios de controlo “que possam afetar o direito à privacidade do trabalhador”. Constitui contraordenação muito grave o desrespeito por essa norma, com multas que podem chegar a 61.200 euros, consoante o volume de negócios e o grau de negligência.

Ao invés, os poderes de “direção e controlo” são exercidos “preferencialmente” através de equipamentos e sistemas de comunicação e informação afetos à atividade do trabalhador. Esses procedimentos de controlo têm, porém, de ser conhecidos do funcionário e garantir o seu direito à privacidade. Fica, assim, proibido o controlo através de meios que tenham sido instalados sem o conhecimento do trabalhador, como já aconteceu em casos relatados pelo Observador. O controlo deve “respeitar os princípios da proporcionalidade e da transparência, sendo proibido impor a conexão permanente, durante a jornada de trabalho, por meio de imagem ou som”.

A deputada do Partido Comunista Português (PCP) Diana Ferreira intervém no debate sobre "o Teletrabalho", durante a sessão plenária para a votação do Orçamento Suplementar para 2020, na Assembleia da República, em Lisboa, 03 de julho de 2020. O parlamento deverá aprovar hoje, em votação final global, a proposta de orçamento suplementar, que se destina a responder às consequências económicas e sociais provocadas pela pandemia de covid-19. MIGUEL A. LOPES/LUSA

Medidas foram aprovadas no Parlamento, mas ainda aguardam promulgação do Presidente da República

MIGUEL A. LOPES/LUSA

Outra forma de “controlo” é com visitas ao domicílio. A lei já prevê visitas entre as 9h e as 19h. Mas agora acrescenta que requer um aviso prévio de 24 horas e a concordância do trabalhador. Essa visita “só deve ter por objeto o controlo da atividade laboral, bem como dos instrumentos de trabalhadores”. Apenas pode acontecer na presença do trabalhador e durante o seu horário de trabalho. As ações realizadas pelo empregador devem ser “adequadas e proporcionais aos objetivos e finalidade da visita”.

O empregador deve respeitar a privacidade do trabalhador, o horário de trabalho e os tempos de descanso e de repouso da família e garantir-lhe boas condições de trabalho, a nível físico e psicológico.

Quem fiscaliza se o empregador está a cumprir todas estas regras?

O “serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela área do trabalho”, neste caso a Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT). Além de fiscalizar o cumprimento das normas do teletrabalho, deve prevenir “riscos profissionais” inerentes a esse regime. Em qualquer dos casos, as ações de fiscalização que impliquem visitas ao domicílio têm de ter aceitação do trabalhador, e comunicadas com, pelo menos, 48 horas de antecedência.

O trabalhador tem de ir com regularidade ao escritório?

Sim, de dois em dois meses. Ou se não for ao escritório, a outro sítio indicado pelo empregador. A lei vai prever que a empresa deve mitigar o isolamento do trabalhador, convocando-o, com a periodicidade estabelecida no acordo de trabalho ou, caso não haja essa referência no acordo, “com intervalos não superiores a dois meses”, para contactos presenciais com as chefias e colegas.

Trabalhadores em teletrabalho têm de ir à empresa de dois em dois meses

Pode ser convocado para reuniões na empresa?

Sim, e tem de ir. A lei vai definir que o trabalhador tem ir às instalações da empresa ou a outro local designado pelo empregador “para reuniões, ações de formação e outras situações que exijam presença física”. Porém, tem de ser convocado com, pelo menos, 24 horas de antecedência. O custo dessa deslocação deve ser suportado pela empresa, mas apenas no valor que excede o “custo normal do transporte” entre a casa do trabalhador e o escritório.

Também as reuniões de trabalho à distância devem acontecer dentro do horário de trabalho e ser agendadas com 24 horas de antecedência.

Patrões podem contactar o funcionário fora de horas?

Em teoria, não. O mais próximo a que se chegou no “direito a desligar” foi com uma proposta que define que o “empregador tem o dever de se abster de contactar o trabalhador no período de descanso” exceto em situações de “força maior”. Da teoria à prática vai uma grande distância, e, segundo o Público, a aplicação da medida fica dependente do funcionário, que pode sempre recusar atender telefonemas ou responder a emails ou fazer queixa à ACT.

Se não respeitarem o período de descanso, podem incorrer numa contraordenação grave, que dá multas até 9.690 euros, consoante o volume de negócios e o grau de negligência.

Estas regras também se aplicam no setor público?

Sim, “com as necessárias adaptações”, ressalva a lei aprovada. Neste caso, cabe “às inspeções setoriais fiscalizar o cumprimento das normas reguladoras do teletrabalho”.

E se tiver um acidente de trabalho?

A lei já refere que o trabalhador em regime de teletrabalho “tem os mesmos direitos e deveres dos demais trabalhadores”, nomeadamente no que toca a “reparação de danos emergentes de acidente de trabalho ou doença profissional”. As novas alterações acrescentam, porém, que o “regime legal dos acidentes de trabalho e doenças profissionais aplica-se ao teletrabalho” (considera-se local de trabalho o que foi escolhido para exercer “habitualmente” a sua atividade).

Além disso, o empregador deve promover a realização de exames de saúde no trabalho antes da implementação do teletrabalho e exames anuais para avaliação da aptidão física e psíquica do trabalhador. Se não cumprir incorre numa contraordenação muito grave, punível com multa até 61.200 euros.

Quando entra em vigor?

As alterações ainda terão de ser promulgadas pelo Presidente da República e publicadas em Diário da República. Entram em vigor no primeiro dia do mês seguinte ao da publicação.

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