Adepta da pontualidade, dispensa abraços e beijinhos e prefere que falem com ela em português. Chega a uma das salas do hotel onde está hospedada no Porto com um vestido às riscas coloridas e uns sapatos vermelhos, ambos da sua autoria. Irrequieta e enérgica na cadeira, Agatha Ruiz de la Prada fala sem filtros de quase tudo num ritmo frenético que parece combinar bem com a sua vida.
Otimista, inconformada e provocante, a designer espanhola sonhava ser pintora, mas preferiu seguir o caminho da moda por ser um trabalho mais coletivo e por acreditar que estando rodeada de pessoas é impossível sentir-se triste. Garante não ter dias maus e é na alegria que explora sua criatividade, hoje estampada em roupa, sapatos, acessórios, mobiliário, decoração ou perfumes. Cores vibrantes, forma geométricas exageradas, corações, riscas, flores e arco íris, a estética de Agatha Ruiz de la Prada é inconfundível e tem tanto de infantil como de irreverente.
Com 20 anos criou uma marca homónima, que vendia apenas às amigas, mas também uma identidade que se tornou conhecida nos quatro cantos do mundo à boleia do El Corte Inglés. Apesar do sucesso repentino e global, diz que nunca se deixou deslumbrar e foi na resiliência de se adaptar a todas as circunstâncias que conseguiu sobreviver à crítica e às crises. A sua voz pela igualdade de género, pela sustentabilidade e pela democratização da moda faz-se ouvir nos desfiles que protagoniza, nas exposições que organiza e nos livros que escreve, mas também naqueles que lê deitada na cama no fim do dia.
Fala das influências da família e da pop arte, do sabor da liberdade que conheceu cedo e da vontade de vestir todos os corpos, até o da Kim Kardashian. Defende a moda confortável, acessível e intemporal e recorda uma pandemia que a obrigou a abrandar e a regressar à origens do seu processo criativo. Em 40 anos o mundo mudou, a moda mudou, mas Agatha Ruiz de la Prada manteve-se feliz e fiel ao seu universo colorido, a sua vida funde-se e confunde-se com o seu trabalho, aquele que, segundo ela, a salva todos os dias e em qualquer lugar.
Regressa agora a Portugal, o país responsável por 90% da confeção da sua marca, para fechar o primeiro dia do Portugal Fashion com um desfile no Mosteiro São Bento da Vitória, no Porto.
Já perdeu a conta às vezes que veio a Portugal?
Sim, completamente. A primeira vez foi numas férias e tinha 17 anos, depois de criar a minha marca tenho vindo muitas mais. Há alturas que visito Portugal duas ou três vezes por mês, aliás, 90% da minha produção é feita cá há 30 anos.
Porquê?
Quando era pequena existiam muitas fábricas de tecidos e confeção em Espanha, as pessoas mais ricas estavam ligadas a esse meio, ainda hoje é assim, vejamos o caso da Inditex, mas ao longo dos anos muitas dessas fábricas começaram a fechar. Quando comecei a trabalhar como designer de moda, queria fazer uma t-shirt em três cores, em Espanha produziam cinco mil de cada cor, mas em Portugal faziam 25, que eram as que eu queria. Depois veio o mercado chinês e aí a forma de trabalhar dos portugueses, mais próxima, não tem concorrência possível. Portugal tem feito as coisas muito bem, mesmo em momentos de crise tem sido um exemplo de crescimento e de inteligência.
Nunca teve uma casa cá, pois não?
O problema é que já tenho muitas casas no mundo, em Paris, Milão, Nova Iorque e Londres. No caminho do aeroporto para o hotel apaixonei-me por uma casa junto ao rio Douro com um jardim incrível, tenho de comprar uma casa no Porto. Em Lisboa nunca tive, mas aqui fazia sentido porque as fábricas com quem trabalho estão nesta zona do país. Todos os espanhóis, incluindo eu, sonham viver aqui. Adoro arquitetura, o meu pai era arquiteto, e aqui ela é belíssima.
Queria ser pintora, quando é que a moda surge na sua vida?
Acho que com 15 anos percebi que a moda é um trabalho de equipa, há modelos, maquilhadores, cabeleireiros, costureiros e produtores, então quando estamos com muita gente é impossível ficarmos tristes. A pintura é um trabalho mais solitário e que pode criar uma certa depressão, na moda não se abranda há sempre mais um desfile, mais uma venda, mais uma coleção ou mais um problema. Já fiz 74 desfiles num ano, uma vez fiz cinco desfiles em três continentes numa única semana. Acabo de chegar do México, estive lá três dias, não comi quase nada, acredita que vim mais gorda? Acho que os aviões têm esse efeito em mim, viajar engorda-me muito, talvez pela ansiedade.
Não se sente cansada?
Acho que começo a não ter idade para isto. Quando veio a pandemia, fechou tudo numa sexta-feira e na segunda-feira seguinte tinha um desfile em México que não consegui fazer, mas tive a sorte de ter uma casa de campo que parece ter sido desenhada para a pandemia. Tinha 16 cães, cavalos, galinhas, ovelhas e todo o meu trabalho na minha fundação, senti que podia estar ali eternamente.
Foi feliz durante a pandemia?
Imensamente feliz. Claro que fiquei preocupada com a doença, a minha família e os meus amigos, mas adoro ler, é a coisa que mais gosto de fazer na vida, então passei muito bem esse período. Mantive contacto com os meus amigos, apesar de não conseguir estar com eles, e às 20h30 enfiava-me na cama e desligava o telemóvel.
Não engordou durante a pandemia?
Não [risos]. Fazia 25 mil passos por dia só a passear os cães.
Continuou a criar ou essa parte ficou temporariamente bloqueada?
No momento mais crítico do confinamento desenhei muita roupa, voltei às minhas origens.
Como assim?
O início da minha carreira era entrar no estúdio e desenhar, depois comecei com este movimento todo de viagens, entrevistas e apresentações, por isso a permitiu-me parar e regressar às minhas raízes, sinto que fui mil vezes mais criativa. Os meus dias eram passados a pensar, a ler e a desenhar com tranquilidade.
Como recorda esse início de carreira?
Com 20 anos criei a minha marca de roupa e fiz o meu primeiro desfile. Era tudo bem diferente, tinha uma produção pequena e só mais tarde é que El Corte Inglés se tornou o meu parceiro comercial e tudo mudou, acho que a minha carreira não seria nada sem esta parceria. Nessa altura vendia as minhas peças às minhas amigas e aos meus primos e de repente chegar ao El Corte Inglés, que era o todo o poderoso em Espanha foi incrível, houve um boom que ninguém esperava, era completamente inimaginável isto acontecer.
Como era a moda nessa época? Que referências tinha e o que queria trazer de diferente?
Os modistas de alta costura estavam a desaparecer. Com 15 anos o meu designer preferido era o Yves Saint Laurent e tive a sorte de fazer parte de uma geração que democratizou a moda. Quando era jovem, apenas as pessoas muito ricas podiam sair à rua bem vestidas, quando chega a Zara e a H&M qualquer pessoa passou a poder fazê-lo. Lembro-me de me sentar numa esplanada e só ver sapatos feios e há um dia em que nesse mesmo lugar olho para vários e considero-os bonitos e bem feitos. Acredito que a grande revolução da minha geração foi trazer o conforto para a moda e isso foi uma grande conquista. A pessoa mais rica do mundo não se vai vestir como a Maria Antonieta, as mulheres de hoje querem fazer tudo, estudar, serem cultas, trabalhar, ter uma família, ter amantes, ir ao ginásio, mas para fazerem tudo isso não podem andar de saltos altos. A minha época foi muito interessante nesse sentido e a minha mensagem foi sempre explorar a relação entre o mundo das artes, que conheci através do meu pai, e o mundo da moda, é nele que me expresso e pretendo chegar a todo o mundo. Não me interessa fazer roupa para a Maria Antonieta, interessa-me fazer muita roupa para muita gente diferente. Emociona-me muito ouvir na Venezuela, na Colômbia ou aqui em Portugal pessoas dizerem que aprenderam a escrever com canetas da minha marca ou que foram para a escola com uma mochila minha nas costas. É muito bonito que isto aconteça.
Começa por desenhar roupa feminina, depois aventura-se no vestuário masculino e infantil, mas também nos acessórios, nos sapatos, na decoração, no mobiliário, na perfumaria e por aí fora. Como se mantém uma identidade em tantos produtos?
O meu foco sempre foi a roupa, mas já fiz quase tudo, desde lâmpadas, azulejos, talheres, biberons, óculos, relógios, livros. Para muitos designers é difícil multiplicar uma identidade em tudo isto, mas para mim é fácil porque como queria ser pintora acabo por ser uma designer muito gráfica. Como é que o Roberto Verino, o Adolfo Dominguez ou o Giorgio Armani fazem um caderno? Basta colocarem o seu nome, eu desenho um coração, um arco íris ou umas flores e rapidamente o reconhecem como meu.
De onde vem essa estética?
Quando tinha cinco ou seis anos vivi intensamente a pop na arte, o aparecimento dos hippies, dos Beatles, dos Rolling Stones e da mini saia, foi um período de paz, de liberdade no amor e um momento muito forte no que diz respeito à ecologia. A minha casa era a mais bonita de Madrid, tinha três piscinas e a melhor coleção de arte contemporânea em Espanha, lembro-me de ir ver uma exposição ao Pompidou em 2007 sobre os anos pop com móveis e candeeiros e muitas das peças faziam parte da decoração da minha casa.
Essas opções gráficas e muito coloridas estão relacionadas com sentimentos com a felicidade ou a alegria. A Agatha incorpora tudo isso também na sua personalidade?
Interessa-me a moda para ser feliz e fazer os outros felizes. Por exemplo, essa t-shirt preta que traz vestida, eu só a usaria para ir a funeral [risos]. Não tenho roupa escura no meu armário porque não ela me transmite alegria, enquanto a roupa colorida sim, então pelo mesmo preço escolho a cor.
Quando descobre tão nova o que gosta de fazer e atinge rapidamente o sucesso, não há o risco de se poder deslumbrar?
Tenho sempre tantos problemas que eles não dão espaço para me poder deslumbrar com nada. O sapato, as mangas, a encomenda, as malas, o passaporte. Sempre tive problemas para resolver e sempre tive um sentido coletivo muito forte, nunca me passou pela cabeça: “ai, que famosa eu sou”. O meu trabalho é feito com muita gente e para muita gente.
Em 2011 criou uma fundação com todo o seu arquivo. Porquê?
Prefiro mostrar as minhas peças em vida do que depois de morta. Há poucas fundações e museus dedicados à moda, tinha milhares de coisas guardas em casa e queria muito ter um local onde todas elas pudessem estar organizadas e visíveis, acho que é uma forma elegante de mostrar o que faço.
Tem feito várias exposições com algumas peças desse arquivo, três das quais em Portugal. Planeia fazer mais?
Neste momento tenho mais vontade de voltar a fazer produtos do que organizar exposições, cansam-me mais.
Nestes 41 anos de marca, o que foi mais difícil?
Acho que o mais importante e o mais difícil na minha vida foi saber adaptar-me a todas as circunstâncias e ser resiliente. Estiva casada 30 anos com um homem e um certo dia separámo-nos, nesse momento tive que mudar o chip numa altura em que já tinha filhos, queria ter netos, e toda a minha vida estava organizada. A vida é uma constante adaptação, mesmo durante a pandemia pensei: “o que faço agora? Tenho tantos funcionários, tantos salários para pagar.” Lembro-me que no meu colégio existiam raparigas da minha idade que eram muito mais inteligentes que eu, mas queriam ser funcionárias públicas, coisa que eu nunca quis. Elas queriam ganhar um dinheiro certo no fim do mês, trabalhar entre quatro paredes e ter um horário, mas para mim é indiferente ter um horário, nunca me importei com isso porque adoro o meu trabalho.
E sente que está sempre a trabalhar?
Sempre, mesmo quando vou ao teatro, ao cinema ou à ópera. Há uma coisa muito importante na minha profissão que os meus filhos não entendem que é ter uma vida social. Ainda ontem estive numa festa no Museu Sorolla no lançamento de um livro de cozinha de uma influencer espanhola, estava lá toda a gente e dessa interação surgem projetos, compras e vendas. É algo importante para mim intelectualmente e para a minha marca crescer. Se te fechas no quarto e não sais de casa, em três anos depois ninguém sabe quem és. Claro que não me importo de me fechar no quarto porque adoro ler.
O que está a ler agora?
Montesquieu, trouxe-o comigo para o Porto. No outro dia li um livro num dia, mas este vou demorar dois meses porque é muito difícil.
A moda mudou muito, tornou-se mais global, digital e acessível. Como se adaptou a tudo isso?
Acredito que o grande desafio da moda hoje é a sustentabilidade. O meu avô era ecologista, nos anos 1920 existiu um grande movimento ecologista em Espanha e na altura o meu pai comprou uma casa em Lanzarote onde havia pouca água, então ele aborrecia-se muito quando via alguns dos meus irmãos a desperdiçá-la. A minha casa em Madrid estava quase sempre às escuras porque o meu pai nos obrigava a apagar as luzes. Tenho isso entranhado desde que nasci na minha cabeça, falo muito sobre este tema há vários anos e gosto que agora ele seja finalmente um tema global.
O seu público é muito amplo, é fácil identificá-lo?
Vai desde o recém-nascido até às pessoas mais velhas. Numa determinada época, eram poucas as casas em Espanha que não tinham uma peça minha.
Que efeito é que isso tem em si?
Faz-me feliz. A melhor coisa que me podem fazer é vestirem a minha roupa. Uma amiga que não veste a minha roupa, não é minha amiga.
O que ainda lhe falta fazer?
Falta-me perceber como é que a minha empresa se vai adaptar a esteve novo período pós pandemia. Há poucas casas de moda que tenham durado tantos anos, talvez Saint Laurent, Gucci, Chanel ou a Dior. Depois também é muito difícil manter uma loja física aberta, tinha duas no Porto, uma na zona da Boavista com a mesma funcionária há 20 anos e outra mais recente no centro da cidade, mas é complicado. É importante para uma pessoa como eu ter gente jovem à sua volta, que saiba lidar com as redes sociais, que tenha vários amigos e que pense mais à frente. O mundo mudou, a moda mudou e 40 anos é muito tempo. Além disso, acho que ainda não nos apercebemos do quanto a pandemia mudou as nossas cabeças, durante dois anos as pessoas só compraram pijamas e roupa de desporto.
O que mudou em si?
Foram dois anos em que trabalhei de forma diferente, agora estou a tentar voltar ao que era antes, mas já não me sinto a mesma pessoa, acho que ninguém sente.
Quem é que ainda gostava de vestir?
Gosto de vestir muita gente, nesse aspeto prefiro a quantidade do que a qualidade, mas talvez a Kim Kardashian. É das mulheres mais inteligentes e poderosas do mundo, o que conseguiu fazer em termos de comunicação é absolutamente incrível. Não gosto de preto, mas quando ela apareceu toda de negro, incluindo o rosto, na Gala Met, em 2021, foi um acontecimento porque transmitiu verdade, a sua verdade.
Como é um dia na sua vida?
É impossível explicar, não tenho mesmo dois dias iguais. Gosto mais de trabalhar de manhã, mas o resto é tudo muito imprevisível.
Como são então os seus dias maus?
Não tenho dias maus.
Nunca?
Nunca tive um dia mau na minha vida. Estive agora uns dias a tomar antibiótico porque ao fazer tantas coisas ao mesmo tempo às vezes fico com as defesas em baixo, mas sinto-me sempre contente. A minha avó também estava sempre contente, ficou viúva e descobriu que tinha cataratas, mas estava contente porque só lhe tinha afetado um olho. Vejo sempre o lado bom.
Já fez tanta coisa e já conheceu tanta gente…
E vou conhecer ainda mais. Uma das coisas mais horríveis para mim nos últimos anos foi a quantidade de amigos que perdi.
Pensa muito na morte?
Sim, dá-me muito medo. Adoro o México, mas não entendo a alegria deles em relação à morte, não consigo mesmo entender.
Imagina-se a trabalhar até quando?
Até morrer, trabalhar é muito importante para a minha cabeça, trabalhar salva-me.