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"Aida Tavares, és uma sortuda": um dia com a diretora artística do Teatro São Luiz

Reuniões, emails, ensaios, planos e uma feijoada à hora de almoço. Fomos descobrir como é um dia de trabalho com Aida Tavares, que acaba de ser reconduzida para mais um mandato de quatro anos.

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Normalmente, o típico trajeto casa-trabalho é feito a pé. O circuito Graça-Chiado – ou Casa de Aida Tavares-São Luiz – costuma servir para ordenar os tópicos do dia, a tal lista de tarefas que todos costumamos dizer para dentro, para que não nos esqueçamos de nada. Mas este dia arrancou diferente, com uma reunião na Voz do Operário – onde em janeiro o São Luiz apresenta “Limbo”, encenação de Sara Carinhas – o que fez com a diretora artística se atrasasse ligeiramente.

Já se sabe, Lisboa é um caos, basta uma camião corpulento para tudo à volta ficar empanado. Mas por muito tamanho que um camião tenha, por muita carga metida às costas do grandalhão, há gente imparável. Pelo menos assim parece, dado o andar firme de Aida Tavares, talvez também um pouco apressado – maldito camião – que chega ao São Luiz de phones nos ouvidos e com pedidos de desculpa na voz. Qual desculpa, queremos é saber o que a Aida está a ouvir: “De manhã costumo sempre vir de casa a ouvir Arnaldo Antunes, gosto muito do trabalho dele, faz-me bem de manhã”.

Estamos aqui por um motivo, vamos seguir os passos da diretora artística do São Luiz, tentar adivinhar-lhe o quotidiano, no fundo, ser um intruso no meio da agenda da programadora de uma mais importantes salas de Lisboa que, convém avisar já: acaba de ser reconduzida para mais um mandato de quatro anos (o atual acaba em fevereiro) à frente do São Luiz Teatro Municipal. Garantia da própria, que recebeu a confiança da EGEAC e da Câmara Municipal de Lisboa. E logo em temporada de celebração: em 2019, o São Luiz faz 125 anos. Antes de nos fazermos à pista convém explicar o percurso de Aida Tavares, 52 anos, dentro destas portas. Chegou aqui em 2002, pela mão de Jorge Salavisa, para ocupar as funções de coordenadora de direção de cena. Em 2006 passa a adjunta da direção ao qual, a partir de 2010, junta o cargo de diretora executiva. Caso para dizer que Aida Tavares já era uma pessoa da casa.

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Voltando à estrada, ou neste caso ao teatro, seria de esperar que, como as pessoas fazem, Aida Tavares fosse ao gabinete deixar a mala, ligar o computador, tirar um café, ver se as coisas estão no mesmo sítio. Mas há camiões assim, que não permitem saborear esse momento da chegada. Vamos diretos – diretos através de uma porta que se pode considerar uma passagem secreta, uma espécie de armário disfarçado – para o Jardim de Inverno, onde já se iniciou uma reunião com a jornalista Vanessa Rato, que está a coordenar a edição de um livro comemorativo dos 125 anos da casa. E quem dera a muitos ter uma sala de reuniões como esta, ou melhor, um sítio como o Jardim de Inverno para reunir, assim sim. Não há problemas de espaço, não há necessidade alguma de definir disposições de reuniões, o pé direito dá para levantar a cabeça e olhar o teto, naquela posição de quem pensa, de quem vai sugerir qualquer coisa. Ainda que a dado momento sejamos expulsos da reunião porque há detalhes que não podemos ouvir. São os habituais quinze minutos abertos à comunicação social de que os clubes de futebol tanto gostam.

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No gabinete da chefe: viva as tabelas de programação

Posto isto, enfim estamos no gabinete de Aida Tavares. “Quando chego aqui bebo um café e fumo um cigarro na varanda”, avisa antes de meter Chet Baker a tocar, de quem diz ser muito fã. E ainda bem, que este som de trompete enquanto se fuma com vista para o Tejo e para alguns terraços lisboetas é daqueles que nos relembram porque ainda trazemos cigarros no bolso. Quem também cá está é Tiza Gonçalves, assistente da direção artística, a quem Aida Tavares trata de fazer um resumo da reunião na Voz do Operário.

Seria de esperar que agora a diretora passasse os olhos pelos emails. Mas há outras prioridades, que a fazem sentar-se com Tiza para dar voltas à programação. E a expressão é mesmo essa, às voltas com datas, co-produções, tabelas, contratos, cidades, e é seguramente viver no futuro, aqui estamos sempre em 2019 e em 2020. “Isto dos quadros de programação é uma loucura, é um puzzle, nem imaginas”, confessa.

“Para mim ao almoço só há uma regra: não se fala de trabalho, eles às vezes ainda tentam, mas de trabalho não, era o que faltava”, avisa Aida. Está no centro da mesa mas ali é só mais um elemento da equipa e ninguém lhe deixa o último pedaço de pão por ser chefe. Se quer esse bocadinho, ela que o tire primeiro.

Depois vêm os telefonemas: “Tenho que telefonar à Claire Verlet, que é programadora de dança no Théâtre de la Ville, para falarmos de programação. Portugal vai ter um destaque na programação no festival Chantiers d’Europe, tal como no Festival de Istambul. Precisamos de falar destas questões e ainda tenho de ligar à Paula, da Voz do Operário”, confessa. E é aqui que a diretora artística não evita dizer-nos algumas das suas posições, intervaladas com questões práticas. Aida Tavares tem tentado pensar o trabalho com os festivais de forma diferente, tem sido uma das suas cruzes: “Acho essencial trabalhar com os festivais e os seus programadores fora do tempo dos ditos festivais. É preciso tempo para conversar, perceber o que pode fazer sentido que um festival apresente aqui no São Luiz, pensar nessa relação com os espaço. Não é a mesma coisa os programadores fazerem uma proposta de espectáculo e de datas e a gente fazer a cedência da sala, não é assim que as coisas devem ser feitas”, explica.

É um tempo de pedidos, de assegurar que os tais tópicos feitos vão sendo rasurados, aquela coisa do “vês isso com a produção?” durante este tempo de reunião informal – e se dizemos informal é porque muitas vezes a reunião decorre na varanda, ou pelo menos parte dela.

Antes de ser tempo de dar ao dente temos que voltar a falar dos emails. “Pois, é muito normal, cheguei, é quase hora de almoço e ainda não vi emails nenhuns. Acreditas que é a coisa mais difícil de gerir para mim? É uma quantidade absurda e depois as pessoas mandam os emails e acham que tenho de responder na próxima hora, como é lógico isto é impossível, ainda não parei de ter reuniões, não dá. Além de que há outras coisas às quais não posso responder porque estão pendentes de outras questões da programação”, desabafa.

Entretanto, é mesmo hora de almoço.

Feijoada para um bando

Dizem-nos que é na Mimosa, na Rua da Horta Seca. Lá vai parte da equipa em bando para uma daquelas tascas que já quase tem ar moderno, com aquela luz muito clara. Mas basta chegarem os pratos – numa mesa de oito pessoas quase todas escolheram feijoada – para perceber que a modernidade ainda não chegou à cozinha. Já antes Aida Tavares tinha avisado: “Sou uma mulher de pratos leves, vou pedir feijoada”. E dois minutos depois Elsa Barão, diretora de comunicação do São Luiz tinha atirado: “Deixa-me adivinhar o que é que a diretora artística vai comer: feijoada”. Tudo certo, portanto.

O resto do almoço decorreu sem sobressaltos, entre estados de indignação com a situação brasileira e uma ou outra tosse provocada pelo picante da casa. “Para mim ao almoço só há uma regra: não se fala de trabalho, eles às vezes ainda tentam, mas de trabalho não, era o que faltava”, avisa Aida. Está no centro da mesa mas ali é só mais um elemento da equipa e ninguém lhe deixa o último pedaço de pão por ser chefe. Se quer esse bocadinho, ela que o tire primeiro.

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De volta ao São Luiz, começamos uma rodada pelas equipas que ensaiam no edifício. A primeira passagem é pela Sala Luís Miguel Cintra, onde O Bando, histórica companhia de Palmela liderada por João Brites, ensaia “Netos de Gungunhana”, a estrear esta quinta-feira, um espectáculo onde, a partir de “As Areias do Imperador”, de Mia Couto, se propõem a contar a história do último imperador moçambicano. E entrar nesta sala é logo uma vertigem. É que o cenário proposto para o espectáculo é fascinante. Há como que uma árvore gigante a cobrir o teto do São Luiz, do palco à plateia.

A ideia veio de uma figueira muito antigo que O Bando tem em Vale dos Barris, a sua casa em Palmela. “Depois foi imprimir as folhas baseadas na nossa figueira. Implicou três pessoas, durante três semanas a trabalhar em Palmela. Aqui a montagem acabou por ser mais simples do que estávamos à espera, mas foi chato, isso foi, muito trabalhoso”, garante Miguel de Jesus, responsável pela dramaturgia nesta peça e um dos membros da direção d’O Bando. A diretora artística olha para nós como que a dizer “já-viste-isto-não-está-incrível?” e vai direta cumprimentar João Brites, antes de subir ao palco e olhar para o cenário como os atores olham: “Estou muito entusiasmada com este cenário, é mesmo bonito”, admite Aida Tavares.

Depois, leva-nos à sala de ensaios, que também tem acesso através de uma pseudo-passagem-secreta – uma porta que parece parte da parede – onde Pedro Gil e a sua equipa ensaiam “Don Juan Esfaqueado na Avenida da Liberdade”, que se estreia a 7 de Novembro. O elenco é uma maravilha: Filipa Matta, Miguel Loureiro, Pedro Gil, Raquel Castro, Rita Calçada Bastos e Tónan Quito. E quando estamos a subir, Pedro Gil avisa: “Vem aí a diretora do teatro, não acreditam?”. E nesse momento, Miguel Loureiro, um dos atores presentes no projeto, vem à porta receber Aida em jeito de provocação, uma piada política que não conseguimos ouvir, mas que precipita uma chapada no ombro e um “estúpido”, de Aida para Loureiro.

“Recebo mesmo muitas propostas. O que tenho aprendido nestes anos de programadora é que é muito difícil dizer 'não', é mesmo muito difícil, as pessoas insistem de uma forma desesperada quase, é uma coisa chata de lidar. Mas respondo sempre, reúno sempre com os grupos que pedem para reunir comigo, nem que seja para conhecer as pessoas e dizer que não me parece que se enquadrem no projeto artístico do São Luiz, mas devo-lhe isso, faz parte da posição que ocupo.”

Este é um Don Juan escrito e encenado por Pedro Gil, que da parte da manhã tinha feito um ensaio corrido e agora à tarde se senta para debater como correu. Num círculo onde uns fazem alongamentos, outros deixam cair a cabeça na parede, também se conversa. E há poucas coisas mais interessantes na vida do que sentarmo-nos a ver artistas conversar sobre o que estão a fazer – se nunca experimentou, faça isso.

Tempo ainda para descermos à Sala Mário Viegas, onde se ensaia “Sr. Ninguém”, de Gustavo Vicente, espectáculo integrado no ciclo Mais Novos com muita música ao vivo e uma série de instrumentos à escala infantil para que nenhuma criança se sinta pequena. A peça é para ver até dia 28 no São Luiz.

Bolsonaro e os fatídicos emails

Continuamos a vaguear pelo teatro depois de visitarmos os ensaios. E eis que há uma pausa forçada, ali junto ao janelão do Jardim de Inverno, para Aida Tavares gravar uma mensagem em vídeo para o movimento Contra o Ódio pela Democracia no Brasil, que já organizou manifestações e que voltará à rua para gritar “não”, “assim não”. E, embora o assunto seja sério, o momento tem alguma piada. Porque acontece aquela preparação que sempre existe: “Estou bem?”; “Tens que endireitar a câmara”; “A frase que tenho que dizer, onde está?”. Tudo isto até Aida Tavares meter a sua cara séria. E a partir daí brincar torna-se complicado, fica o aviso.

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Estamos de volta ao gabinete da Sra. Diretora, já a tarde vai a meio. E agora não há volta a dar: toca a enfrentar a caixa de correio eletrónico. “Estás a ver? Não vejo isto há 24 horas e tenho 240 emails, é de loucos”, comenta. Então desata a responder e a fazer perguntas à produção: “Mafalda, já temos o plano dos Artistas Unidos? Já se sabe quando vêm para aqui? É que surgiram uma propostas de datas de uns concertos e uma antestreia de um filme, vês isso com eles para fecharmos estas propostas? Obrigado”.

De facto, não são poucos emails. Aida continua a responder, pergunta-nos se conhecemos uma determinada nova companhia que lhe enviou uma proposta de co-produção. Algo que nos faz pensar que isto deve ser um pouco como as redações, sempre a receber candidaturas espontâneas. “Recebo mesmo muitas propostas. O que tenho aprendido nestes anos de programadora é que é muito difícil dizer ‘não’, é mesmo muito difícil, as pessoas insistem de uma forma desesperada quase, é uma coisa chata de lidar. Mas respondo sempre, reúno sempre com os grupos que pedem para reunir comigo, nem que seja para conhecer as pessoas e dizer que não me parece que se enquadrem no projeto artístico do São Luiz, mas devo-lhe isso, faz parte da posição que ocupo”, explica.

Antes das 18h30 – hora marcada para uma reunião com António Pires (encenador do Teatro do Bairro) e A Tarumba (companhia fundadora do FIMFA e que gere o CAMa, Centro de Artes da Marioneta) para falarem de um espectáculo para o Dia D, 22 de Maio de 2019, epicentro da programação especial que celebra os 125 do São Luiz – Aida Tavares pousa o rato do computador, meio irritada com um email que leu. Levanta-se, vai à varanda fumar um cigarro e diz: “Quando estou zangada faça duas coisas. Esta, de vir para a varanda fumar, olhar para a vista que tenho e dizer ‘Aida Tavares, és uma sortuda’. Ou então vou para a plateia da Sala Luís Miguel Cintra, sento-me lá e digo três vezes ‘Aida Tavares, és uma sortuda”. E assim vai continuar a ser, pelo menos, até 2023.

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