Durante décadas, o buraco do ozono foi um dos problemas ambientais mais graves do mundo. Várias gerações foram alertadas, nas escolas, para os perigos dos CFCs, os infames clorofluorcarbonetos, presentes em dezenas de banalíssimos produtos quotidianos como desodorizantes, espumas de barbear e outros sprays. Tudo porque, no dia 28 de junho de 1974, o mexicano Mario José Molina e o norte-americano Frank Sherwood Rowland publicaram na revista Nature um dos estudos académicos mais revolucionários das últimas décadas: a emissão contínua e sistemática de CFCs para a atmosfera estava a destruir a camada de ozono, uma espessa camada daquele gás presente na estratosfera terrestre, a cerca de 50 quilómetros de altitude, que protege o planeta das radiações solares mais destrutivas.
Nos 47 anos que se seguiram à publicação daquele artigo científico — que valeria a Molina, a Rowland e ao holandês Paul Crutzen o Prémio Nobel da Química em 1995 —, foram assinados vários protocolos internacionais com vista à redução do uso de CFCs. O apelo da comunidade científica chegou aos decisores políticos e, hoje, as emissões de CFCs estão em queda e a camada de ozono está a regenerar-se, poupando a humanidade a um cenário que a ciência é unânime em classificar como catastrófico. O compromisso global em torno da recuperação da camada de ozono, materializado no Protocolo de Montreal assinado em 1987 (e nas suas subsequentes atualizações ao longo dos últimos anos), é um dos sinais mais evidentes de uma realidade que, no meio do alarmismo ambiental dos últimos anos, pode passar frequentemente despercebida: é possível reverter muitos dos impactos humanos negativos no planeta.
“Primavera de 2060. De óculos escuros, um grande chapéu de sol e com a pouca pele exposta barrada em protetor solar, uma criança observa o bosque em frente à sua casa. Parece desgrenhado, atrofiado e com muito menos folhas do que nas fotografias antigas que viu. Mas não há tempo para se demorar ali: o índice de ultravioleta está nos 20 e ela já está há cinco minutos na rua. Felizmente, este não é o nosso futuro”, escreveu recentemente o climatologista Paul Young, da Universidade de Lancaster, autor de um novo estudo sobre como seria o mundo se o Protocolo de Montreal não tivesse sido assinado. “Devido a medidas tomadas pelo mundo na década de 1980 para proteger a camada de ozono (…), temos menos um problema ambiental com que nos preocupar.”
Um consenso global inédito
O problema do buraco do ozono tornou-se tão conhecido a nível global que não é necessário gastar mais do que algumas linhas a contextualizá-lo. Na prática, o ozono é um gás que está naturalmente presente na atmosfera — 10% na troposfera (a camada mais baixa, aproximadamente os primeiros 15 quilómetros da atmosfera terrestre) e 90% na estratosfera (a camada seguinte, que se estende até cerca de 50 quilómetros de altitude). É nesta segunda camada que o ozono desempenha a sua função primordial para a vida na Terra: uma camada com cerca de 10 quilómetros de espessura filtra grande parte da radiação solar que seria muito danosa para a sobrevivência da maioria das espécies, animais e vegetais, à superfície.
Por seu turno, os CFCs, usados desde a década de 1920 como compostos químicos sintéticos úteis para a refrigeração e para aerossóis em múltiplas aplicações do dia-a-dia, reagem com o ozono quando são libertados para a atmosfera, destruindo os átomos daquele gás a uma velocidade impressionante: cerca de 100 mil moléculas de ozono podem ser destruídas por um único átomo de cloro libertado para a atmosfera na sequência do uso de CFCs. O potencial impacto daquelas substâncias na camada do ozono foi descoberto na década de 1970, mas só na década seguinte se viria a descobrir um fenómeno muito mais concreto: o “buraco de ozono”, uma enorme região por cima da Antártida em que a camada de ozono era consideravelmente mais fina do que no resto do planeta.
Buraco da camada do ozono começou a diminuir e a “cicatrizar”
Há trinta anos que a comunidade científica tem estudado as causas do buraco do ozono na Antártida. As temperaturas anormalmente baixas da região, a que se somam fenómenos atmosféricos específicos do pólo Sul, levam a que o problema da destruição do ozono seja particularmente grave ali.
As consequências de um desaparecimento total ou parcial da camada de ozono da Terra são relativamente conhecidas: um aumento significativo da prevalência do cancro da pele, uma intensificação do aquecimento global (já que os CFCs, além de atacarem especialmente o ozono, também são gases com efeito de estufa) e um impacto generalizado na biodiversidade do planeta, uma vez que muitas espécies não teriam capacidade de resistir ao aumento da intensidade da radiação ultravioleta.
Porém, foi possível reverter o caminho que o mundo trilhava — e o caso da camada de ozono é um exemplo paradigmático de como uma descoberta científica impulsionou significativamente um processo de decisão política.
Logo em 1974, o artigo científico publicado por Rowland e Molina desencadeou uma investigação federal nos Estados Unidos da América. Passados dois anos, a Academia Nacional das Ciências validou as conclusões dos dois cientistas e, em 1978, os EUA, a Noruega, a Suécia e o Canadá baniram os aerossóis que contivessem CFCs na sua composição. Na década seguinte, a descoberta do “buraco do ozono” na Antártida galvanizou uma boa parte do Ocidente no sentido de combater a destruição da camada de ozono com políticas ambientais. Em 1985, representantes de 28 países reuniram-se na Convenção de Viena para apelar formalmente à cooperação internacional neste assunto — e foi nessa convenção que o Programa Ambiental das Nações Unidas foi mandatado para preparar o compromisso global que viria a ser assinado em Montreal, no Canadá.
O Protocolo de Montreal seria assinado em setembro de 1987, com o objetivo inicial de, até 1994, reduzir o consumo de CFCs para 80% dos valores de 1986 — e para 50% desses valores até 1999. Nos anos seguintes, o protocolo viria a ser revisto várias vezes e o objetivo tornou-se mais ambicioso: a eliminação completa do uso daqueles compostos químicos, substituindo-os totalmente por opções alternativas (os hidrofluorcarbonetos, HFCs, no longo prazo, e os hidroclorofluorcarbonetos, HCFCs, numa fase transitória).
Apesar de inicialmente assinado por um grupo limitado de países, incluindo Portugal, o Protocolo de Montreal recebeu nos anos seguintes o apoio de todo o mundo e rapidamente se transformou num ícone da cooperação internacional: foi o primeiro tratado da história das Nações Unidas a ser ratificado por todos os 198 Estados-membros, sem exceção. No entanto, o acordo prevê prazos diferentes para países desenvolvidos e em vias de desenvolvimento. Enquanto os países desenvolvidos já eliminaram por completo a produção da maioria dos CFCs — e têm até 2030 para eliminar os hidroclorofluorcarbonos (substitutos menos danosos para o ozono, mas com alguma capacidade para destruir a camada) —, os países em vias de desenvolvimento têm mais dez anos para o fazer, por terem menos capacidade tecnológica para implementar alternativas.
Apesar disso, a implementação do Protocolo de Montreal tem sido bem sucedida. As emissões de substâncias destrutivas para a camada de ozono está em queda consistente há mais de 30 anos, desde que atingiram o pico em 1988 — o ano anterior à entrada em vigor do acordo mundial.
O consumo de CFCs a nível global caiu a pique nos anos que se seguiram à assinatura do Protocolo de Montreal e são hoje praticamente residuais.
Ainda assim, os resultados na camada de ozono estão a verificar-se apenas a longo prazo, porque os CFCs têm uma vida atmosférica muito longa — estima-se que o tipo mais comum de clorofluorcarboneto permaneça durante cerca de 55 anos na atmosfera. Crê-se que a dimensão do buraco do ozono da Antártida, em termos de extensão e de redução da espessura da camada, tenha atingido o pico em 2006. Mais de uma década depois, em 2019, a NASA anunciou que o buraco do ozono (que na Primavera regista habitualmente a sua extensão máxima) tinha atingido o pico anual em cerca de 16 milhões de quilómetros quadrados — um valor bem abaixo dos habituais 20 milhões de quilómetros quadrados que o buraco do ozono atinge no pico anual. De acordo com a NASA, tratava-se de um recorde mínimo desde que o buraco do ozono foi identificado.
Uma análise à evolução da área do buraco do ozono da Antártida mostra que esta falha na camada de ozono terrestre aumentou em flecha entre o início e o fim da década de 1980 — e começou a estabilizar depois da assinatura do Protocolo de Montreal. Desde essa altura, a extensão do buraco do ozono tem mantido uma relativa estabilidade, com aumentos e diminuições, mas na qual é possível perceber uma ligeira tendência decrescente.
No sentido inverso, uma análise à concentração de ozono na atmosfera mostra que este valor vinha em queda durante a década de 1980 — mas estabilizou depois da entrada em vigor do acordo global e, ao longo das últimas duas décadas, tem registado uma tendência crescente ligeira.
De igual modo, as projeções atuais mostram que o pico mínimo da concentração de ozono na atmosfera terrestre — tanto no nível global como no caso específico da Antártida — já foi atingido por volta de 2005 (precisamente na fase em que o buraco do ozono atingia as suas maiores dimensões). A concentração de ozono na Antártida deverá regressar a valores próximos da média global até ao final deste século, que tem como referência o ano de 1960, pelo que é expectável que o problema do buraco do ozono esteja praticamente resolvido até 2100.
Assinado em 1987, o Protocolo de Montreal foi classificado pelo ex-secretário-geral das Nações Unidas Kofi Annan como “talvez o mais bem-sucedido acordo internacional assinado até à data”. O cumprimento das suas metas permitiu reverter um cenário que se afigurava como potencialmente destruidor, no longo prazo, da vida humana como a conhecemos hoje. Três décadas depois, as Nações Unidas lançaram-se no desafio de chegar a um novo consenso global sobre o ambiente e o clima. O Acordo de Paris, assinado em 2015, prevê que todos os países façam esforços no sentido de impedir que a temperatura média do planeta fique mais de 1,5ºC acima dos valores pré-industriais até ao final do século. Caso contrário, a vida no globo terrestre poderá tornar-se insustentável a vários níveis: haverá lugares onde a temperatura subirá além dos níveis suportáveis pelos humanos; outros em que a subida da água do mar inutilizará parte das zonas costeiras; e em todo o planeta a biodiversidade e os processos naturais que garantem a sobrevivência da vida animal e vegetal estão ameaçados.
Ao contrário do Protocolo de Montreal, contudo, desta vez parece certo que as metas de Paris são praticamente impossíveis de cumprir. Vários líderes políticos têm repetido que, apesar disso, é preciso manter os objetivos climáticos no centro das políticas públicas. “Vai ser muito difícil, mas temos de tentar”, disse recentemente ao Observador o vice-presidente da Comissão Europeia, Frans Timmermans, que tem a pasta do clima, a propósito do objetivo de limitar o aquecimento global aos tais 1,5ºC.
Para lembrar os decisores políticos da importância de cumprir as metas dos acordos globais impulsionados pela ciência, a comunidade científica tem produzido numerosos estudos especulativos sobre como seria o mundo caso o Protocolo de Montreal nunca tivesse sido assinado — e cumprido. O cenário que pintam é, no mínimo, preocupante.
Protocolo poupou 2,5ºC ao planeta e 2 milhões de cancros por ano
Imaginemos que Molina e Rowland nunca tinham publicado o seu artigo inovador em 1974, que os climatologistas nunca tinham identificado o buraco de ozono na Antártida nos anos 80 e que o Protocolo de Montreal nunca tinha sido assinado e implementado — e que o uso de CFCs não só se mantinha como a sua disseminação preservava uma tendência crescente. De acordo com um estudo publicado em 2012, até 2030 chegar-se-ia ao impressionante número de mais dois milhões de casos de cancro da pele todos os anos. Segundo os autores do estudo, até 2030 o Protocolo de Montreal terá contribuído para evitar 14% dos casos anuais de cancro da pele.
Vários estudos têm também mostrado como o Protocolo de Montreal teve uma importância vital na proteção do clima — uma vez que os CFCs e as outras substâncias que destroem o ozono (e que por isso foram banidas ao abrigo do acordo) também são gases com efeito de estufa, com potencial para acelerar o aquecimento global a um ritmo ainda maior do que o dióxido de carbono.
Agora, um novo estudo, publicado em meados de agosto na revista Nature, vem dar mais detalhes sobre o mundo que o Protocolo de Montreal permitiu evitar.
A equipa de investigadores, liderada pelo climatologista Paul Young, investigador da Universidade de Lancaster, em vez de se centrar no impacto direto que a inexistência do Protocolo de Montreal teria nos humanos, voltou-se para as plantas — e concluiu que o combate à destruição da camada de ozono está a ter um papel fundamental na captação de dióxido de carbono, o que torna o acordo de 1987 num aliado ainda mais poderoso do que se pensava no combate às alterações climáticas.
Num artigo recentemente publicado na página The Conversation, uma plataforma online de discussão científica, Paul Young esclarece algumas das principais descobertas do estudo. O investigador destaca que, “tal como os humanos, as plantas sofrem danos quando são expostas a altos níveis de radiação ultravioleta”. Young dá mesmo alguns números, com base no conhecimento biológico atual: “As plantas absorvem dióxido de carbono quando crescem, mas quando a radiação ultravioleta sobe em 10%, as plantas acumulam 3% menos de biomassa.”
4,5 x
Estima-se que, sem o Protocolo de Montreal, os níveis de radiação ultravioleta seriam 4,5 vezes mais elevados que os atuais até ao final do século.
30 %
Sem o Protocolo de Montreal, o mundo chegaria a 2100 com 30% mais de dióxido de carbono na atmosfera.
2000000
De casos de cancro da pele terão sido evitados anualmente até 2030 devido ao Protocolo de Montreal.
Além disso, sublinha o cientista, “sem o Protocolo de Montreal, estimamos que os níveis de radiação ultravioleta seriam 4,5 vezes mais elevados do que hoje em média, a nível global, até ao final do século”. Isto transformaria um país como Portugal numa região em que, na prática, passaria a ser impossível sair à rua sem ficar exposto a uma situação de risco extremo. Atualmente, o índice UV é medido numa escala que vai, sensivelmente, de 1 a 10. Até 2, considera-se um risco baixo; de 3 a 5, um risco moderado; de 6 a 7, um risco alto; de 8 a 10, um risco muito alto; de 11 para cima já estamos no campo do risco extremo. No caso português, o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) publica diariamente a atualização do índice e a previsão para os próximos dias. O boletim consultado pelo Observador no dia 23 de agosto mostrava 17 dos 18 distritos de Portugal continental com um índice de 8; só Viana do Castelo tinha um valor de 7. É um país inteiro em risco muito alto de exposição a radiações ultravioletas — e é mais do que habitual.
Ainda de acordo com o IPMA, o valor médio do índice UV em Portugal situa-se entre 3 e 6 no período que vai de outubro a abril, e entre 9 e 10 no período do verão, entre maio e setembro. Ou seja, Portugal já é um país que vive todo o verão em risco muito elevado de exposição a raios ultravioleta perigosos. Imagine-se agora que o Protocolo de Montreal nunca tinha sido assinado, que a destruição da camada de ozono prosseguia e que as radiações ultravioleta se tornavam 4,5 vezes mais intensas até 2100. Talvez a saída de 5 minutos à rua descrita por Paul Young se tornasse, de facto, na única rotina dos humanos ao ar livre.
Mas, como já se disse, o estudo da equipa de Young centra-se fundamentalmente nas plantas. Tendo em conta o que a ciência já nos diz sobre o modo como a radiação ultravioleta interfere com a capacidade das plantas para realizar a fotossíntese, absorver dióxido de carbono e libertar oxigénio, os investigadores simularam dois mundos: um com o acordo de Montreal, outro sem ele. Num mundo em que o uso de CFCs continuasse, diz Young, chegaríamos a 2050 com as plantas a absorverem metade do dióxido de carbono em comparação com um mundo em que os CFCs fossem descontinuados. O problema só se agravaria com o tempo: no final do século, as plantas só seriam capazes de absorver menos de 15% do dióxido de carbono que captariam num mundo sem CFCs.
Feitas as contas, os cientistas sustentam que isto significaria mais 30% de dióxido de carbono na atmosfera terrestre num mundo em que o uso de CFCs se mantivesse, em comparação com o sistema que temos atualmente, em que devido ao Protocolo de Montreal o uso daqueles compostos químicos está a ser completamente descontinuado. Transpondo as conclusões para o plano do aquecimento global, os autores do estudo sublinham que a inexistência do Protocolo de Montreal, só devido ao impacto nas plantas, somaria 0,8ºC ao aumento de temperatura já em curso devido às alterações climáticas e aos gases com efeito de estufa. Além disso, explicam, é necessário acrescentar-lhes os 1,7ºC adicionais que os CFCs significariam por serem, também eles, gases com efeito de estufa.
Ou seja, o Protocolo de Montreal permitiu retirar um total de 2,5ºC ao aquecimento global previsto até 2100. Não é, de todo, suficiente para alcançar as metas do Acordo de Paris (algumas previsões atuais dizem que, se não houver políticas mais restritas no que respeita às emissões de gases com efeito de estufa, o aumento de temperatura poderá superar os 4ºC em relação à referência pré-industrial), mas aquele acordo de 1987 poderá ser um modelo para os líderes políticos negociarem novos acordos climáticos.
Claro que a comparação é sempre inexata. Era muito mais fácil substituir os CFCs por alternativas químicas que já existiam no mercado sem custos demasiadamente significativos do que será fazer com que duas centenas de países se coordenem na implementação de políticas que reduzam as emissões de dióxido de carbono — que mexem com muito mais do que apenas um setor da economia.
Em setembro do ano passado, o secretário-geral da ONU, António Guterres, classificou os acordos relativos à proteção da camada de ozono como “exemplos inspiradores que mostram que, quando a vontade política prevalece, há poucos limites àquilo que podemos alcançar numa causa comum”. “Deixemos que o modo como trabalhámos em conjunto para preservar a camada de ozono nos encoraje a usar a mesma vontade para curar o planeta e a forjar um futuro mais brilhante e mais justo para toda a humanidade”, acrescentou Guterres.
Nas vésperas de mais uma cimeira global, outros bons exemplos
A próxima grande reunião intergovernamental sobre o clima está marcada para novembro deste ano. A COP 26 (26.ª edição da conferência das alterações climáticas da ONU) acontece entre 1 e 12 de novembro deste ano em Glasgow, no Reino Unido — e espera-se que os países signatários do Acordo de Paris atualizem as suas metas climáticas pela primeira vez desde a assinatura do documento histórico. Embora pareça, para já, difícil que saia de Glasgow um conjunto de decisões verdadeiramente capazes de levar o mundo a cumprir a meta dos 1,5ºC, há bons exemplos de políticas ambientais e climáticas das últimas décadas que tiveram bons resultados a curto prazo e que podem encorajar os decisores políticos a assinarem novos compromissos.
O Protocolo de Montreal é o exemplo mais significativo, mas não é o único.
Algumas das políticas ambientais e climáticas mais bem sucedidas das últimas décadas foram adotadas nos Estados Unidos. É o caso da Lei do Ar Limpo, cuja versão original foi promulgada em 1963 pelo Presidente Lyndon B. Johnson, depois de o consenso científico ter chegado a Washington com uma conclusão já demasiado evidente: o rápido desenvolvimento industrial dos EUA estava a tornar o ar irrespirável. Graves episódios de smog tiveram um impacto muito visível na vida dos norte-americanos durante a década de 1950 (com semanas inteiras de escolas paradas, aviões desviados e acidentes rodoviários constantes) e os consultórios médicos começaram a encher-se de doentes respiratórios.
A implementação da Lei do Ar Limpo, uma das primeiras políticas públicas destinadas a baixar as emissões de dióxido de carbono, mas também a reduzir a quantidade de monóxido de carbono no ar e a retirar do mercado os combustíveis com chumbo, teve impactos positivos na atmosfera e na saúde dos norte-americanos no curto prazo. Em 1995, segundo a ABC News, a percentagem de crianças norte-americanas com níveis excessivos de chumbo no sangue tinha caído de 88% para apenas 4% — e um estudo científico de 2002 sustentou que aquela lei tinha permitido salvar 11.700 vidas entre 1968 e 1998.
Outra das decisões norte-americanas mais bem sucedidas no âmbito da política ambiental diz respeito à proteção de espécies em risco de extinção. O sucesso da Lei das Espécies em Perigo, assinada em 1973, mede-se com um facto: depois desse ano, não houve espécies a extinguirem-se num país em que várias espécies, incluindo o urso-pardo, o veado, o lobo-vermelho e até a icónica águia-careca, enfrentam ou enfrentaram perigo de extinção.
Além das medidas ambientais, também no domínio da política climática há exemplos a seguir.
Basta olhar para o Climate Action Tracker (CAT), um projeto científico independente que avalia os compromissos ambientais e as políticas climáticas a nível global à luz das metas do Acordo de Paris. Atualmente, o CAT classifica os principais emissores de gases com efeito de estufa a nível mundial como estando a fazer muito pouco no sentido de chegar aos objetivos acordados em Paris em 2015. A União Europeia está atualmente classificada como estando a fazer esforços “insuficientes” para alcançar as metas de Paris, com as atuais políticas europeias a conduzirem o planeta a um aquecimento entre os 2ºC e os 3ºC até ao final do século. (A Comissão Europeia tem planos para tornar as suas metas climáticas mais ambiciosas ainda este ano.) Já os Estados Unidos estavam classificados, durante a presidência de Donald Trump, como estando a fazer esforços “criticamente insuficientes”, porquanto as suas políticas climáticas conduziriam o planeta a um aquecimento acima dos 4ºC até 2100. Porém, o CAT retirou a classificação aos EUA e promete para breve uma reavaliação do país à luz da política climática de Joe Biden.
A China está classificada como estando a fazer esforços “altamente insuficientes” (as suas políticas climáticas levariam o planeta a aquecer 3ºC a 4ºC até 2100); já os esforços da Rússia estão na mesma categoria que os Estados Unidos — “criticamente insuficientes”. Austrália, Brasil, Canadá, Nova Zelândia e Reino Unido partilham a classificação de “insuficiente” ao lado da União Europeia.
Porém, também há países — embora poucos — a obter boas classificações no sistema de avaliação do CAT. Na categoria mais elevada (“modelo a seguir”, com políticas climáticas que vão além das metas de Paris), não há nenhum país. Mas na categoria seguinte, que considera que as políticas climáticas são “compatíveis com a meta de 1,5ºC do Acordo de Paris”, surgem dois países: Marrocos e Gâmbia.
É certo que estes dois países, considerados em vias de desenvolvimento, menos industrializados e mais pobres, partem de um cenário histórico com muito menos emissões de dióxido de carbono para a atmosfera. Porém, ambos têm planos climáticos ambiciosos para os próximos anos que os colocam como os únicos dois a caminho de cumprirem, efetivamente, as metas do Acordo de Paris. Segundo explica o National Geographic, os dois países têm na aposta nas renováveis o principal caminho para reduzir as emissões. No caso de Marrocos, a estratégia energética nacional aponta para que em 2030 as energias renováveis sejam a fonte de 52% da eletricidade consumida no país. A Gâmbia, além das energias renováveis, está também a investir na recuperação de 10 mil hectares de florestas e outros ecossistemas naturais daquele estreito país que se desenvolveu ao longo das margens do rio Gâmbia.