A poucos dias do fim das moratórias, que terminam no final de setembro, os bancos acreditam que vai mesmo ficar (quase) tudo bem – sobretudo entre os clientes particulares. As pessoas em dificuldades não são muitas, têm sido acompanhadas e várias até já reestruturaram os créditos para atenuar o impacto do regresso ao pagamento de prestações. Para que esta história tenha um final feliz, porém, é preciso que a retoma não tropece.
O Observador consultou os principais bancos a operar em Portugal, a propósito de um tema que chegou a ser visto como uma “bomba-relógio” por vários especialistas e comentadores. Até alguns banqueiros, como Paulo Macedo (da Caixa Geral de Depósitos) e Pedro Castro e Almeida (do Santander) admitiram em diferentes momentos que o fim da suspensão das prestações poderia ser um “tsunami”, se o Estado não interviesse apoiando os setores mais afetados.
Embora alguns – incluindo o Governador do Banco de Portugal, Mário Centeno – tenham pedido mais “clarificação” sobre os apoios pós-moratórias que estão disponíveis, a perceção dos bancos neste momento é de que as situações mais problemáticas estão identificadas e, embora no setor empresarial se possam antecipar alguns problemas, os clientes particulares não inspiram preocupação significativa.
Moratórias bancárias. Vai ficar (quase) tudo bem, garantem os bancos
“Estamos há meses a trabalhar em proximidade com os clientes e sabemos a situação real de cada um. Temos identificados os clientes e eles sabem disso”, diz fonte oficial do maior banco português, a Caixa Geral de Depósitos. O banco público diz que está “a trabalhar com todos e cada um de modo a aligeirar, dentro do possível, o impacto do retorno às prestações pré-pandemia, depois de largos meses em que usufruíram da moratória”. Essa abordagem aos clientes particulares com moratória, além de ser uma medida de precaução por parte dos bancos, é algo a que obriga a legislação aprovada no início de agosto sobre as moratórias, o decreto-lei n.º 70-B/2021.
Mais em concreto, a Caixa diz sobre os clientes que têm vindo a beneficiar de moratória que “a percentagem com os quais estamos confortáveis é significativa”. Ou seja: “Conseguimos gerir a percentagem de casos identificados como problemáticos, embora implique um grande envolvimento de toda a Caixa e um foco muito grande nesta matéria”, acrescenta o banco liderado por Paulo Macedo.
Quanto crédito bancário vai deixar de estar sob moratória?
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Segundo os dados do Banco de Portugal mais recentes, o montante global de empréstimos abrangidos por moratórias era de 36.800 milhões de euros no final de julho, menos 700 milhões do que em junho (com uma redução de 200 milhões de euros em moratória nos particulares e de 500 milhões nas empresas, entre esses dois meses).
É importante lembrar que estes são os valores totais dos créditos em moratória, ou seja, se alguém tem um empréstimo à habitação de 100 mil euros com uma prestação mensal de 400 euros o valor que releva para o montante global contabilizado pelo Banco de Portugal é o valor dos 100 mil euros.
Tendo isso presente, segundo o BdP, no final de julho os empréstimos de particulares abrangidos por moratórias ascendiam a 14.200 milhões de euros, dos quais 12.900 milhões de euros correspondiam a empréstimos à habitação. Também no mesmo período, os empréstimos das empresas em moratória “decresceram em todos os setores de atividade” e totalizavam, no final de julho, 21.800 milhões de euros.
Também o Santander considera “gerível” o número de casos em que nesta altura é possível antecipar riscos. Fonte oficial do banco diz que esta saída das moratórias é um processo que “está a ser preparado há vários meses” e garante-se que será possível “gerir o final das moratórias do Estado com personalização, empatia e conveniência para os clientes”.
O Santander afirma que, “no caso das empresas, a situação individual de cada uma é acompanhada por um gestor de risco” e “ainda durante o mês de julho” se começou a falar com cada cliente para perceber o que vai acontecer em outubro. Já no que diz respeito aos clientes particulares, o banco reconhece que tem “um número relevante que têm necessidade de uma solução à saída da moratória”, a 1 de outubro, mas garante “estar a trabalhar no sentido de contratar essas soluções com estes clientes”.
Em concreto, o banco antecipa que entre as medidas de renegociação estarão, sobretudo, acordos de “carência de capital durante um período pré-determinado (6 a 12 meses), com extensão do prazo do empréstimo igual à duração do período de carência”, ou seja, situações em que os clientes continuam a pagar juros (se os deverem) mas continuam com a amortização do capital suspensa. O capital que não é pago agora passa para o final do prazo, basicamente o mesmo que tem vindo a acontecer com as moratórias.
Por outro lado, o Santander diz que tem “um conjunto de iniciativas em curso para avaliar se existiu deterioração da capacidade financeira dos clientes e quais necessitam de uma solução pós-moratória que resulte numa prestação mais baixa nos seus empréstimos”. Na quarta-feira, o Banco de Portugal relembrou que os bancos têm de apresentar (15 dias antes do fim das moratórias) propostas de pagamentos “adequadas à situação financeira, objetivos e necessidades dos clientes” – propostas que não podem implicar um aumento da taxa de juro negociada inicialmente.
Os bancos não partilham publicamente todos os números que já terão na sua posse e que lhes permitirão ter uma visão mais concreta sobre a magnitude dos problemas. O Novo Banco, porém, revela que, nos termos da legislação em vigor, contactou por escrito todos os mais de 18 mil clientes particulares cujas moratórias terminam a 30 de setembro, além de existir, também, um contacto direto a esses mesmos clientes através da sua rede comercial.
“Até esta data, a rede comercial do Novo Banco já interagiu com mais de 90% do alvo prioritário de clientes cujas moratórias terminam a 30 de Setembro, estimando-se que os pedidos de ajuda venham a representar menos de 3% do total de clientes particulares” entre aqueles que estão com o pagamento de prestações suspenso.
Quanto às empresas – que, recorde-se, não estão incluídas na legislação – a situação será um pouco mais complexa (não só no Novo Banco mas na generalidade das instituições. Fonte oficial do Novo Banco diz, apenas, que “todos os clientes com moratória foram contactados, no sentido de se compreender o estado da atividade económica de cada um e estão a ser preparadas ações individuais para os casos que necessitam de reestruturação”.
O Novo Banco fala em “ações individuais”, a Caixa Geral de Depósitos diz que está a “tentar fazer o maior número de ‘fatos à medida’” que está ao alcance do banco público fazer.
Na apresentação dos seus resultados do primeiro semestre, o BPI indicou que 98% das moratórias estava em situação regular – uma percentagem que se refere ao número de clientes e não ao montante dos créditos, o que são duas coisas diferentes. Esse valor percentual diz respeito à proporção de créditos que (nos termos da regulação bancária europeia) os bancos classificam em “stage 1″, ou seja, numa situação em que não se verifica uma deterioração da capacidade de pagar.
Além do stage 1, existe o sinal amarelo que pode simbolizar o “stage 2″, um nível em que já são discerníveis alguns possíveis problemas. O stage 3 é o sinal vermelho: reflete situações em que os problemas são por demais evidentes. O BPI promete que “em momento oportuno” irá tornar públicos dados atualizados, mas adianta, desde já, que não se antecipa “um agravamento relevante em outubro“.
O BPI “continuará a procurar, como sempre, a resposta mais adequada para cada cliente e isso tem sido possível até agora na esmagadora maioria dos casos“, acrescenta fonte oficial do banco.
O Millennium BCP também reforçou “no início de julho” o contacto com os clientes, com um “contacto proativo tendo por base as situações identificadas” onde pudesse haver “indícios de dificuldades financeiras”. As “equipas específicas” criadas para fazer este trabalho, dentro do banco, têm feito uma “monitorização permanente” da carteira de clientes com moratória, o que permite que, quando necessário, possa haver uma “implementação tempestiva das soluções mais adequadas a cada cliente”.
Olhando para a situação através de um prisma global, o Millennium BCP diz estar “confiante na evolução da economia e do emprego em Portugal”: “Sem desvalorizar o facto de que haverá certamente um número relevante de clientes que podem não vir a conseguir cumprir, consideramos que o impacto em termos agregados será menos relevante do que se perspetivava quando ainda não se dispunha de visibilidade sobre a normalização da crise sanitária”.
Da parte do Millennium tudo estamos a fazer para procurar contribuir para a preservação das empresas economicamente viáveis e da estabilidade financeira das famílias mais afetadas pela crise”, acrescenta o banco liderado por Miguel Maya.
Nesta fase, apesar de o ministro da Economia antecipar um crescimento económico que este ano poderá atingir os 5% (e existir essa maior “visibilidade sobre a normalização da crise sanitária” referida pelo Millennium BCP), o Banco Montepio sublinha que ainda é cedo para dizer que a crise pandémica é para colocar atrás das costas.
Ministro da Economia aponta para crescimento económico de 5% até ao fim do ano
“Uma eventual deterioração da situação pandémica e macroeconómica em 2022 pode colocar desafios acrescidos ao processo de transição dos créditos em moratória”, afirma o banco cuja comissão executiva é liderada por Pedro Leitão. Para já, porém, também o Montepio diz ter feito um acompanhamento “muito próximo” dos clientes em moratória e isso permite nesta fase ter um “diagnóstico preciso sobre a capacidade de cada um dos clientes retomar o plano de amortização após a data fim das moratórias”.
E esse “diagnóstico preciso” aponta num sentido: “a esmagadora maioria dos clientes irá retomar” os pagamentos normais: “Fruto de um acompanhamento propício e da tomada de um conjunto de medidas de mitigação de risco, consideramos que a situação pode ser gerida e acomodada”.