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MÁRIO CRUZ/LUSA

MÁRIO CRUZ/LUSA

Câmara de Lisboa entrega dados de manifestantes anti-Putin aos Negócios Estrangeiros russos

A autarquia de Lisboa enviou por email os nomes e moradas de três pessoas que organizaram uma manifestação anti-Putin às autoridades russas. Visados avançam para a justiça e garantem ter "medo".

A Câmara Municipal de Lisboa fez chegar por e-mail os nomes, as moradas e os contactos telefónicos de três manifestantes anti-Putin à embaixada russa em Lisboa e ao Ministério dos Negócios Estrangeiros daquele país. A autarquia reconhece o erro, já fez uma auditoria interna e, ao que apurou o Observador, está, desde aí, a aplicar novos procedimentos.

O caso remonta a janeiro de 2021, quando três cidadãos (dois deles com dupla nacionalidade, russa e portuguesa) organizaram uma manifestação contra o regime de Moscovo a propósito da detenção do ativista Alexei Navalny, num protesto que decorreu junto à embaixada.

Ora, como dita o protocolo, para terem autorização de organizar a manifestação, os promotores tiveram de enviar os dados pessoais (nome, número de identificação, morada e contacto telefónico) para a Câmara Municipal que, depois, devia fazer chegar esses mesmos dados à PSP e às autoridades competentes.

Acontece que a Câmara não se limitou a enviar estes dados para a PSP; os serviços de autarquia enviaram também a informação para a embaixada russa em Lisboa e para o Ministério dos Negócios Estrangeiros russos.

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Ao Observador, Ksenia Ashrafullina, uma das organizadoras da manifestação, confirma o sucedido, aponta o dedo aos serviços da Câmara de Lisboa e diz temer pela sua segurança. “Não sei se tranquilamente posso voltar ao meu país. Tenho medo. A papa está feita. Se atravessar a fronteira pode aparecer o meu nome… Tudo pode acontecer”, lamenta.

A troca de e-mails que motivou desconfiança 

Foi precisamente quando trocava correspondência eletrónica com a autarquia da capital que Ksenia percebeu que algo não estava bem. Além dos endereços de email que deviam constar da troca de correspondência (o do Comando Metropolitano de Lisboa da PSP e o do Ministério da Administração Interna, por exemplo), estavam também os endereços da embaixada da Rússia e o dos serviços do Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Ao Observador, Ksenia Ashrafullina, uma das organizadoras da manifestação, confirma o sucedido, aponta o dedo aos serviços da Câmara de Lisboa e diz temer pela sua segurança. “Não sei se tranquilamente posso voltar ao meu país. A papa está feita. Se atravessar a fronteira pode aparecer o meu nome… Tudo pode acontecer”, lamenta. 

Isso mesmo é facilmente percetível analisando a troca de correspondência em questão, como pôde comprovar o Observador. Num ficheiro PDF. anexado ao e-mail, preparado pelos serviços da Câmara, estavam os dados pessoais dos três organizadores da manifestação “Solidariedade com Alexei Navalny e apelo à sua libertação imediata”.

Assim que percebeu o que tinha acontecido, Ksenia apresentou imediatamente queixa junto dos serviços da autarquia da capital. A decisão, alega a própria, que tem dupla nacionalidade, foi pior ainda: a Câmara escreveu aos serviços da embaixada russa e dos Negócios Estrangeiros daquele país a pedir que apagassem os dados pessoais dos três cidadãos envolvidos. “Isto foi pior ainda”, queixa-se. “Foram picar.”

“Protocolo habitual”, dizia autarquia

A 20 de abril, numa resposta por escrito às queixas de Ksenia, a que o Observador teve igualmente acesso, o gabinete de apoio de Fernando Medina começava por dizer que era “da inteira responsabilidade do(s) promotor(es), que deverão ter o cuidado de não facultar informações pessoais que excedam o estritamente necessário para o cumprimento dos preceitos legais indicados, a saber: nome, profissão e morada de três promotores ou, tratando-se de associação, da respetiva direção.”

Mais: os mesmos serviços explicavam que era “procedimento habitual adotado há vários anos” entregar estes dados ao “Ministério da Administração Interna, com conhecimento à Polícia Municipal e demais serviços municipais envolvidos do ponto de vista operacional” e, no caso concreto, “à Embaixada da Federação Russa e ao Ministério do Estrangeiro Russo por ser o local de realização da manifestação”.

Por outras palavras: inicialmente, a Câmara de Lisboa responsabilizou os organizadores da manifestação pelo nível de detalhe sobre os dados pessoais que estava em causa e dizia ser “procedimento habitual”, “adotado há vários anos”, enviar esta documentação a todas as entidades ou autoridades envolvidas — mesmo que fossem embaixadas de países que estariam a ser contestados, por exemplo.

De resto, era nesse mesmo email, de 20 de abril, que a autarquia explicava ter comunicado à Embaixada da Federação Russa e ao Ministério do Estrangeiro Russo, os destinatários indicados a quem os dados pessoais dos promotores da concentração denominada “Solidariedade com Alexei Navalny e apelo à sua libertação imediata” foram transmitidos, para procederem ao apagamento dos seus dados pessoais, ao abrigo do artigo 19.º do RGPD [Regime Geral de Proteção de Dados], conforme PDF em anexo.”

Autarquia garante ter corrigido a situação

O gabinete de Fernando Medina reconhece a veracidade do testemunho de Ksenia e da troca de correspondência eletrónica.

Ao mesmo tempo, o Observador sabe que a Câmara Municipal de Lisboa vai adotar procedimentos para que estas situações não se repitam no futuro.

Ainda assim, oficialmente, a autarquia da capital não respondeu ainda às perguntas do Observador. A começar pela que pode levantar mais questões: se este era um “protocolo habitual”, usado em outros casos, os dados de manifestantes terão sido enviados para autoridades de outros países noutras manifestações junto de outras embaixadas?

Até à hora de publicação deste artigo e já depois das reações que o artigo entretanto gerou a Câmara de Lisboa não respondeu às questões colocadas.

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