Começa esta sexta-feira, 6 de maio, na Hungria, e só termina três semanas depois, a 29 de maio em Verona, Itália. Este ano com ainda mais etapas de montanha e com os contra-relógios (serão dois) a preverem-se menos decisivos, o Giro de Itália regressa com promessas de espectáculo televisivo, ataques e contra-ataques em subidas duras e imprevisibilidade.
Sem um claro favorito à vitória na classificação geral, há três candidatos que parecem partir em vantagem (dizem-no até as casas de apostas) e um deles é português: João Almeida.
Até há bem pouco tempo, parecia cenário de ficção científica um ciclista português partir como chefe de fila numa grande equipa do pelotão internacional, para atacar uma das três grandes voltas do ciclismo mundial (Giro, Tour e Vuelta) tendo o pódio final como objetivo declarado.
É mais um feito conseguido pelo ciclista nascido em A-dos-Francos. Depois de terminar duas Voltas a Itália no top 10 (quarto lugar em 2020 e sexta posição em 2021), o corredor português trocou a Quick-Step pela UAE Emirates, passou de “líder” com Remco Evenepoel na sua sombra para líder incontestado e parte esta sexta-feira para a prova com estatuto de forte candidato ao pódio.
Na história do ciclismo português, só um corredor conseguiu até hoje terminar uma das três grandes voltas (a Espanha, Itália e França) no pódio: Joaquim Agostinho, que alcançou o feito por três vezes. Aos 23 anos, João Almeida quer terminar pela primeira vez no top 3, num pelotão que não inclui favoritos mas inclui dois candidatos fortes à vitória (Simon Yates e sobretudo Richard Carapaz), vários candidatos ao pódio e ao top 5 e muitos corredores com o top 10 na mira.
Esta é uma lista de 15 adversários que João Almeida terá na luta pela geral ao longo das próximas três semanas, que incluem ainda etapas planas e para sprinters, camisolas de montanha, pontos e juventude e outros portugueses no pelotão (Rui Costa e Rui Oliveira).
Richard Carapaz
28 anos, Ineos Grenadiers
Esta Volta a Itália não tem um favorito claro, dadas as ausências dos três voltistas mais cotados da atualidade: Egan Bernal, que já venceu um Tour e que ganhou esta prova no ano passado; Primož Roglič, três vezes vencedor da Volta a Espanha; e o aparentemente imbatível Tadej Pogačar, que este ano tentará conquistar a terceira Volta a França consecutiva. Mas sem favoritos, há um candidato mais candidato do que os outros: Richard Carapaz.
Já vencedor de uma grande volta, por sinal um Giro (em 2019), Carapaz tem 28 anos e parece chegar a esta prova numa fase auspiciosa da carreira. Além de ter vencido em 2021 a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos, soma três pódios em grandes voltas nos últimos três anos: em 2021 ficou em terceiro na Volta a França (atrás de Pogačar e Vingegaard), em 2020 em segundo na Volta a Espanha (atrás de Roglič) e em 2019 em primeiro no Giro (batendo Nibali e Roglič).
Se as pernas o acompanharem, não será fácil batê-lo — até porque terá uma equipa forte em seu redor, com ajudantes de luxo como o veterano Richie Porte (que fará aqui a sua última grande volta), Jonathan Castroviejo e Pavel Sivakov. Causou surpresa, ainda assim, a ausência de Tao Geoghegan Hart (aparentemente por motivo de doença) na lista de ciclistas escolhidos pela Ineos para atacar esta Volta a Itália.
Simon Yates
29 anos, BikeExchange–Jayco
Os objetivos mínimos — o pódio — não são muito diferentes dos de João Almeida, mas Simon Yates não tem receio de dizer que vai à Volta a Itália para ganhar. A experiência e a tarimba que já acumula assim o permitem: aos 29 anos, é um dos grandes trepadores do pelotão internacional que já tem uma experiência de relevo em grandes voltas.
Com uma Vuelta conquistada no currículo (em 2018), fez pódio no Giro no ano passado e este ano quer fazer melhor. E fazer melhor é vencer. Mesmo sem o apoio de equipa que Carapaz terá da Ineos nas montanhas, Yates sabe que as ausências de Pogačar, Roglič e Bernal fazem com que esta Volta a Itália seja, para o britânico, uma oportunidade de ouro para vencer. Poderá não ter muitas mais, sobretudo se Roglič e Pogačar continuarem num plano superior e Bernal voltar da grave lesão ao nível que exibiu no Giro de 2021.
João Almeida
23 anos, UAE Emirates
Depois de um quarto lugar em 2020 e um sexto lugar em 2021 — este último algo enganador, até porque a sua última semana foi digna de um grande voltista e trepador, com dois segundos lugares em etapas de alta montanha —, o #Botalume quer fazer aos 23 anos o que ainda não conseguiu: terminar uma Volta a Itália no pódio. Esse é o objetivo, mais do que assumido em várias entrevistas.
Uma possível vitória ainda não é referida como algo mais do que um sonho mas quem ambiciona o pódio sonha com a vitória. E João Almeida até tem dado motivos a quem o acompanha para sonhar, atendendo à boa época que fez no pelotão internacional no ano passado e ao início de esta temporada em que, apesar de alguns percalços e etapas menos conseguidas, foi dando sinais de crescimento na montanha. Não fosse aliás o percurso desta edição ser tão ancorado na alta montanha e tornar os contrarrelógios (serão dois) tão pouco decisivos e a vitória final até poderia já ser encarada como algo mais do que um sonho.
Desta vez, João Almeida já não vestirá em prova as cores da Quick-Step. Contratado pela UAE Emirates de Tadej Pogačar, o português vai correr pela primeira vez uma grande volta com a responsabilidade de ser chefe de fila incontestado. Isto porque em 2021, apesar de apresentado como tal, tinha por perto um segundo corredor em quem a sua equipa também apostava para a geral, Remco Evenepoel. O português Rui Costa e o italiano Davide Formolo deverão ser os seus principais apoios, numa equipa que conta também com o português Rui Oliveira e com os italianos Alessandro Covi e Diego Ulissi.
Miguel Ángel López
28 anos, Astana Qazaqstan
Chamam-lhe “Superman”, tem acumulado polémicas e protagonizado algumas desilusões mas é sempre de ter em conta. Numa edição tão ancorada em etapas de alta montanha, ainda mais: não foi por acaso que o espanhol Alberto Contador, que sabe como poucos o que é vencer uma grande volta, o apontou recentemente como um dos grandes candidatos à vitória neste Giro d’Italia, a par de Richard Carapaz.
Depois de uma passagem para esquecer pela equipa espanhola Movistar, cujo ponto mais baixo foi o abandono da Vuelta depois de uma penúltima etapa de fracasso em 2021 (quando finalizara a antepenúltima como vencedor, mantendo aí a sua terceira posição da geral), o “Superman”, atualmente com 28 anos, corre agora na Astana.
Já ganhou uma “etapa rainha” da Volta a França em 2020 e partirá como (pelo menos) candidato ao pódio nesta Volta à Itália. Vai liderar uma equipa com David De La Cruz, Joe Dombrowski e o grande campeão italiano Vincenzo Nibali, que — com 37 anos e em fase descendente de uma grande carreira, que inclui as três grandes voltas no currículo — já dificilmente pode ser considerado candidato e pode até ter este ano a sua “última dança” no Giro.
Mikel Landa
32 anos, Bahrain Victorious
É mais um corredor que pode aproveitar o perfil desta edição e as muitas etapas de alta montanha para brilhar. O objetivo mínimo seria à partida um top 5, mas face ao perfil da prova e às ausências o pódio estará na mira de Mikel Landa.
O ciclista espanhol de 32 anos que já conseguiu um terceiro lugar nesta Volta a Itália (em 2015) e que já tem no CV um total de quatro tops 5 nas grandes voltas deverá ser o chefe de fila da Bahrain Victorious — que jogará ainda assim em mais do que um tabuleiro, visto que tem também Wout Poels e Pello Bilbao para atacar a geral.
Mas Mikel Landa, em particular, tem assuntos a resolver com o Giro. O ano passado, após uma primeira etapa de alta montanha que sugeria boa forma, teve uma queda grave que o obrigou a ser operado. E em 2019, quando estava perto de assegurar um segundo lugar atrás de Carapaz, perdeu o pódio no contrarrelógio final. Este ano diz-se “super bem” e “confiante”. Com mais montanha e menos contrarrelógio, é um candidato ao top 5 que sonha com algo mais. Precisa sobretudo de não ter azares na estrada.
Tom Dumoulin
31 anos, Team Jumbo–Visma
É uma das incógnitas para esta edição do Giro: que Dumoulin aparecerá na Volta a Itália? Aos 31 anos, é um dos poucos do pelotão que começará a prova já a tendo vencido (em 2017) e tendo conseguido um segundo lugar logo no ano seguinte. Mas é também um dos corredores que não conclui uma grande volta de três semanas (neste caso, o Tour de France) há quase dois anos, desde o verão de 2020.
Se Dumoulin conseguir aproximar-se do nível que exibiu entre 2017 e 2018, é um claro candidato ao pódio — mas a incógnita faz com que um top cinco já fosse provavelmente considerado um bom resultado e um top 10 um resultado aceitável.
Neste ano de regresso mais constante à competição, depois de um final de 2020 e de um 2021 mais afastado das provas de ciclismo (anunciou uma paragem em janeiro do ano passado), Dumoulin não se tem mostrado em grande forma. Também por isso foi no passado mês de abril para Tenerife para fazer treino em alta altitude, para se preparar para um Giro que poderá ser de desilusão ou de regresso à fase áurea. A equipa, contudo, tem um trepador que pode ajudar (Sam Oomen) e uma outra aposta que correrá com liberdade, ao lado de Dumoulin: Tobias Foss.
Giulio Ciccone
27 anos, Trek–Segafredo
Tal como Mikel Landa, tem contas a ajustar com o Giro d’Italia: o ano passado surpreendeu e apareceu em grande forma mas, quando parecia um fortíssimo candidato ao top 5 e talvez mesmo ao pódio, uma queda roubou-lhe o sonho.
Se a grande esperança emocional do ciclismo italiano estará com Nibali, a grande esperança racional tem de estar com Ciccone. Se estiver ao nível de 2021 (pré-queda), é um dos candidatos ao top 10 com o sonho do top 5 na mira. Vai liderar a Trek, que terá ainda em Bauke Mollema um possível líder se Ciccone não corresponder ou tiver algum azar na estrada.
Jai Hindley
25 anos, Bora–Hansgrohe
É expectável que parte do espectáculo coletivo nas etapas de alta montanha do Giro d’Italia seja garantido pela equipa alemã Bora–Hansgrohe, que parte com um trio de trunfos para mexer com a corrida e com as etapas que vão definir a geral: Jai Hindley, Wilco Kelderman e Emanuel Buchmann. E ainda há Lennard Kämna no lote escolhido.
O primeiro dos três corredores, nascido na Austrália e atualmente com 25 anos, é um dos nomes a ter em conta, sobretudo considerando que em 2020 ficou em segundo lugar da geral. Depois de uma época menos brilhante em 2021, devido a problemas físicos, Hindley trocou a Sunweb pela Bora-Hansgrohe — equipa que chegou a ser apontada a João Almeida, que acabou por assinar antes pela UAE Emirates. Agora terá oportunidade de provar se 2020, a primeira edição do Giro após o início da Covid-19, foi um acaso pandémico ou algo mais do que isso.
Hugh Carthy
27 anos, EF Education–EasyPost
Tal como Foss, também o ciclista britânico Hugh Carthy quer provar que o top dez do ano transato (ficou em 8º) é possível de repetir ou até melhorar este ano. E há expectativa para perceber o que o trepador britânico de 27 anos poderá fazer numa edição com tanta montanha.
Hugh Carthy, que em 2020 até conseguiu um pódio na Vuelta (ficou apenas atrás de Roglič e Carapaz, superando Dan Martin e Enric Mas), vai liderar a EF Education–EasyPost, que, não tendo equipa para controlar as operações na prova, terá em Jonathan Caicedo, Simon Carr e sobretudo em Magnus Cort ciclistas que podem tentar ganhar etapas e ajudar Carthy na montanha.
Pavel Sivakov
24 anos, Ineos Grenadiers
O apoio próximo que deverá dar ao colega Richard Carapaz até aos quilómetros finais das etapas de montanha — se o comboio Ineos funcionar como habitualmente — deve garantir-lhe um bom lugar na classificação geral final da Volta a Itália.
Com apenas 24 anos, Sivakov nasceu em Itália, cresceu em França e é filho de pais (ambos ciclistas) russos — tendo até corrido com as cores da Rússia até março de 2022, altura a partir da qual deixou de o fazer em oposição à invasão do Kremlin à Ucrânia.
Apesar da jovem idade, já conseguiu um top dez na Volta a Itália (em 2019, quando tinha apenas 21 anos) e uma vitória na Volta à Polónia, por exemplo. Não sendo candidato à vitória por estar ao serviço de Carapaz e não parecendo ser um dos ciclistas mais bem colocados para o pódio, pode ter como objetivo mínimo o top 10 (com o top 5 na mira?) também pela companhia e apoio do equatoriano.
Wilco Kelderman
31 anos, Bora–Hansgrohe
Sem um líder declarado, será curioso ir percebendo ao longo da prova que estratégias adotará a Bora-Hansgrohe para mexer com a corrida. Irá sobretudo tentar colocar os seus três trunfos (Hindley, Kelderman e Buchmann) nas rodas de Carapaz e Yates ou irá aproveitar o facto de ter três corredores perigosos na montanha para ataques e contra-ataques?
Kelderman e Hindley, curiosamente, já correram juntos por outra equipa (a Sunweb) numa Volta a Itália, em 2020 — precisamente a edição em que João Almeida se afirmou no pelotão internacional de ciclismo. Agora, Kelderman chega depois de um quinto lugar no Tour do ano passado e de um terceiro lugar no Giro em 2020 (logo atrás, então, do colega Hindley).
Tobias Foss
24 anos, Team Jumbo–Visma
Certamente com ambições de voltar a terminar no top 10 (no ano passado acabou em 9º), Tobias Foss será outro dos corredores a ter em conta nesta Volta a Itália.
O ciclista da Jumbo-Visma é ainda relativamente jovem e tem vindo a ter desempenhos crescentes ao longo dos últimos anos, particularmente na montanha. Com o apoio de Sam Oomen, pode mostrar que o top 10 do ano anterior não foi fortuito. Mas o início de época, com pouca competição e apenas uma prova finalizada (a Volta ao Algarve, em que terminou em sexto lugar), faz refrear as expectativas.
Emanuel Buchmann
29 anos, Bora–Hansgrohe
Inserido no já referido trio da “Bora”, Buchmann pode ser uma das surpresas desta edição da Volta a Itália e é candidato pelo menos ao top dez. Atualmente com 29 anos, o ciclista alemão está na equipa germânica há vários anos e é já um corredor experiente, com muitas grandes voltas de três semanas no currículo.
Embora os resultados recentes não façam crer que possa ser, por exemplo, candidato assumido ao pódio, é um trepador a quem o percurso desta edição assenta na perfeição. E já tem resultados no currículo mais do que suficientes para que ninguém se esqueça dele, em particular um quarto lugar na Volta a França de 2019, que terminou à frente de Mikel Landa, Rigoberto Urán e Nairo Quintana. Se voltar à forma que exibiu nessa altura, pode até almejar a algo mais.
Romain Bardet
31 anos, Team DSM
Depois de muitos anos concentrado sobretudo na Volta a França, onde conseguiu ficar por cinco vezes no top 10 da geral (destaque para um 2º lugar em 2016 e um 3º lugar em 2017), Romain Bardet concentrou os seus principais esforços na Volta a Itália pela primeira vez no ano passado e terminou na sétima posição da geral.
Este ano o objetivo para o corredor da Team DSM será fazer igual ou melhor, até porque o percurso assenta no seu perfil de trepador especialista na alta montanha. Bardet, que os amantes de ciclismo habituaram-se a ver com as cores da Ag2r (onde esteve entre 2012 e 2020) e como grande promessa do ciclismo francês, vai liderar a DSM apoiado por trepadores como Chris Hamilton e Martijn Tusveld e secundado por uma jovem promessa do ciclismo mundial: o neerlandês Thymen Arensman.
Pello Bilbao
32 anos, Team Bahrain Victorious
Não há grandes dúvidas de que o líder da Bahrain no arranque da Volta a Itália será Mikel Landa — entre outras coisas, porque Landa é mais forte na montanha e esta edição favorecerá os trepadores. Mas Bilbao, 32 anos, não deixa de ser um corredor a ter em conta, pelo menos para o top dez, até olhando para o facto de nos últimos dois anos ter terminado duas grandes voltas precisamente no top dez: neste mesmo Giro em 2020 (ficou em 5º, logo atrás de João Almeida) e Tour em 2021, que terminou em nono lugar da geral.
Por se prever que ande muito na companhia de Landa e por estar a ter um início de temporada apreciável, é expectável que Pello Bilbao possa ter algum destaque nesta Volta a Itália.
Richie Porte
37 anos, Ineos Grenadiers
Richie Porte está na sua última dança, a última temporada como profissional no pelotão de ciclismo. Aos 37 anos, o corredor da Ineos prepara-se para terminar uma longa carreira recheada de sucessos, que incluiu passagens pela poderosa Team Sky e pela BMC.
Atualmente na Ineos, Porte não termina uma das três grandes voltas desde 2020, altura em que finalizou o Tour no pódio (3º lugar). A sua frescura e capacidade física para as três semanas que aí vêm, cheias de alta montanha, são uma incógnita mas é um corredor que não pode já ser excluído. Desde logo porque será um apoio importante a Carapaz no chamado “comboio” da Ineos e porque procurará certamente dar espectáculo sempre que possível, neste ano de despedida. Por tudo isto, parece em melhores condições para atacar a prova do que outros ciclistas veteranos e com pergaminhos de luxo, como Alejandro Valverde e Vincenzo Nibali.
Outros corredores a ter em conta para a geral:Wout Poels (Bahrain Victorious), Guillaume Martin (Cofidis), Iván Sosa (Movistar), Bauke Mollema (Trek-Segafredo) ou Vincenzo Nibali (Astana-Qazaqstan)