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“É um fenómeno de popularidade”, atesta João Carvalho, diretor do festival de Paredes de Coura e também do Courage Club, onde o trovador do Minho incendiou o palco principal no fim-de-semana passado
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“É um fenómeno de popularidade”, atesta João Carvalho, diretor do festival de Paredes de Coura e também do Courage Club, onde o trovador do Minho incendiou o palco principal no fim-de-semana passado

“É um fenómeno de popularidade”, atesta João Carvalho, diretor do festival de Paredes de Coura e também do Courage Club, onde o trovador do Minho incendiou o palco principal no fim-de-semana passado

Chico da Tina: quem dá mais por este relicário?

Criou o "trap minhoto" e é um fenómeno de popularidade, com dois singles de platina e mais de dez milhões de streams. Depois de leiloar os pêlos do peito, atua este sábado na Super Bock Arena.

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Quando este verão a Cabral Moncada Leilões concretizou uma das suas vendas mais estrondosas – 270 mil euros por uma pintura do naturalista vila-viçosense Henrique Pousão – nada fazia antever que daí a quatro meses estivesse a leiloar os pêlos do peito da auto-intitulada “estrela trap do Minho”, também conhecida por Chico da Tina, diminutivo de concertina. Na verdade, não eram apenas os prolongamentos filiformes do músico de Viana do Castelo que a respeitada leiloeira de Lisboa estava a vender. E também não chegou vendê-los. Não por falta de interessados (pelo contrário), mas porque a hasta teve de ser cancelada, num de vários contratempos. Esta quinta-feira, ao cabo de quase um mês de avanços e recuos, o leilão chegou por fim a bom porto – embora não exatamente o esperado.

Em cima da mesa estava um relicário de prata (750gr de prata de lei) criado pelo designer João Canha e pelo artista especializado em modelagem generativa e fabricação digital Rodrigo Waihiwi em parceria com a oficina gondomarense de filigrana J. Monteiro de Sousa. Incluía um memory card com a primeira edição digital do novo álbum, E Agora Como É que É?, e aquilo a que, numa story de Instagram, quando as licitações atingiram os 10 mil euros, um entusiasmado Chico apelidou de “monólito de mármore” – o recetáculo dos pêlos do peito. “Enfim, é uma peça que atravessará gerações. Uma peça única e peculiar, e não há preço para uma peça destas. Dez mil euros, o que é isso?” Uma hora depois, nova story: “leilão suspenso”.

Para quem nunca ouviu falar de Chico da Tina, este encontro provocatório entre o digital, o kitsch e a tradição é uma boa introdução à personagem que, acompanhado de uma concertina, se propôs a criar um “trap” (subgénero do hip-hop, nascido nos anos 1990, em Atlanta, EUA, nos bairros onde se traficava droga) minhoto (incluindo menções à Feira do Cavalo de Ponte de Lima e a Nossa Senhora da Agonia). Até mesmo as referências que dão corpo ao relicário – todas elas parte da “expressão artística Tiniana”, peroraria o professor universitário (e alter-ego de Chico) Prof. Manuel Dantas – contam parte da história do projeto.

O relicário de Chico da Tina que foi a leilão na Cabral Moncada

A primeira alusão ao relicário, termo usado para designar as caixas ou cofres onde se guardam relíquias de santos, data já de Setembro de 2020. “Na assembleia vou ter um retrato / (…) Na Sé de Braga um relicário / Com um pêlo do peito para ser venerado”, ouve-se em “Ronaldo”, canlção que estreou E Agora Como É Que É?, entretanto single de platina (10 mil unidades vendidas ou equivalente; no caso, cinco milhões de streams no Spotify e perto de quatro milhões de visualizações no YouTube). Quanto à mística atribuída à penugem corporal vai ainda mais atrás, tanto quanto possível numa carreira oficializada em 2019, com o lançamento do EP Trapalhadas, altura em que o artista da concertina aparecia de triângulo aparado no peito. Até a Cabral Moncada já teve direito a um tema, a nona faixa do álbum Minho Trapstar, onde conta como ele que “sonhava com neoclássicos em moço” acabou “com um Pedro Alexandrino ao pescoço”: “Fui à leiloeira da Cabral Moncada / Entrei a fumar ganza, ninguém disse nada.” Conhecido como “pintor dos frades” – ou “Pedro Alex” na “expressão tiniana” – Pedro Alexandrino foi um pintor português do século XVIII. Há duas obras suas na Sé Catedral de Lisboa.

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Meta-irónico; meta-linguístico; meta-biográfico

Em Chico da Tina – 25 anos, bigode, boné e sportswear – tudo tem um asterisco. Por outras palavras, tudo é “meta”: meta-irónico; meta-linguístico; meta-biográfico. Onde acaba o real e começa a subversão, não se sabe – e talvez não importe. No seu estilo gongórico, o Prof. Manuel Dantas fala na reação a uma sociedade que não sabe como viver, “ainda que toda ela atue como se o soubesse, cobrindo-se para isso de respeitosas representações e demais parcimónias.”

Ainda nos domínios do “meta”, para uns, tudo estará também para além dos limites do bom-gosto, com muito calão, vernáculo e versos em que “Tina” rima, por exemplo, com partes da anatomia feminina. Para muitos outros, nem por isso, a julgar pelos concertos previstos para o Primavera Sound em 2022, a Sala Tejo da Altice Arena, em janeiro, e para a Super Bock Arena – Pavilhão Rosa Mota já este sábado, 11 de dezembro.

Francisco da Concertina começou a ganhar notoriedade quando, em julho de 2019, poucas semanas depois de lançar o EP Trapalhadas, venceu a primeira edição portuguesa do Prémio Mimo de Música, em Amarante. Já na altura se apresentava em personagem. Não era mais que um skater de Viana tornado rapper, dizia. Começara a tocar em festas e convívios, sempre acompanhado da concertina. Nome? Francisco. Mais alguma coisa? Chico, se preferirem.

“É um fenómeno de popularidade”, atesta João Carvalho, diretor do festival de Paredes de Coura e também do Courage Club, onde o trovador do Minho incendiou o palco principal no fim-de-semana passado. Elogia-lhe o humor inteligente, a rima mordaz, a relação com o contexto popular em que cresceu, onde são típicas as desgarradas. E não tem dúvidas: “Não é um fenómeno passageiro. Veio para ficar.”

Nesta overdose de agilidade e discurso, o único vazio é intencional e é criado pelo próprio Chico. A “trapstar” minhota não dá entrevistas, embora interaja com regularidade com os fãs através das stories do Instagram. Foi, aliás, assim que explicou por que razão o leilão do relicário na Cabral Moncada fora, primeiro, suspenso e, depois, cancelado. “Entusiasmaram-se com a beleza da peça”, disse, “e chegaram-se à frente com valores que não tinham”. Aproveitando para acrescentar que decidira lançar nova hasta no site americano eBay. Base de licitação: a mesma da Cabral Moncada, um euro. “Agora ou vai ou racha.” Mas, de novo, não foi bem assim.

Pelo telefone, um dos sócios da Cabral Moncada Leilões, Pedro Maria Alvim, conta como acolheram a iniciativa com entusiasmo, mas acabaram por se deparar com uma dificuldade inédita. “Foi uma espécie de ataque de hackers. Quatro meninos começaram a licitar de forma ilegítima”, lembra. “Às tantas recebemos um telefonema de um pai em pânico, a pedir para não considerarmos a licitação do filho. Já ia em 90 mil euros.”

O objetivo da leiloeira era atrair novos públicos – e terá sido esse o problema. A proposta “invulgar” e “interessante” feita por um autor “com divulgação nas redes sociais” (116 mil seguidores no Instagram) pareceu-lhes uma boa aposta. Nos primeiros dias a coisa correu como previsto, com uma subida gradual até aos 500 euros e depois até aos 1000 euros. “Achei que ia ficar por aí, ou talvez subir um pouco mais”, avança Alvim. “Até que quatro pessoas começaram a brincar e estragaram o brinquedo.”

Para uns, tudo estará também para além dos limites do bom-gosto, com muito calão, vernáculo e versos em que “Tina” rima, por exemplo, com partes da anatomia feminina. Para muitos outros, nem por isso.

Nome? Francisco. Mais alguma coisa? Chico, se preferirem

Francisco da Concertina começou a ganhar notoriedade quando, em julho de 2019, poucas semanas depois de lançar o EP Trapalhadas, venceu a primeira edição portuguesa do Prémio Mimo de Música, em Amarante. Já na altura se apresentava em personagem. Não era mais que um skater de Viana tornado rapper, dizia. Começara a tocar em festas e convívios, sempre acompanhado da concertina. Nome? Francisco. Mais alguma coisa? Chico, se preferirem. Em entrevista à rádio TSF, falaria sempre numa espécie de galego. Ao jornal Público, avançaria: “Hoje é tudo explicado, a intimidade é violada. Quando comecei este projecto, nunca tive a intenção de me expor ou de dar entrevistas.” Ainda assim, revelava: a concertina, uma Hohner, era herdada do pai; a biografia era a sua, embora exagerada; e ainda havia muito que não conseguia explicar, porque ainda estava “a descobrir o que isto é.”

Corta para o final da tarde de 5 de novembro de 2021, dia de lançamento de E Agora Como É Que É?, e para a fila à porta do espaço Moche, perto do Cais do Sodré, em Lisboa, onde está prestes a realizar-se um showcase para 100 fãs e imprensa. Duas sub-18 recebem ordens de um progenitor: “Não saem daqui sozinhas”. Um jovem na casa dos 20 conjuga um blusão “bomber” preto com um lenço branco minhoto. Lá dentro, uma pequeníssima multidão, a maior parte rapazes, aguarda expectante.

“Põe-te Fino”, retirado do tal primeiro EP, contava nesta altura com quase dois milhões de streams no Spotify. Dentro de duas semanas, o álbum que ali seria apresentado ultrapassaria os 10 milhões de audições online, incluindo dois singles de platina, “Resort” e “Ronaldo”. Um curto passeio pelo Spotify revela que, pelo menos nesta plataforma, os números da trapstar minhota são superiores aos de nomes consagrados como António Zambujo ou Carlão e comparáveis aos de estrelas pop como Diogo Piçarra e Carolina Deslandes. Tudo tráfego orgânico, num ecossistema em que o público é quem mais ordena e as editoras pouco mais podem fazer do que tentar acompanhar as tendências de consumo. Cortesia: era digital.

Entre passeios de trotinete elétrica na ciclovia mais polémica de Lisboa, visitas ao Museu Militar (e convite aos fãs para irem à respetiva página do Instagram desejar “um feliz Tina day”) e monólogos ao espelho vestido de roupão turco cor-de-rosa, Chico aproveitava para ir promovendo o concerto deste sábado na Super Bock Arena: “Se vcs têm -16 podem ir desde que acompanhados por um adulto”, escrevia. “Menores de 12 não podem nem com adulto nem com ninguém”.

Blusão de penas amarelo, mochila do rato Mickey, boné na cabeça e Pedro Alexandrino ao pescoço, Chico daria um ar da sua graça por volta das 20h30. Do topo do halfpipe feito palco, gritaria para a sua claque, “E quando eu digo ‘Chico’, vocês dizem ‘da Tina!’ E quando eu digo ‘Elis’, vocês dizem ‘Regina!’” Mais à frente exortaria: “Já que estamos no espaço Moche, vamos ter de fazer aqui um micro moche.” Não fossem as máscaras cirúrgicas nos pulsos – ainda era permitido – e podiam ser os anos 1990.

O leilão no eBay arrancou em força. Doze horas depois de ser lançado já ia nos 510 dólares e em apenas nove lances ultrapassou os 12 mil. As licitações são anónimas, identificadas apenas por um número de inscrição. Na dianteira seguia um comprador que insistia em oferecer valores acabados em “69”. No caso, 12 069 dólares. O problema da primeira hasta, contudo, repetir-se-ia. “Meus amigos, está difícil fazer o leilão porque há sempre engraçadinhos que vão para lá licitar dois milhões de euros e não sei quê”, anunciava Chico, de novo pelas stories do Instagram. Dentro de um elevador, de máscara no queixo, avisava: “Vamos ter de separar os meninos dos homens, as mulheres das meninas. Os verdadeiros investidores – quem quer aproveitar uma verdadeira oportunidade de negócio — que fique atento, que à terceira é de vez.”

O novo formato encontrado foi a plataforma online especializada em colecionismo Catawiki, por onde já tinham passado itens como um livro de Tintin que pertencera a Hergé (61 050 libras) e uma garrafa de vinho Romanée-Conti (€4500). A especialista do site – todos os leilões incluem a opinião de um perito – estimava para o relicário com o memory card e os pêlos do peito um valor entre os €500 e os €700 euros. Em poucos dias, a peça atingiu os €999 e a três dias do final era aí que estava estacionada. “Se era este o valor que eu tinha pensado? Não, não era”, voltava Chico à carga. “Se é este o valor por que eu acho que a peça vai ser ‘arrabatada’ [sic]? Não, não é. Se eu estou expectante? Muito.”

[ouça o álbum “E Agora Como É Que É” através do Spotify:]

“Nunca desisti, foi por um triz/ Agora sempre que toco pedem bis.”

Entre passeios de trotinete elétrica na ciclovia mais polémica de Lisboa, visitas ao Museu Militar (e convite aos fãs para irem à respetiva página do Instagram desejar “um feliz Tina day”) e monólogos ao espelho vestido de roupão turco cor-de-rosa, Chico aproveitava para ir promovendo o concerto deste sábado na Super Bock Arena. Tentar preencher os 8000 lugares do pavilhão portuense é bastante diferente de esgotar a edição limitada dos Pérola do Lima, os sabonetes aromáticos em forma de busto (o seu), que lançou em fevereiro. Além da pandemia de covid-19, que agora obriga à apresentação de teste ou certificado de recuperação para os lugares de pé, a comunicação denotava outro tipo de preocupação: a idade dos fãs. “Se vcs têm -16 podem ir desde que acompanhados por um adulto”, escrevia. “Menores de 12 não podem nem com adulto nem com ninguém.”

Licitar centenas de euros não é, contudo, brincadeira de miúdos. Mesmo que em jogo esteja “uma peça única” com os pêlos do peito do autor de temas como “Deitei Tarde Acordei Late”. Talvez por isso, uma vez reforçada a proteção contra “engraçadinhos”, o leilão permaneceu morno. Pelo menos, face ao que acontecera nas anteriores edições, que terão inflacionado as expectativas. Chegados ao último dia, já havia quem tivesse oferecido mais de mil euros, mas pouco: €1049. E nem uma última licitação, feita a apenas 27 segundos do final, serviu para acender a corrida. Ao fim de quase um mês de trabalhos, o relicário saía para um licitador estreante por €1249 mais 9% de comissão para o site. Um dececionado Chico reagiria via stories. O comprador, argumentaria, convicto, fizera “um bom negócio.”

A máquina não pára e, na manhã seguinte, aparentemente refeito, a trapstar voltaria à faina, ou seja, à promoção do espectáculo deste sábado, agora com uma caça ao tesouro via stories do Instagram. Convites escondidos em sítios aleatórios – atrás de “litrosas” num supermercado; dentro de um exemplar do Jornal de Letras esquecido num banco de jardim – e fotos dos troféus retribuídas horas (em alguns casos, minutos) depois. Entretanto, uma admiradora queixara-se de não ter companhia para ir ao concerto e a trapstar tratara do assunto, criando uma sala na plataforma de conversa Discord. Nome: Tina Family. Mais de dois mil membros com um denominador comum. Entre memes, insultos e tentativas de combinar boleias, partilhava-se letras de temas “do rei”, como o single “Ronaldo”, o mesmo do relicário: “Nunca desisti, foi por um triz/ Agora sempre que toco pedem bis.”

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