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Entrevista ao presidente da iniciativa liberal - IL - João Cotrim de Figueiredo, à Rádio Observador, candidato pelo partido às próximas eleições legislativas. Lisboa, 10 de dezembro de 2021. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR
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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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"Com 6% têm de olhar para nós como um partido que tem de estar no Governo"

João Cotrim Figueiredo defende a privatização da CGD, mesmo que dê lucro, e recusa salvar bancos em nome dos depósitos dos clientes. Líder da IL diz que foram liberais que deram vitória a Moedas.

Na véspera da Convenção do partido, o líder da Iniciativa Liberal estreou a série de entrevistas do Observador aos líderes partidários no âmbito das Legislativas 2022. João Cotrim Figueiredo defende que, com 6% dos votos, será muito difícil não olhar para a IL como um partido que tem de integrar um Governo não-socialista. Embora se recuse a dizer “nunca” e admita que o “risco sistémico” é um fator a ter em conta, para o líder liberal os bancos são, por regra, para deixar cair, mesmo que estejam em causa depósitos avultados dos clientes.

Cotrim acredita que, num sistema de saúde verdadeiramente concorrencial, nem seriam necessários hospitais públicos — mas reconhece que não é essa a situação em Portugal. Sobre as listas de deputados, não revela nomes, mas admite que lhe “interessava” contar com Carlos Guimarães Pinto na campanha. Sempre que foi questionado por declarações mais comprometedoras de companheiros de partido sobre a pandemia — como Tiago Mayan Gonçalves no Twitter ou membros da sua comissão executiva — limitou-se a dizer que não subscrevia essas frases.

Sobre se o Chega estar num eventual acordo com o PSD o afastaria de ter também um acordo de governação, João Cotrim Figueiredo diz que “teria de ver” — sem afastar uma solução similar aos Açores.

[Ouça aqui o podcast da entrevista]

Cotrim Figueiredo: “Não ter bancos em mãos portuguesas não é problema”

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“O Estado não está no negócio de ter bancos, ponto final”

Tem defendido a privatização da TAP, da RTP e da CGD. Admitiria vender alguma dessas empresas, por exemplo, a companhias chinesas como aconteceu com a EDP e a REN?
Não. Não faz sentido privatizar em favor de empresas estatais de outros países porque isso é uma espécie de nacionalização indireta. Nem é uma questão de ser chinês ou não. É uma questão de ser, como a generalidade das empresas chinesas são, ou detidas pelo estado ou controladas pelo estado.

Portanto o preço não seria o único critério?
Claramente não.

Nos primeiros 9 meses de 2021 a CGD teve lucros de 429 milhões e anunciou o pagamento de um dividendo extraordinário ao estado de 300 milhões relativos aos lucros de 2020. Porquê vender uma empresa que é gerida de forma eficaz e que dá dinheiro ao Estado?
Porque o Estado não está no negócio de ter bancos, ponto final. Não é uma questão de ser rentável ou não. Se todo o setor financeiro português fosse privado os lucros e prejuízos que esse setor tivesse seriam privados também. Se a CGD um dia privada tivesse esses mesmos números, mas de sinal contrário nos oporíamos a uma intervenção nesse banco também. Não vejo nenhum motivo para o Estado ter um banco, uma televisão e companhia área. A CGD só apresenta estes resultados, que são absolutamente únicos na história recente da CGD e provavelmente até na história da banca como um todo, porque foi exatamente gerida como um banco privado. Espero que isto que vou dizer não venha a ser desmentido no futuro, deixou de ter interferência política nas decisões de atribuição de crédito que fez.

Mas mostra que é possível gerir bem uma empresa controlada pelo Estado.
Mostra, o problema não é ser do Estado é os incentivos que lá estão colocados e, portanto, tenho praticamente a certeza que se não tivesse sido a Comissão Europeia a impor um conjunto de regras, que eles designam arms length, de que tudo o que o Estado enquanto acionista faz na CGD tem que estar à distância suficiente para não influenciar as decisões de gestão da Caixa, tenho quase a certeza que se essas regras não tivessem sido impostas e tivesse tido sido só o governo português a tomar as decisões não teríamos tido o plano aprovado da forma que foi, as decisões de gestão tomadas e os resultados que mencionou agora.

Não há nenhum grande banco em Portugal que esteja nas mãos de portugueses e há vários empresários que se queixam do facto de a atribuição de créditos acima de um determinado montante, por exemplo, ter que ser decidida em Madrid onde há menor sensibilidade para os problemas da economia portuguesa. Admite vendendo a Caixa Geral de Depósitos a estrangeiros não haja nenhum banco em mãos portuguesas? Isso para si não é um problema?
É um desgosto, mas não é um problema. Gostava muito que Portugal tivesse um sistema de financeiro robusto e de preferência de capitais portugueses como outros setores, nomeadamente os de ponta, que Portugal tem vindo a perder oportunidade nos últimos 20 ou 30 anos de entrar  nalguns setores de ponta para os quais tem mão de obra qualificada. Mas os nossos gostos e desgostos aqui devem contar pouco.

Mas aqui é mais que isso. Os empresários portugueses dizem que isto tem consequências na economia.
Gostava muito de ver o perfil de atribuição de créditos da CGD e comprá-lo com outros bancos do sistema para ver se isso é assim tão diferente. Os critérios de atribuição de crédito não são propriamente caixas negras. Não é a localização da sede de uma empresa que vai determinar que um banco sediado em Portugal, mas detido por estrangeiros vá atribuir créditos. Tenho muitas dúvidas que a diferença seja assim tão grande. Se a CGD estiver a atribuir créditos a empresas que outros bancos não estão a atribuir é meio caminho andado para daqui a 6 meses ou 12 estarmos a dizer dos resultados da Caixa outra coisa diferente que estamos a dizer hoje.

A gestão da Caixa Geral de Depósitos merece todos os elogios, foi feita com critérios privados (...) Chapelada à gestão da CGD, por ter conseguido executar o plano, mas o plano só foi desenhado desta maneira mas porque é muito mais parecido com um plano privado que qualquer outra coisa.

Os empresários quando se queixam disto na realidade estão à procura de alguém que ponha a mão por baixo dos seus investimentos.
Eu quando ouço queixas de empresários de uma forma geral levo-as com bastante atenção e dou-lhes crédito no sentido em que acredito nelas. Não desvalorizo as queixas nem as críticas, mas muitas das coisas apontadas como problemas tem a ver com a forma como nos temos organizado economicamente nas últimas décadas. A dependência que boa parte das empresas tem em relação ao crédito tem a ver com a descapitalização brutal que há 20, 30 anos a nossa economia tem sofrido. Não temos capital acumulado para fazer face às vagas de investimento que nas indústrias existentes e nas novas às vezes é necessário. Esse é que é o problema, por isso é que temos graves dificuldades, cada vez que há ou uma crise ou uma oportunidade e não temos possibilidade de acorrer a essa oportunidade porque não há capacidade de investimento. De onde vem este problema de capitalização? Vem do facto de há demasiado tempo o lucro ser visto com uma espécie de roubo. Conseguiu entrar no discurso diário que uma empresa que ganhe bom dinheiro está de alguma forma a enganar o consumidor dessa empresa, não é verdade. O lucro é, aliás, uma medida da utilização parcimoniosa e cuidadosa de recursos, é aquilo que permite fazer face às oportunidades de investimento para a frente.

A menos que venha de uma empresa do Estado.
Não, não vejo diferença nisso. A contabilidade é a mesma numa empresa do Estado ou privada.

Entrevista ao presidente da iniciativa liberal - IL - João Cotrim de Figueiredo, à Rádio Observador, candidato pelo partido às próximas eleições legislativas. Lisboa, 10 de dezembro de 2021. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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Disse há pouco que o lucro na Caixa não interessa porque é uma questão de princípio.
Vamos ser claros. A gestão da Caixa Geral de Depósitos merece todos os elogios, foi feita com critérios privados. Desafio alguém a dizer em que é que a CGD, desde que foi intervencionada e está ao abrigo deste plano de recuperação aprovado por Bruxelas, se portou diferentemente de um banco privado do setor. Se não fosse isso não tinha tido estes resultados. Chapelada à gestão da CGD, por ter conseguido executar o plano, mas o plano só foi desenhado desta maneira mas porque é muito mais parecido com um plano privado que qualquer outra coisa.

Também não há grande referência de banco público porque não há muitos.
Há os 30 anos anteriores da Caixa.

O Estado tem a Águas de Portugal, várias empresas de transporte como a CP, o Metro, a Carris, a REFER ou por exemplo a Infraestruturas de Portugal. Há alguma destas empresas que não privatizaria em circunstância alguma?
Essas que listou, boa parte delas não privatizaria porque não correspondem aos critérios que temos para nós próprios como necessário para fazer essa proposta, nomeadamente estarem em setores concorrenciais. Uma Estradas de Portugal, por exemplo, não passa pela cabeça ter duas redes concorrentes de estradas.

Eventualmente com concessionários diferentes.
Aí sim. A detenção e até a construção e exploração devem ser claramente separadas e aí sim pode haver concorrência, mas não a detenção da rede em si.

Que áreas devem ser sempre controladas pelo Estado, as que não têm concorrência é esse o critério?
Aquelas que não podem ter concorrência, melhor dito. Em que a existência de concorrência seria uma má aplicação de recursos.

Governo de Passos “foi o que decretou maior aumento de impostos de sempre”

Em relação especificamente à TAP, se entretanto Bruxelas aprovar o plano de reestruturação entregue pelo governo privatizaria na mesma e devolveria as ajudas?
Ficou claro que nunca teríamos posto sequer o primeiro euro sem saber exatamente como de lá íamos sair. Penso que farão justiça à Iniciativa Liberal ter sido sempre clara nessa matéria. Chegados aqui, em que já lá estão cerca de 1.800 milhões e parece que até ao fim do ano ainda serão algumas centenas de milhões mais o importante é não cometer o mesmo erro que se cometeu na Efacec. Na Efacec o processo de venda foi feito quando gostaríamos que fosse feito: quando foi intervencionado por uma das acionistas, angolana, se previu exatamente como se ia sair, mas essa saída não foi tão certa como nos fizeram fazer crer, passado dois anos a Efacec tem  os problemas que tem. Na TAP temos uma vantagem que acho que há seis meses para mim não era clara. A maior parte das empresas de aviação que podiam ter interesse na TAP estavam limitadas pelo facto de terem recebido apoios estatais também elas e, portanto, estar-lhes vedado fazer aquisições ou alianças no espaço europeu. A partir do momento em que a Lufthansa antecipou a devolução dos fundos que recebeu ao estado alemão e a Turkish Airlines já se manifestou interessada, neste momento é mais fácil prever como se poderia sair da TAP. Neste tipo de indústrias é crucial saber quem pode ser o parceiro à saída para desenhar o processo de reestruturação. O interesse que a Turkish Airlines ou a Lufhtansa têm quanto às rotas, natureza do HUB e dimensão da frota são bastante diferentes num caso e noutro. Também isso devia isso deveria determinar a forma como estamos a encarar um plano de reestruturação. Em qualquer dos casos, chegados aqui, a forma de saída e o timing de saída tem que estar claramente conhecido de todos sob pena dos portugueses continuarem a enfiar dinheiro na TAP sem saber como é que volta.

O que sugere para a TAP é um acordo de parceria com um privado estrangeiro?
Inevitavelmente. Era muito bom que houvesse capital acumulado em Portugal para podermos ter acionistas portugueses a fazer esse trabalho ou até a pensar concorrer com a TAP noutras rotas, era ótimo. Não há, há 30 anos de ódio ao lucro, miserabilismo, de incapacidade de reconhecer que uma economia se não gera empresas capazes de gerar dinheiro nunca vai ter autonomia própria.

Entrevista ao presidente da iniciativa liberal - IL - João Cotrim de Figueiredo, à Rádio Observador, candidato pelo partido às próximas eleições legislativas. Lisboa, 10 de dezembro de 2021. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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Talvez o último governo mais liberal que houve, os outros foram socialistas, deixou uma privatização da TAP feita. Foi bem feita?
Já nos tentaram colar ao governo liberal, como chamou, recordo que foi o governo que decretou o maior aumento de impostos de sempre.

Em circunstâncias específicas, mas não era isso que eu perguntava.
Eu sei, mas só para não deixar isso no ar. Acho que não devia ter sido revertido, evidentemente. Acho que as condições em que o Estado voltou a ter 50% depois de ter só 41% no fim de 2015 levou a que, por exemplo, o acionista Neelman saísse com os bolsos bem mais recheados do que teria feito de outra forma.

Mas a questão era se a privatização tinha sido bem feita, não a renacionalização.
Não sei os detalhes, da forma como evoluiu e foi a saída dos acionistas creio que podia ter sido mais bem feita, mas não gosto de fazer esses comentários à posteriori como se soubesse tudo.

Mas que cuidados é preciso ter para evitar más privatizações? Um dos que referiu foi não escolher empresas controladas por Estados, o chinês, por exemplo.
Privatizar a favor de outros nacionais não faz sentido nenhum.

Mas que outros cuidados, tendo em conta que há privatizações que podem ser bem feitas e outras mal feitas. A IL tem uma grelha de cuidados a ter?
Não acho que seja possível ter regras comuns a todas, há uma que talvez usasse sempre: garantir, tanto quando isso pode ser feito num processo de venda, de que eventuais prejuízos futuros nunca voltarão a assombrar o contribuinte português.

Falou há pouco da Efacec, comparou-a com a TAP. O Estado tomou conta da Efacec por causa dos problemas com Isabel dos Santos, para evitar que a empresa fechasse. Qual que lhe parece ser o prazo limite para esperar que se concretize uma venda da Efacec antes de deixar a empresa cair?
Aparentemente só há um interessado que sobrou do processo de venda. Tanto quanto sei as negociações estão intensamente a decorrer. O timing que é legítimo esperar depende da perspetiva de chegar a um acordo razoável em tempo útil.

Mas o que é um acordo razoável no seu entender?
Não sei porque não conheço o que afasta as propostas. Não conheço. Se estivéssemos a falar de uma proposta de compra que se afastasse muito do que é o mínimo aceitável para o acionista, que neste caso é o Estado, acho que as negociações deviam ser quebradas já e a empresa entrar em processo de insolvência.

Defendeu numa entrevista que o Estado não deve resgatar empresas privadas. A questão é: nem bancos? É preferível deixar cair um banco e as pessoas perderem todo o dinheiro que vá para lá do limite da garantia de depósitos? Não há o perigo do risco sistémico?
É.

E como é que o resolveria?
Enquanto isso não acontecer não há noção de que é difícil estar numa atividade económica e é arriscado do ponto de vista do investidor, mas também das pessoas que apostam nesses setores. É uma forma moralizar. Deixem-me qualificar a resposta porque as pessoas podem ficar a achar que acho lindamente que as pessoas que tenham as poupanças de uma vida fiquem sem elas. A escolha de uma entidade bancária também tem a ver com isso e por isso é que há garantias de depósito até 100 mil euros, não é propriamente para pessoas remediadas, já têm de ter algum pecúlio.

Então é legítimo essas pessoas perderem o dinheiro?
O que é que acontece a qualquer outra pessoa que tenha uma aplicação numa outra atividade qualquer que não seja regulada como os bancos?

E a aplicação é uma conta a prazo ou uma aplicação?
Esse é outro fator, acima de determinado montante raros são aqueles que têm as contas à ordem ou a depósito.

"Sobretudo depois daquilo que soubemos na comissão parlamentar de inquérito, não sei se o risco sistémico do BES justificava a intervenção que foi feita."

Mas fosse qual fosse a dimensão de um banco que entrasse em problemas?
É sempre muito perigoso estar a dizer “aqui nunca”. Há coisas como o risco sistémico. Se implodisse a economia obviamente que ninguém está a defender isso. Estou a defender o princípio.

Um banco como o BES, por exemplo, tinha uma dimensão muito grande.
Sempre nos foi vendido como tendo risco sistémico, nunca nos foi explicado o que é que isso queria dizer.

Mas na sua opinião haveria ou não? Na realidade, o que estamos a falar é se colocaria em causa a confiança das pessoas comuns no sistema bancário.
Mas isso não é o risco sistémico, o que é desconfiança das pessoas em relação ao sistema financeiro ou o cuidado que as pessoas têm de ter ao aplicar dinheiro no sistema financeiro é uma coisa boa. É o seu dinheiro, têm de ter cuidado onde é que o aplicam, não devem confiar na primeira pessoas que lhes ofereça mais 1 ou 2%. Essa parte é positiva. Risco sistémico estamos sempre a focar nos depositantes que perdem dinheiro, mas havia uma série de empresas cujo os créditos deixavam de ser exigíveis. Num balanço de um banco não há só ativos, há passivos também. Portanto, sobretudo depois daquilo que soubemos na comissão parlamentar de inquérito, não sei se o risco sistémico do BES justificava a intervenção que foi feita.

Entrevista ao presidente da iniciativa liberal - IL - João Cotrim de Figueiredo, à Rádio Observador, candidato pelo partido às próximas eleições legislativas. Lisboa, 10 de dezembro de 2021. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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“Com concorrência, não haveria necessidade de hospitais públicos”

Defendeu uma reforma do SNS para “introduzir liberdade de escolha dos utentes e a noção do Estado financiador e não do Estado prestador”. O que é que isto quer dizer na prática? Defende que haja hospitais públicos, por exemplo?
Pode haver.

Na prática o que é que isto quer dizer?
Deve haver os hospitais públicos ou privados onde as pessoas queiram ir. Basicamente, é isso que quer dizer.

Ou seja?
Se houver um hospital público a que as pessoas querem ir e esses hospitais recebem pelos atos médicos que praticam e as pessoas continuam satisfeitas e voltam e dizem aos amigos, deve continuar a existir.

E tem de ter lucro?
Não. Um hospital público não tem de dar lucro. Mas, como os atos médicos num sistema como nós defendemos são remunerados da mesma forma seja qual for a forma de propriedade do hospital…

… Mas estava a dizer em relação à Caixa que o Estado não deve estar no negócio dos bancos, mas deve estar no negócio dos hospitais?
A partir do momento em que não tem lucro não é um negócio.

Então o que quer dizer com “se as pessoas forem ao hospital e gostarem do hospital”? Como é que é feita essa avaliação?
Pela forma como as pessoas escolhem. O que é que nós defendemos: um sistema público de saúde deve manter as características universais, no sentido em que abrange toda a gente, não exclui pessoas para condições pré-clínicas existentes e deve ter concorrência de prestadores. É a única forma que permite a liberdade de escolha e, portanto, alguém se dirige ao seu hospital dirige-se porque é o hospital que está mais perto, onde está o médico que conhece ou o hospital que melhor o tratou da última vez, os critérios serão da própria pessoa, mas vai ao sítio que lhe dá mais jeito.

Mas aqui é uma exceção ao princípio de que todos os sítios onde haja concorrência o Estado não deve estar. Porquê?
O ponto de partida não é o mesmo. Ou seja, se estivéssemos a iniciar um sistema nacional de saúde provavelmente era absolutamente dispensável que o Estado fosse dono de hospitais e prestador de cuidados de saúde. Estando onde estamos, com 100% do SNS a ser prestado pelo Estado, com raríssimas exceções de algumas convenções, seria pateta dizer que vamos acabar com o Estado enquanto prestador. Estou convencido de que, a prazo, num sistema verdadeiramente concorrencial, não haveria necessidade de ter hospitais [públicos], mas isto é uma escolha das próprias pessoas.

E a saúde ser tendencialmente gratuita, concorda com isso?
Sim, claro. Embora o tendencialmente gratuito é sempre à primeira vista porque custa 14.500 milhões de euros operar o SNS, alguém o paga.

Tendencialmente foi colocado lá, creio eu, para evitar…
Não, é um termo constitucional. Ou seja, é para mostrar que não diferença aparente física em relação ao que hoje se passa, a única diferença é que tem muito melhor escolha. Qualquer prestador de serviços tem de ter um feedback imediato do serviço que está a prestar e, portanto, o feedback mais útil é a escolha da pessoa que tem de ser tratada e que quererá lá voltar ou poderá não querer lá voltar.

Mas qual era o vosso caminho, o das PPP que tem sido revertido por este Governo?
As PPP são um modelo intermédio, achamos que devíamos ir mais longe e arranjar subsistemas de saúde, como uma ADSE, que hoje está limitada a funcionários públicos, ex-funcionários públicos e os familiares, mas não há nenhum motivo para um sistema como aquele não funcionar para a população como um todo. Havendo vários subsistemas, porque é útil que haja concorrência, podemos estar a criar um sistema nacional de saúde que seja verdadeiramente concorrencial, que permita as pessoas escolher o sítio onde querem ser tratados e faça duas coisas que são muito importantes: dar uma noção de longo prazo ao tratamento dos problemas médicos das pessoas e isto permite que a medicina preventiva e as terapias mais caras sejam aplicadas mais cedo porque os subsistemas sabem que à la longue é uma maneira mais eficaz de escrever a doença e permite que os subsistemas tenham um incentivo para continuar a melhorar a sua prestação de serviço porque se alguém ao lado lhe está a “roubar quota de mercado” vão tentar perceber porquê e copiar as boas práticas.

Tem falado sobre a sustentabilidade da Segurança Social. Qual é a principal da IL diferente daquelas que têm sido tomadas para garantir a sustentabilidade?
Já propusemos um pilar de capitalização na Segurança Social em que capeávamos as pensões mais elevadas e permitíamos que as pessoas tivessem um pilar de capitalização na sua conta de Segurança Social. Hoje, em Portugal, a Segurança Social funciona como um modelo de transferência, há gente a gravar e gente a receber na mesma altura e os descontos feitos hoje são entregues diretamente a pensões hoje. Aquilo que está a ser descontado hoje ninguém está a conseguir garantir que daqui a 20 ou 30 anos ainda lá está. Este sistema absolutamente insustentável e mesmo com reformas mais baixas e impostos mais altos temos um problema de sustentabilidade e a única maneira de resolver é tentar que o sistema tenha uma capitalização inerente e que as pessoas tenham interesse nessa capitalização. Portanto, o nosso pilar de capitalização seria financiado através da redução da TSU paga pelo empregador, gostávamos que parte dessa TSU revertesse para aumentos salariais e teríamos a possibilidade de ser aplicada em capitalização para efeitos de reforma. Portanto, era um sistema misto de transferência de capitalização que dá muito maior sustentabilidade e maior capacidade de o sistema ir evoluindo, com a vantagem adicional: os fundos de pensões de capitalização são dos maiores de investidores da economia que existem nas economias desenvolvidas.

Mas quem quisesse podia deixar lá tudo?
Não, o nosso sistema é misto e até uma reforma máxima o desconto continuaria a reverter para a Segurança Social porque a transição de um sistema puro para um sistema misto não permitem essa solução.

O Estado português tem 731 mil trabalhadores…tem mais. Os meus números estão quase nos 750 mil.

estes são os últimos números divulgados e, segundo os dados do Eurostat, 15% dos cidadãos empregados em Portugal são funcionários público, o que está abaixo da média europeia que é de 16%.

Entrevista ao presidente da iniciativa liberal - IL - João Cotrim de Figueiredo, à Rádio Observador, candidato pelo partido às próximas eleições legislativas. Lisboa, 10 de dezembro de 2021. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR Entrevista ao presidente da iniciativa liberal - IL - João Cotrim de Figueiredo, à Rádio Observador, candidato pelo partido às próximas eleições legislativas. Lisboa, 10 de dezembro de 2021. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Qual seria o número equilibrado para Portugal?
Nunca fiz essa conta. Sei que aquilo que estamos a propor quer para a área da saúde, quer para a área da educação faria com que boa parte das pessoas que estão empregues na função pública passassem a ter funções privadas. Mas nunca fiz a conta de quanto é que seria a dimensão ideal do número de funcionários públicos.

Mas não devia ter feito? Isso não é uma das coisas mais relevantes do vosso programa, da vossa ação e do vosso desejo para o país?
Posso dizer que, no caso do sistema de saúde, que tem cerca de 140 mil funcionários, não me espantaria que um terço deles estivesse a funcionar em regime privado passado pouco tempo. Portanto, logo aí é 40 mil.

Pouco tempo é quanto?
Não sei. Um ano, dois.

Passando para a questão fiscal, numa primeira legislatura que mudanças 
é que introduziria no IRS e no IRC?
Já fizemos essa proposta do IRS de passar para duas taxas: uma de 15% até 70 mil euros e outra de 27,5% acima desse montante com isenções por filho e com isenções até 700 euros, portanto continua a ser um imposto progressivo, respeitando as normas constitucionais.

Mas menos.
Menos progressivo, evidentemente. Esse é um dos objetivos porque os impostos progressivos são vistos muitas vezes como um mecanismo de justiça social e não são mais do que um desincentivo a subir na vida a trabalhar. E tem, na nossa opinião, estado na origem da emigração qualificada que temos tido nos últimos anos. Aliás, não é só a nossa opinião porque, quando vemos quais são os mecanismos que o Governo quer usar para voltar a atrair as pessoas que emigraram, imediatamente o que faz é baixar-lhe os impostos. Portanto, o Governo sabe que esse é um dos fatores que leva as pessoas a emigrar. Relativamente ao IRC, a eliminação da derrama estadual e a redução da taxa base.

Até quanto?
Até 15%, também. De 21 para 15% a taxa base de IRC.

Mas tudo isso negociado com outros partidos para ser estável?
Isso é um bom ponto. A estabilidade do sistema fiscal é nalguns casos tão importante como o próprio nível de fiscalidade.

Está a elogiar indiretamente o acordo entre António José Seguro e Pedro Passos Coelho [para a redução do IRC].
Estou. E tenho muito pena que não tenha sido levado à prática.

“A partir dos 6% é difícil não termos representação no Governo”

Avançando para o cenário eleitoral, estamos quase em campanha de legislativas e diz na sua moção — e a convenção da IL vai ser este fim de semana — que é importante dar continuidade à abertura de incluir independentes que aportam valor. Vai ter independentes como cabeças de lista das legislativas?
Não vou revelar aqui.

Nem sequer precisa de revelar os nomes.
Esse é um princípio que a Iniciativa Liberal tem assumido desde o princípio, de gostar muito de acolher pessoas de fora. Eu sou um exemplo disso. Não sei se sou um bom exemplo. E gostaríamos de ser um exemplo disso. Mas também não nego que esta antecipação de dois anos nas eleições não nos vai permitir fazer isso com a mesma extensão e a mesma profundidade que teríamos feito se tivéssemos eleições em 2023 com o trabalho político que tínhamos planeado fazer até lá. Mas, sim, a seguir à convenção deste fim-de-semana anunciaremos as listas e teremos renovação de pessoas das listas.

O que quer dizer com isso é que as escolhas não vão ser tão ponderadas como poderiam ser?
Se quiser uma frase que sumarize esse processo, vamos ter menos escolhas para fazer do que teríamos daqui a dois anos.

Mas isso tem a ver também, por exemplo, com pessoas que saíram do CDS?
Tem a ver com tudo.

Há abertura para independentes nas listas?
Há.

Mas há a mesma abertura para serem cabeças de lista?
Há.

Vai haver algum independente como cabeça de lista?
Ainda não sei.

E qual é o peso relativo dos independentes. Vão existir mais militantes do que independentes nas listas?
Sim.

Carlos Guimarães Pinto, ex-presidente da IL, foi cabeça de lista do Porto em 2019. Vai ser candidato a deputado?
Não vou anunciar aqui, mas já disse publicamente que é alguém que nos interessava ter nesta campanha eleitoral.

A partir de que percentagem de votos é que acha que seria inevitável a IL ter um lugar no Governo?
Se tivéssemos 20% com certeza. Se tivéssemos 10%, também, a partir daí é muito difícil.

Não está nas suas contas?
Não está nas minhas contas. Depende também da relação de forças com o partido mais votado na área não-socialista. Diria que a partir dos 6% é muito difícil não olharem para nós como uma força que tem de ter representação no Governo. Mas essa não é a nossa principal preocupação e acho que também já repararam nisso. Passamos mais tempo a discutir propostas e ideias do que propriamente cargos.

Mas tendo em conta as preocupações da IL, quais os ministérios em que considera que o partido devia estar presente?
Vou parecer os partidos que dizem que querem esta ou aquela pasta. Isto não é uma lista de Natal. Não quero fugir à pergunta. Temos dado provas que, quer na área da economia, quer na área da educação e da saúde, temos ideias que são suficientemente diferentes, que exigem uma determinação suficientemente grande para precisarmos de ter confiança que a pessoa que estiver nessas pastas, a nível de ministério e de secretaria de Estado, obviamente, tenha essa visão, essa determinação, essa coragem para fazer transições que são difíceis. E é o máximo que vou dizer sobre isso. E não estou a fazer pedidos de ministérios nem estou a dizer que a IL teria de estar num Governo para um cenário que todos os estudos de opinião indicam que, apesar de tudo, é o menos provável dos vários que se podem verificar a 30 de janeiro.

Já disse que a vossa meta para as eleições era ter um mínimo de cinco deputados. Também disse que saía se as coisas corressem mal e que correr mal era ter um ou dois deputados. Portanto, se tiver um mínimo de três deputados continua na liderança da IL.
É espantoso que toda a gente tenha ficado surpreendida de alguém assumir objetivos claros. Agora, já percebi porque é que os outros não o fazem. Tudo o que me perguntam é, então se ficar abaixo disso demite-se? Eu respondo claramente, mas é um bom incentivo para ninguém, nunca mais, definir um objetivo claro. Porque a pergunta não é o que faz se ficar acima disso, é: o que faz se ficar abaixo disso. E ficar abaixo disso, como vocês sabem, os resultados eleitorais têm várias leituras conforme o que se passou durante a campanha, a qualidade da campanha de outros, as propostas que foram mais ou menos debatidas na campanha e até os resultados eleitorais muitas vezes por 100 ou 200 votos deixa-se de eleger um deputado aqui ou acolá. Portanto, o que eu tenho dito é que o nosso objetivo é até 4,5% dos votos a nível nacional e cinco mandatos. Se chegarmos a esse resultado, ninguém pode vir dizer que não ganhámos as eleições no sentido em que atingimos os nossos objetivos. Isso é claro. A partir daí, se ficarmos abaixo disso eu, pessoalmente, por feitio e por achar que os liberais devem ser assim, vou achar que fiz um mau trabalho. E vou discutir essa minha apreciação com o Conselho Nacional. Mas depende muito se for um mau trabalho por deficiências do que se passou no partido, ou por outras circunstâncias que estavam fora do nosso controlo. Portanto, não quero entrar aqui num beco que me obrigue a tomar uma posição já assumida perante interpretações de resultados que têm de ser tidos na altura.

“Foram os liberais que acabaram por dar uma vitória a Carlos Moedas”

Mas esclareça-nos para percebermos como isso funcionará. Em Lisboa, por exemplo, acha que fez um mau trabalho? A IL falhou a eleição de um vereador, que era o seu grande objetivo…
…objetivo? Perdão. Nunca me ouviu dizer isso.

Ai, não? Não tinha um cartaz a dizer: um vereador liberal. Não queriam eleger um vereador?
Claro que queríamos e ficámos desapontados de não o ter feito. Durante meses de campanha isso nunca foi tido como algo sequer realizável. Nunca ninguém deu crédito à possibilidade de eleger um vereador. Sabíamos que podíamos fazer uma boa campanha. De tal forma assim foi que, nas últimas duas semanas começaram a aparecer dados que davam isso como possível. Quando chegámos ao fim, não conseguimos eleger um vereador. Se tivéssemos a mesma votação para a câmara municipal que tivemos para a Assembleia Municipal teríamos eleito esse vereador. Portanto, não foi um excelente trabalho, não nos permitiu embandeirar em arco, mas não foi um mau trabalho.

"Foram os liberais que acabaram por dar uma vitória a Carlos Moedas, que ganhou por 2.300 votos."

Fizeram uma má avaliação política da situação em Lisboa ou não? Fartaram-se de dizer que Carlos Moedas jamais seria eleito. 
Quer um reconhecimento dos problemas com o resultado de Lisboa, eu dou-lhe já. Tivemos 14 mil e tal votos para Assembleia Municipal e quase 11 mil para a câmara. Portanto, houve cerca de 4 mil liberais que votaram em Carlos Moedas. Que não acharam que para a câmara municipal o candidato que apresentámos tinha melhores condições que Carlos Moedas. Esse é um reconhecimento que, por um lado, as pessoas tomaram a sua própria opção; e, por outro, que foram os liberais que acabaram por dar uma vitória a Carlos Moedas, que ganhou por 2.300 votos.

Podia ter integrado essa coligação. São os eleitores da IL que o dizem.
Mas os eleitores da IL, que muito estimamos porque são eles que nos dão a força que precisamos, não estão a dirigir um partido político. Um partido político que não pode, na primeira eleição autárquica a que concorre, na principal cidade do país, por-se numa frente eleitoral com 7 ou 8 partidos cuja dependência do aparelho partidário, neste caso distrital e concelhio dos partidos do sistema, é demasiada. Não pode.

Mas daqui a quatro anos já não é a primeira eleição autárquica.
Eu estou a pôr a questão com esta clareza porque põe-se a mesma questão relativamente ao Governo nacional. Portugal está na situação em que está por ter as políticas erradas. Sim senhor, cá estamos a defender as certas. Mas mesmo que tivéssemos as políticas certas, tínhamos tido dois problemas enormes: um é o aparelho do Estado, que é demasiado pesado, demasiado sujeito a compadrios e não funciona muito bem; depois temos outro problema que é o aparelho dos partidos, que também está demasiado dependente de interesses que são próprios, que se tendem a perpetuar em que o país conta relativamente pouco. Portanto, também temos de acabar com esta lógica de depender dos aparelhos partidários. Falei de Lisboa e com esta intensidade para dizer que há um paralelo para o resto do país. É por isso que eu digo que, quem quer mudar verdadeiramente as coisas, o voto mais útil que terá no dia 30 de janeiro é na IL. Porque não temos esse tipo de problemas. Não temos juventude, não temos distritais e, qualquer pessoa que dê mostras de estar mais preocupado com o seu interesse próprio, do que com o interesse das ideias que estamos a defender é mal visto no partido. E, enquanto eu for presidente, esse vai ser o princípio. Querem alguém que se oponha às políticas do PS, que faça diferente, mas não caia na dependência dos aparelhos partidários que outros partidos do sistema também têm, só têm uma alternativa, que é a Iniciativa Liberal.

Se os eleitores liberais em Lisboa que votaram na IL para a Assembleia Municipal mas mudaram para a coligação de Carlos Moedas na Câmara tivessem mantido essa ideia de que o “voto útil” era sempre na IL, o atual presidente da Câmara seria Fernando Medina.
Mas aí entra outra diferença que a Iniciativa Liberal tem e que não é suficientemente valorizada: nós não pensamos nestas coisas a seis meses; pensamos a seis anos. Portanto, ganhar uma Câmara à custa de manter o sistema tal como está, para nós não seria uma vitória tão óbvia como para outros.

Entrevista ao presidente da iniciativa liberal - IL - João Cotrim de Figueiredo, à Rádio Observador, candidato pelo partido às próximas eleições legislativas. Lisboa, 10 de dezembro de 2021. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

“Se o Chega tiver algo a ver com um programa de algum partido, ponho-me fora? Não sei, tenho de ver na altura”

Admite fazer parte de uma geringonça de direita que inclua o Chega?
Não

Mas é o que há nos Açores. Na geringonça de esquerda, o PS assinou um acordo com o PCP e outro, à parte, com o Bloco — nunca se coligaram. Nos Açores, o PSD assinou um acordo com a Iniciativa Liberal e outro, à parte, com o CDS e com o Chega. Qual é a diferença?
Eu gostava que o PSD não tivesse feito essas negociações diretas com o Chega nos Açores. Mas é óbvio que essa é uma opção própria do PSD. A partir do momento em que o PSD faz essa escolha, a Iniciativa Liberal olha para o programa do governo regional dos Açores e ver se há ali alguma medida que ofenda a nossa noção de democracia e de Estado liberal — e não há. As coisas que o Chega negociou podiam, algumas, ter sido propostas por nós: uma moralização da atribuição de subsídios, a criação de grupos de trabalho, uma maior racionalidade no setor empresarial regional… Não houve nada ali que nos chocasse. Porque, se tivesse havido, não daríamos o nosso apoio ao governo.

Disse ontem numa entrevista que uma solução como a dos Açores era possível a nível nacional. Mantém isso?
… Acho que tem sobretudo a ver…

Esse silêncio já é uma resposta.
Não, estou a tentar ver como é que vos respondo para que esta pergunta não surja sempre. As forças partidárias coincidirem no voto aqui ou acolá ou coincidirem numa proposta aqui ou acolá não significa que estejam coligadas. Isso acontece todos os dias na Assembleia da República.

"Nós achamos que a estratégia correta é a de deixar o Chega ter de assumir as suas responsabilidades na viabilização de uma alternativa ao governo socialista. Ou seja: não negociar com o Chega nessas circunstâncias. Se estivermos em conversas com o PSD, objetaremos a que haja negociações com o Chega."

Isso é o que diz o PCP sobre a geringonça.
Correto.

Acha que é uma boa análise por parte do PCP?
A quantidade de vezes que o BE já votou ao lado de forças da direita são numerosíssimas. Não é por coincidir numa intenção, num voto ou numa proposta que as forças partidárias passam a estar coligadas. Não consigo ser mais claro relativamente àquilo que nos separa do Chega e à indisponibilidade para ter acordos com o Chega. Mas a pergunta que me põe é: ‘Se o Chega tiver alguma coisa a ver com um programa político de algum partido, põe-se fora?’. Não sei, tenho de ver na altura. Tenho de ver na altura.

Então o “não” do início é um “não sei”?
É um não. Mas o que é que eu estou a dizer de diferente do que disse sempre? Digam-me.

Estamos a tentar clarificar o que tem dito.
Então vamos começar do princípio. Não há qualquer hipótese de haver uma coligação pré nem pós eleitoral que envolva o Chega. Estamos de acordo? Não há hipótese de ter nenhum acordo escrito com o Chega. Estamos de acordo? Há hipótese de ter um acordo parecido com o dos Açores? Há — sempre que o programa de governo não inclua qualquer medida que nos choque.

Portanto, admite uma solução igual à da geringonça de esquerda — acordos separados entre o partido que teve mais votos e os que lhe dão apoio parlamentar.
Então vamos ainda mais atrás. Quando comecei por dizer que preferiria que o PSD/Açores não tivesse negociado com o Chega, tem a ver com isto. Nós achamos que a estratégia correta é a de deixar o Chega ter de assumir as suas responsabilidades na viabilização de uma alternativa ao governo socialista. Ou seja: não negociar com o Chega nessas circunstâncias. Se estivermos em conversas com o PSD, objetaremos a que haja negociações com o Chega.

“Não sei se vacinaria um filho meu. Não tenho informação suficiente”

Depois de serem anunciadas estas últimas medidas relativas à pandemia, Tiago Mayan Gonçalves fez um tweet com a frase “Lembrete para Dezembro” e a imagem do artigo 21 da Constituição, sobre o Direito de Resistência. Acha que as pessoas devem exercer este direito de resistência em relação às medidas que estão em vigor neste momento?
Às que estão em vigor neste momento, não me parece que se justifique direito de resistência.

Tiago Mayan foi demasiado longe? Ou aquele tweet não é para levar a sério?
Foi um tweet do Tiago Mayan Gonçalves, não vou comentar aqui.

Se tivesse um filho entre os 5 e os 11 anos, vacinava-o já?
É esse o ponto: não sei. E não sei porque não tenho informação suficiente. O primeiro-ministro disse que se tivesse filhos nessa idade vacinava-os, com a informação que tem — chego à conclusão de que ele tem mais informação do que eu. E mesmo a nota técnica que saiu ontem não esclarece quais foram os verdadeiros argumentos a favor e contra. Deixemos claro: a vacinação tem sido uma arma importante no combate à pandemia, acho que isso é evidente para todos. Mas não são indiferentes os riscos que se correm consoante as faixas etárias. Se há riscos adicionais, ou se há temas específicos desta faixa etária dos 5 aos 11, temos de saber exatamente quais são.

Uma das dirigentes da Iniciativa Liberal que está na Comissão Executiva é a segunda subscritora de uma moção que diz que o certificado digital de vacinação é “discriminatório” e “serve apenas o medo, a dúvida, a ignorância e a insegurança”. Concorda?
Não nesses termos, não.

Não nesses termos?
A partir do momento em que temos 86% da população vacinada e os outros 14% são pessoas que , ou ainda não estavam abrangidas pelas normas de vacinação ou têm razões para não tomar a vacina, a existência de um certificado digital de vacinação é quase uma redundância. E faz-nos impressão, enquanto liberais, haver um papel para poder entrar em determinados sítios. Mas reconhecemos a utilidade de haver…

Os países mais liberais do mundo têm certificados digitais de vacinação.
Exatamente.

A Iniciativa Liberal é um partido novo mas também já tem descontentes. Maria Castello-Branco, que foi a cara do partido em várias iniciativas, vai agora deixar a Comissão Executiva. O que é que correu mal?
Não é só a Maria Castello-Branco que deixa a Comissão Executiva, há mais pessoas, muitas por razões pessoais. A Maria está a estudar no estrangeiro também. Renovámos a Comissão Executiva e temos pessoas com capacidade política, grande potencial e uma noção da nossa estratégia.

A relação com Maria Castello-Branco não ficou pior depois da crítica à participação da Iniciativa Liberal no MEL, onde também estava o Chega?
Há várias pessoas na Comissão Executiva com as quais pode haver divergências num determinado momento — discutimos muito e acesamente. Mas isso não afeta as relações a longo prazo.

Não foi por causa disso que Maria Castello-Branco saiu? Foi por estar a estudar no estrangeiro?
Não, foi sobretudo porque queremos renovar significativamente a Comissão Executiva e queremos incluir pessoas que tenham essa noção de ação política ligada a uma estratégia muito clara — e tem de haver alinhamento.

Houve falta de disciplina?
Não valorizamos a disciplina dessa maneira, pelo contrário. Se há coisa que gosto de ter na Comissão Executiva são vozes dissonantes e pessoas com sentido crítico.

Mas com limites?
Não, dentro de uma ação política que faça sentido, porque senão é cacofonia.

"O melhor ministro deste governo, tudo somado, talvez seja Pedro Siza Vieira"

Questionário legislativas: “Gostava de ter Sérgio Sousa Pinto num governo da Iniciativa Liberal”

Qual foi o melhor primeiro-ministro da nossa democracia?
Francisco Sá Carneiro.

E o pior?
José Sócrates. Posso incluir aqui Vasco Gonçalves também, mas foi por muito menos tempo.

Qual é a pessoa que mais ouve quando tem de tomar uma decisão política difícil?
Não é uma pessoa, é uma coisa — a minha almofada.

Em que partido votava se a Iniciativa Liberal não existisse?
O voto é secreto,  não é?

Já fugiu a duas perguntas. Dê-nos o nome de um político de outro partido que gostaria de ter num dos seus governos?
Sérgio Sousa Pinto.

Com que pasta?
A Cultura.

Qual foi o melhor ministro deste governo?
Tudo somado, talvez Pedro Siza Vieira.

Qual foi o seu maior fracasso político?
Hesito não porque não haja, talvez porque há demais. Estou relativamente descontente com a forma como conseguimos organizar o partido para as batalhas que se avizinham e isso tem muito a ver com a pressão de tempo que um deputado único tem num partido recente, sem grandes recursos. Nas tais conversas com a almofada, acho que devia ter dado mais atenção a alguns aspetos organizativos internos do partido.

Não estão preparados para o que aí vem, é isso?
Não, exatamente por isso é que escolhemos o slogan “Preparados”, porque, consciente dessa dificuldade desde há quatro meses, essa tem sido a principal prioridade: preparar o partido para essas lutas.

[Veja aqui o vídeo completo da entrevista]

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