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Como Sérgio fez faísca para criar fumo e nunca perder o fogo – e por cada jogador "perdido" ia ganhando uma equipa

Colocou lugar à disposição, disse que lenços brancos só para limpar o suor. Falou em falta de união interna, teve questões disciplinares. No final Sérgio Conceição ganhou. Por isso e não apesar disso.

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As reações bruscas, as respostas com outras perguntas, os não secos perante “questões idiotas”. Sérgio Conceição teve sempre uma postura muito terra-a-terra fiel à sua maneira de ser e capaz de criar antagonismo entre quem entende percebendo o contexto onde está inserido e quem critica passando ao lado das circunstâncias que levam a isso mesmo. Mas, em paralelo, num ponto que poucos conhecem (que também não é propriamente para ser muito conhecido), preocupa-se com as intervenções públicas, vai ouvindo consultores que o ajudam nessa matéria e tem ainda quem trate das redes sociais onde fala pouco mas de forma cirúrgica, algo que já acontecia no Nantes. O treinador que alguns consideram ter um discurso arcaico do passado é muito mais completo e versátil no presente. Assim, vai conquistando o futuro. E num contexto complicado, ganhou dois em três Campeonatos.

Recuemos até ao verão de 2017. No final de um processo complicado para conseguir resgatar o treinador ao clube francês onde estava, Pinto da Costa conseguiu trazer para o Dragão aquele que via como o líder com o perfil mais semelhante ao que tem na cabeça como principal exemplo para o FC Porto – José Maria Pedroto. Depois da saída de Vítor Pereira, bicampeão após a época de exceção de Villas-Boas em 2010/11, Paulo Fonseca, Luís Castro (a meio da época), Julen Lopetegui, José Peseiro (a meio da época) e Nuno Espírito Santo falharam no Dragão. Em paralelo, o clube tinha o maior jejum desde que o decano líder assumira a liderança em 1982. Olhando para a carreira que todos fizeram após abandonarem os azuis e brancos, o problema não estava no conhecimento, nas capacidades ou no discurso. Ponto 1) Sérgio Conceição tinha além da forma o conteúdo em falta. Ponto 2) não viu problemas em agarrar num plantel low cost, a resgatar jogadores emprestados, para fazer uma equipa.

A vitória no Campeonato de 2017/18 igualando os 88 pontos do Benfica de Rui Vitória em 2016, a que se seguiu o triunfo na Supertaça seguinte, deu um capital com muita expressão ao técnico mas o pavio ficou mais curto com o que se passou na temporada seguinte, sobretudo pela perda do Campeonato com 85 pontos conseguidos depois de ter conseguido sete de avanço para o rival encarnado. A estrutura dos azuis e brancos colocou muito o ênfase em algumas arbitragens na segunda volta mas a perda do título, aliada às derrotas nas finais da Taça de Portugal e na Taça da Liga, mexeu com o clube e com a perceção do projeto desportivo. Agora, num terceiro ano marcado pela saída de metade dos titulares indiscutíveis, voltou o sucesso no Campeonato com uma pontuação que pode voltar aos 85 pontos entre o falhanço da Liga dos Campeões e mais uma derrota na final da Taça da Liga – e na terceira época consecutiva em que os azuis e brancos voltam a superar a barreira dos 100 golos marcados.

Dr. Sérgio e Mr. Conceição. A fórmula que acabou com o jejum do FC Porto

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Podemos encontrar várias razões para o sucesso, entre os triunfos nos jogos onde a equipa não podia falhar ou a queda a pique do Benfica desde a derrota no Dragão. Mas este sucesso tem também uma marca indelével de Sérgio Conceição além questões táticas. Porque se o jogador Sérgio Conceição era um expoente da força da técnica, o treinador Sérgio Conceição não abdica da “técnica da força” para criar e manter aquilo que considera ser a chave de uma equipa de sucesso: um balneário com união, solidariedade, companheirismo, espírito de entreajuda. Foi por isso que atuou com mão dura sempre que surgiu algum caso que abalasse esses alicerces e entrasse no foro disciplinar, mesmo que tivesse em causa a figura do capitão ou titulares indiscutíveis. Ao mesmo tempo, e sempre que sentiu o seu trabalho a ser colocado à prova, reagiu. Antes que alguém pedisse a sua saída, era o próprio que colocava o seu lugar à disposição, de forma direta e sem rodeios como se comportou desde 2017. Aconteceu, por mais do que uma vez. Foi adorado mas não fugiu às críticas. Hoje é um dos heróis para todos. Mesmo que tivesse de criar algum fumo à sua volta, percebeu que só assim não perderia o fogo de dragão na equipa. E ganhou.

Com público, sem público, para o público, alheia ao público: a roda no final dos jogos corporiza uma união fundamental no balneário

Pedro Correia

Perante a contestação, foi à luta. E houve uma ameaça que causou “medo”

Uma imagem valia mais do que mil palavras. Numa altura em que Benfica e FC Porto estavam a lutar pelo título de 2018/19, e na antecâmara de uma deslocação dos encarnados a Braga com zero margem de erro, os azuis e brancos estiveram a ganhar por dois golos em Vila do Conde antes de deixarem o Rio Ave chegar ao empate nos derradeiros minutos. A luta não acabava ali mas a frustração pelo resultado depois de seis vitórias na prova que se seguiram à derrota em casa frente ao rival (pelo meio houve a passagem aos quartos da Champions, a eliminação frente ao Liverpool e o apuramento para a final da Taça de Portugal) foi evidente, com Fernando Madureira, líder da claque Super Dragões, a tirar a camisola e a atirá-la para o relvado entre muita contestação aos jogadores quando a equipa foi à bancada onde estavam concentrados os seus adeptos para agradecer o apoio ao longo do encontro.

“Espero que me assobiem a mim, eu é que sou julgado pelos resultados e vou-me embora no final da época, não há problema. É isto. Sou eu o líder da equipa, sou eu que meto os jogadores a jogar, sou eu que os treinos, acontece alguma coisa negativa é o treinador que paga, assumo essa responsabilidade. Eu agarro nas malas e vou-me embora, não há problema absolutamente nenhum”. O ambiente entre o técnico e a claque, que sempre foi bom na primeira temporada em 2017/18, tornou-se mais tenso com os deslizes e no jogo seguinte, em casa com o Desp. Aves, nem a goleada travou novo episódio: apesar da tarja “Adoramos os que odeiam perder, Sérgio és um dos nossos”, os assobios durante a roda levaram a equipa de imediato para o balneário antes de um regresso que tentou apaziguar o ambiente mas que noutra claque, o Colectivo Ultras 95, teve mais momentos quentes.

A seguir ao empate em Vila do Conde na 31.ª jornada de 2018/19 e numa semana marcada pelo enfarte de Casillas, ambiente esteve tenso no FC Porto-Desp. Aves

O Benfica ganhou o Campeonato, o Sporting ganhou a Taça de Portugal. “Ilações para a próxima época são várias mas não é momento para isso. Este grupo tem uma união muito grande e demonstraram isso, tiveram uma alma e uma crença enormes. Ver a minha família de sangue no relvado… Eles mereciam e a família portista também, pela paixão com que vive este clube, é a mesma que nossa. Não tenho vergonha de verter uma lágrima por isso”, disse no Jamor, após uma derrota nas grandes penalidades de um encontro emotivo e onde teve também uma “pega” na tribuna com Frederico Varandas, presidente dos leões, na altura em que foi receber a medalha de vencido. A ideia de saída foi levantada no exterior mas nunca equacionada no interior. Ainda assim, nem tudo estava bem.

Sérgio Conceição recebeu propostas concretas de campeonatos periféricos que recusou de imediato, teve também abordagens diretas ou indiretas de ligas europeias que nunca conseguiram reunir o projeto necessário para pensar a continuidade e, quando chegou ao final da temporada, no verão de 2019, estava certo de que ia ficar no Dragão. E houve um esforço grande por parte da SAD para, dentro das limitações financeiras, investir para tapar as saídas de peso de nomes como Herrera, Brahimi, Éder Militão, Felipe ou Óliver Torres. No entanto, quando as coisas não corriam bem, percebia-se um descontentamento acumulado por questões internas ou pela falta de defesa para o exterior, como aconteceu após o empate na Madeira frente ao Marítimo ou do caso da festa dos sul-americanos em casa de Uribe. Após a derrota na final da Taça da Liga com o Sp. Braga, houve nova explosão.

“Nós temos de olhar para dentro e com isto estou a dizer que é preciso haver responsabilidade coletiva. A começar por mim, claro, e não falo só do grupo de trabalho mas de toda a gente dentro deste clube. É difícil trabalhar em determinadas condições. No primeiro ano, muito difícil, não houve reforços nem havia dinheiro. No segundo ano, com a falta de verdade desportiva que houve… E este ano, sem união, fica difícil. O meu lugar está à disposição do presidente”, atirou, em mais uma afirmação de choque para provocar ondas dentro do FC Porto que se seguiu aos lenços brancos uma semana antes, após uma derrota na Liga também frente aos minhotos. “Quando ganho batem palmas, quando perco assobiam e mostram lenços. Os lenços brancos, esses, utilizo-os para me assoar ou para limpar o suor do meu trabalho aqui todos os dias. Isso não me pode condicionar no trabalho”, disse.

Centenas de adeptos apoiaram equipa à saída do estágio e à chegada ao Dragão antes do jogo com o Belenenses SAD

Octavio Passos

Fernando Madureira, líder dos Super Dragões, deu então uma entrevista a propósito do momento do FC Porto e referiu que o treinador do FC Porto era o principal responsável pelos maus resultados da equipa. “Só Pinto da Costa é intocável no clube”, destacou. E ainda houve um áudio que correu nas redes sociais de alguém da claque que defendia toda a necessidade de haver uma “mensagem de força a nível interno”. “O Sérgio tem de sentir que não é ele que manda ali, ele não é o Porto. O Porto somos nós”, salientava. Desde 2017, quando chegou vindo do Nantes, o técnico olhou para a estrutura da forma mais simplista: o presidente está acima de todos, tem ligação direta ao treinador e este orienta os jogadores. Ponto. Ou seja, nunca gostou de quando a comunicação dos azuis e brancos se meteu em assuntos ligados ao futebol nem de quando a claque se meteu em assuntos que são apenas e só internos. Trabalhou sempre assim, disse-o mais uma vez a Pinto da Costa na Pedreira. O líder dos dragões saiu em sua defesa, a claque manifestou depois total apoio a Conceição. No final, foi o treinador que ganhou.

O capitão e os outros líderes, a festa sul-americana e Nakajima

Como jogador, e depois de empréstimos a Penafiel, Leça (onde ganhou a Segunda Liga) e Felgueiras, num plantel orientado por Jorge Jesus, Sérgio Conceição regressou em 1996 às Antas e foi bicampeão nacional no FC Porto com António Oliveira como treinador, seguindo-se a venda aos italianos da Lazio. O antigo jogador dos azuis e brancos tinha uma ideia muito concreta em relação ao papel de um técnico enquanto líder do balneário. “Os treinadores precisam que os jogadores entendam [a mensagem] mas tem de haver depois essa simbiose, essa sintonia, entre o que um quer e o outro tem de fazer, entre o que um faz e o que o outro quer que faça. Sempre disse que preferia perder um jogador e ganhar uma equipa”, revelou Oliveira ao Porto Canal, numa parte que tinha como contexto a importância de capitães que conservem o ADN do clube e que defendam o grupo como Pavão.

Esse é um dos pontos inegociáveis para Sérgio Conceição no que entende que deve ser um grupo de trabalho e esse exemplo deve chegar a todos. Nas duas primeiras temporadas, até Iker Casillas, por não treinar como o treinador queria, saiu da equipa; esta época, o exemplo começou a ser dado pelo próprio capitão de equipa, Danilo.

Capitão Danilo foi expulso do estágio no Algarve mas não perdeu lugar nem braçadeira; em novembro, festa de mulher do Uribe "riscou" das opções quatro sul-americanos

JOSE COELHO/LUSA

No final de um estágio no Algarve onde o FC Porto fez alguns encontros de preparação para a época de 2019/20, o médio foi expulso por Sérgio Conceição da concentração. A comunicação do clube começou por desmentir a notícia alegando ausência por motivos pessoais, mas mais tarde lá assumiu a discussão: perante o atraso para o jantar, Danilo ligou a Sérgio Conceição a dizer que podiam ter avisado que não chegariam a horas, o técnico respondeu de forma mais brusca (até por entender que aquele encontro devia ser apenas entre jogadores, pelo que percebera) e mais tarde o choque foi maior, tendo mesmo o treinador atirado para o internacional que não teria capacidade para ser capitão. O ambiente ficou pesado, pelo meio houve ainda uma proposta recusada do Mónaco, mas Danilo não só foi apresentado uns dias depois como número 1 de uma hierarquia que conta com pesos pesados como Pepe e Marcano como se manteve nas opções iniciais do FC Porto – algo que agora não acontece.

Depois, a “noitada” de um quarteto sul-americano. Marchesín, Saravia, Uribe e Luis Díaz não cumpriram a hora de recolher obrigatório na festa da mulher do médio realizada em casa, foram “denunciados” por imagens partilhadas nas redes sociais (e que também não foram perdoadas logo numa primeira instância por elementos da própria claque Super Dragões, que pediam castigos pesados à estrutura azul e branca) e ficaram logo debaixo da alçada disciplinar do FC Porto, com Sérgio Conceição a prescindir de todos na deslocação ao Bessa para defrontar o Boavista (1-0). Na altura, todos eram titulares indiscutíveis à exceção do lateral direito mas não houve tratamento diferenciado e deixaram de ser opção alguns jogos, tal como acontecera na época anterior com o indiscutível Éder Militão. Aos poucos, e após pedirem desculpa pelo sucedido, regressaram à equipa.

Sérgio Conceição teve o primeiro caso com Nakajima em Portimão mas foi após a pandemia que japonês deixou de contar

Fábio Poço

Por fim, Nakajima. O avançado japonês foi o maior investimento da temporada mas chegou com alguns problemas físicos, jogando pouco no início. À sexta jornada, em Portimão, foi lançado com o FC Porto na frente por 2-0, teve um lance em que não acompanhou o lateral dos algarvios no golo que deu o empate e nem com o 3-2 de Marcano nos descontos Sérgio Conceição acalmou: depois de ter chamado o jogador duas vezes, enquanto este falava com alguns antigos companheiros de equipa em Portimão, agarrou a camisola do jogador e deu um “raspanete” no internacional de tal ordem que Corona e Otávio até se aproximaram para pedir calma ao treinador. O episódio foi superado mas Nakajima voltou a ser protagonista quando se recusou voltar aos treinos após a pandemia numa fase onde estava com uma ligeira constipação e não queria deixar a mulher, que sofre problemas de asma, sozinha em casa (os empregados tinham voltado ao Japão nessa fase). Quis regressar, isso foi negado. E agora está a trabalhar à parte, sem hipóteses de voltar a ser integrado depois da recusa inicial no regresso aos trabalhos.

Mesmo quando mais poderia precisar do japonês, que coincidia também com a vontade de voltar do avançado e com as conversações dos seus representes com os administradores da SAD do FC Porto, Sérgio Conceição percebeu no grupo que aquela atitude anterior não tinha sido compreendida e não apostou em Nakajima. Ou seja, e numa fase mais irregular de exibições e resultados, o técnico não se importou de dar como perdido o jogador para esta temporada para ganhar uma equipa. E esse exemplo paradigmático também foi uma das chaves do título.

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