“O Rúben Amorim ajudou o Sporting a ser campeão na sua primeira época completa mas igualmente importantes foram aquelas pessoas de quem se rodeou… O presidente e o Hugo Viana foram extremamente importantes. Frederico Varandas foi um presidente que afastou quem tinha de afastar e isso faz-me lembrar uma frase que disse anteriormente: ‘60 mil são mais importantes do que 6 mil’. A esmagadora maioria dos sócios e simpatizantes do Sporting são fiéis, educados, têm carisma e sabem respeitar quem trabalha em prol do clube. Separando o trigo do joio, as coisas ficaram mais fáceis”, comentava Paulo Bento, em fevereiro deste ano, quando Amorim estava na antecâmara de superar os encontros que o agora selecionador dos EAU fez nos leões e passar a ser o segundo técnico com mais jogos no comando da equipa de futebol.
Apesar de estar há oito anos fora de Portugal, entre as passagens por Brasil (Cruzeiro), Grécia (Olympiacos), China (Chongquing Dangdai) e seleção da Coreia do Sul, o antigo selecionador nacional e treinador dos leões entre 2005 e 2009 conhece bem a realidade portuguesa e, em particular, a realidade verde e branca. E tem um ponto em comum com o atual contexto: além de ser o técnico com mais títulos este século no clube até à chegada de Rúben Amorim, gostava e fazia questão de trabalhar com estruturas pequenas. Muito pequenas. Havia o presidente (Filipe Soares Franco até 2009, mais uns meses com José Eduardo Bettencourt), havia o diretor desportivo (Carlos Freitas), havia o treinador, sobrava uma ligação boa, de confiança e funcional. É esse um dos segredos do Sporting campeão de 2023/24, num prolongamento do que acontecera em 2020/21. E o elemento menos “visível” dessa troika até foi campeão como jogador… com Paulo Bento.
O papel de Rúben Amorim no sucesso dos leões é óbvio. Além de treinador capaz de evoluir dentro da mesma ideia mediante os jogadores à disposição, revelou-se um mestre na forma de liderar um grupo e tirou quase um doutoramento em comunicação ao longo de mais de quatro anos. O de Frederico Varandas, até por ser a figura máxima dos verde e brancos, também. O início na liderança do conjunto de Alvalade esteve longe de qualquer ideia de estabilidade, unidade ou capacidade de agregação, o tempo e as decisões acompanhadas por títulos colocaram-no num patamar onde há muito um líder leonino não estava. Depois, há Hugo Viana. Que conhece bem o clube, onde fez formação e saiu para os maiores palcos da Europa. Que voltou mais tarde para viver uma das duas maiores frustrações da carreira. Que regressou mais de uma década depois com uma nova função, um outro papel e uma redobrada importância – mesmo aparecendo pouco ou mesmo nada.
À semelhança do que aconteceu na gestão de Paulo Bento, quando o Sporting ganhou quatro troféus (duas Taças de Portugal, duas Supertaças) e foi quatro anos consecutivos à fase de grupos da Champions acabando na segunda posição do Campeonato atrás do FC Porto – em 2006/07 a um ponto, em 2008/09 a quatro, em 2005/06 a sete e em 2007/08 a 20 –, foi a eficácia do “plano simplex” em termos internos que trouxe maior estabilidade ao futebol verde e branco: presidente-diretor desportivo-treinador. Faltou o título mas a SAD leonina tinha orçamentos controlados, criava mais valias com elementos saídos da formação (como Nani, que foi vendido em 2007 pelo então valor recorde de 25,5 milhões de euros), lutava até ao fim pelas competições e encontrava-se estável em termos institucionais. Com as devidas diferenças, esta é a sua versão 2.0.
Além das habituais declarações nos sorteios das provas europeias, foi preciso esperar até à festa do título que começou em Alvalade e acabou no Marquês para se ouvir Hugo Viana. “Como disse o Rúben [Amorim], os adeptos acreditaram desde o princípio e nós também. É formidável acabar desta forma. É unânime que merecemos ser campeões e temos de ir festejar. Dérbi? Sim, o jogo do Benfica em casa pode ter sido o jogo chave da época. Futuro? Acho que vamos ser todos felizes hoje e vamos continuar a ser felizes. Dou os parabéns a todos os jogadores, Direção e equipa técnica, que fizeram um trabalho extraordinário, e a todos os adeptos, que acreditaram sempre”, resumiu na zona mista criada no Hall VIP. O antigo médio que não queria jogar amarrado à esquerda para comandar as operações com bola a partir do corredor central tornou-se um número 10 na organização de todos os departamentos do futebol mas nem com esse sucesso sai da sombra.
A chegada de Hugo (ou Miguel) ao Lar do Jogador, várias realidades e os anos em Braga
A ligação de Hugo Viana ao Sporting começou com apenas 15 anos, quando se transferiu do Gil Vicente para Alvalade no primeiro ano de juvenil, em 1998. A adaptação teve todas as coisas boas e más de quem está na adolescência, entra numa realidade nova mas não tem a família fisicamente por perto (e sem as tecnologias que hoje minimizam essa distância porque antigamente era o telefone fixo e as cartas), sendo que o médio que era visto como o grande prodígio de Barcelos e vindo dos minhotos desde Nuno Capucho foi dos atletas que mais tempo esteve no Lar do Jogador até ao seu encerramento, um espaço com 14 quartos para três jogadores cada na Nave de Alvalade. Foi campeão de juvenis logo na estreia em 1999, teve depois a primeira conquista pela Seleção Sub-16 com a vitória no Europeu de 2000 em Israel ao lado de jogadores como Bruno Vale, Pedro Ribeiro, Valdir (que trabalha hoje na Gestifute), Raul Meireles, Custódio – que mais tarde reforçaria também os leões – ou Ricardo Quaresma. Já aí o Mustang fazia toda a diferença em campo.
Com a criação da equipa B, Viana deu o salto mais cedo para patamares seniores quando a formação verde e branca estava na 2.ª Divisão B. Esse seria um passo importante para o que aconteceria em 2001, na chegada do romeno Laszlo Bölöni ao comando do Sporting. E foi aí também que a maturidade que ganhou de forma forçada por ter saído cedo de casa acabou por fazer a diferença. Todas as dificuldades compensaram.
Desde miúdo que Hugo Viana é uma pessoa modesta e tímida até conhecer as pessoas. O impacto da saída de Barcelos, uma cidade que nada tem a ver com Lisboa a todos os níveis, e a falta da mãe pesaram nos tempos iniciais na capital. Como qualquer miúdo de 14/15 anos, tinha as suas rotinas, da escola aos amigos, da casa da avó até a mãe sair do trabalho aos treinos, das raras saídas à noite na discoteca “Vaticano” às aulas da vertente de Economia no 10.º ano na Secundária Alcaides Faria que não falhava até rumar ao Sporting. Numa primeira instância, a mãe, Maria Filomena, não quis que Miguel (é assim que a família mais próxima o trata ainda hoje) fosse embora. Depois, repensou, assumiu que iria “perder” o filho único para um sonho com potencial de fazê-lo voar e anuiu. Quando ele ligava a chorar, fazia-se de forte e chorava apenas de seguida. No final, sobravam três certezas: fazia o que gostava, era bem tratado e nunca deixou de ser quem era.
Os livros (gosta de Paulo Coelho, entre outros) e sobretudo o cinema davam-lhe mundo, a carreira que fazia como jogador ainda mais. Poucos se recordam mas, na sequência desse triunfo no Europeu Sub-16, começou a ser elogiado também lá fora a par de Ricardo Quaresma, com os transalpinos do Guerin Sportivo a falarem mesmo de um “herdeiro de Rui Costa” em canhoto. Em 2001, já com o amigo Mustang consolidado na equipa principal, voltou a ter a oportunidade de Bölöni de jogar na formação A e não mais saiu das opções iniciais que funcionavam quase como constelação de estrelas mas representavam um desafio extra para Hugo Viana: com uma defesa a quatro com Beto à direita e Rui Jorge na esquerda (André Cruz e Phil Babb eram os dois centrais) e com Mário Jardel a ter o apoio de João Vieira Pinto, Quaresma aberto na direita e um segundo avançado entre Niculae e Sá Pinto, o esquerdino tinha de perceber como ajudar sem bola Paulo Bento no meio partindo da esquerda e como criar equilíbrios numa equipa com ADN ofensivo. Conseguiu, com grande mérito pessoal pelo meio, sagrou-se campeão e ganhou também a Taça de Portugal em 2002.
Quaresma parecia ser o próximo miúdo da formação a sair na linha do que acontecera uns anos antes com Simão Sabrosa, Cristiano Ronaldo era cada vez mais visto em termos internos como um fora de série pronto para “explodir” no conjunto principal, Hugo Viana acabou por ser o talento vendido nesse verão, saindo para a Premier League com o Newcastle a pagar 8,7 milhões de euros pelo já internacional português que esteve na fase final do Campeonato do Mundo de 2002, na Coreia do Sul e no Japão. Num plantel orientado por Sir Bobby Robson onde constavam Alan Shearer, Craig Bellamy ou Kieron Dyer, fez duas temporadas, ajudou a um terceiro lugar na Premier e à chegada às meias-finais da Taça UEFA mas nunca conseguiu ser “o” Hugo Viana do Sporting, regressando por empréstimo a Alvalade em 2004/05 numa época do quase em que fez dez golos e dez assistências em 45 jogos mas perdeu a Liga e a final da Taça UEFA em quatro dias.
Aquilo que começara mal, com a participação sem grande sucesso nos Jogos Olímpicos de 2004 em Atenas, terminou ainda pior. Apesar disso, o mais “normal” era, perante a impossibilidade de regressar para ficar ao norte de Inglaterra, ficar mais uma temporada no Sporting. Por variadas circunstâncias, acabou por não acontecer e seguiu-se o Valência, da Liga espanhola, com um ano de cedência ao Osasuna pelo meio. A época de 2006/07, com 36 jogos realizados, deu sinais de que poderia estar a voltar ao patamar do qual tinha saído em 2002 dos leões mas seria preciso chegar a temporada de 2009/10 para regressar a Portugal ao Braga e voltar a ser feliz numa época em que os minhotos lutaram até à última jornada pelo título contra o Benfica antes de chegarem à final da Liga Europa contra o FC Porto de André Villas-Boas em 2011.
Viana nunca considerou que não se tinha adaptado à realidade no estrangeiro. As coisas não funcionaram como queria e como sabia que podia ter acontecido mas por outros fatores, numa carreira que iria terminar em 2016 nos EAU, entre o Al Ahli e o Al Wasl. Ainda assim, aqueles anos em Braga, que podiam nunca ter acontecido tendo em conta o interesse manifestado pelo Sporting num regresso em 2009 que não chegou a ser consumado também pelo período de eleições que os leões viviam, acabariam por ter um papel fulcral no seu futuro por conviver mais de perto com alguém que ficaria como um dos seus melhores amigos no futebol: Rúben Amorim. As várias realidades que foi experimentando no estrangeiro fizeram com que fosse conhecendo muitas pessoas no futebol mas sempre olhou mais para a parte do dirigismo do que para um futuro como técnico. Agora, depois de uma experiência inicial no Belenenses, chegou ao ponto mais alto.
Os sinais que só quem conhece bem percebe e a competitividade de qualquer ex-jogador
Durante a campanha eleitoral de 2018, a mais concorrida de sempre no Sporting com um total de seis listas à Direção, Viana foi acompanhando Frederico Varandas em várias ações pelo país, sendo sempre apresentado como futuro diretor de Relações Internacionais numa estrutura que iria também trazer de regresso ao clube Beto e Vidigal. Foi em Faro, numa iniciativa do Núcleo do Sporting local, que o então candidato mais falou sobre o antigo jogador e a importância que poderia ter em caso de vitória no sufrágio de setembro.
“O Hugo Viana foi formado no Sporting, cresceu na Academia, fez-se atleta e depois foi campeão. É um homem que, terminando a sua carreira de jogador, percebeu onde queria ir e como, e formou-se com outras competências no dirigismo. É uma peça fundamental para a equipa. A Academia como transmissão de valores está a falhar. Essa é uma área fundamental. Precisamos de jogadores que sintam a camisola, homens com regras, disciplina, valores e ADN do Sporting. Este é o projeto com a equipa mais competente, mais profissional, mais séria e que mais percebe de futebol”, comentou na altura, falando do esquerdino como um “exemplo” não só a nível de conhecimento e representação dos leões mas também na forma como se formou.
“O convite que recebi foi irrecusável. Foi um pouco pelas ideias, a vontade e o conhecimento do Sporting. Dei logo a minha palavra. Penso que com Frederico Varandas a formação poderá dar uma volta de 180 graus para que possamos reverter a situação. Pretendo dar a conhecer ainda mais o clube no estrangeiro, criar parcerias e, especialmente, conseguir fazer recrutamento nos países em que achamos que deve ser feito”, referiu Hugo Viana depois de uma vitória nunca antes vista na história do Sporting onde João Benedito teve mais sócios votantes mas Frederico Varandas reuniu o maior número de votos entre um total de 22.400 votantes.
Todos percebiam que seria uma questão de tempo até esses papéis mudarem. Aliás, uns meses depois tinham sido alterados, com Hugo Viana a assumir a pasta de diretor desportivo, algo que o próprio Varandas sabia que um dia iria acontecer de forma natural. No entanto, nem tudo foram facilidades. Longe disso. E sendo certo que a escolha de Marcel Keizer começou por ter um impacto quase imediato, com a conquista de dez vitórias consecutivas e dois títulos no final da temporada (Taça da Liga e Taça de Portugal, ambas frente ao FC Porto e nas grandes penalidades), o verão de 2019 foi uma fase conturbada em termos institucionais, desportivos e financeiros que deixou toda a cúpula dirigente mais desprotegida. Viana não foi exceção e o mercado que fechou com as contratações de Jesé, Bolasie e Fernando no último dia mostrou isso mesmo.
A contratação de Rúben Amorim quando tinha apenas 13 jogos no comando da equipa principal do Sp. Braga foi vista por muitos (ou quase todos) como um all in para combater tudo o que se passava em Alvalade mas, das várias fontes contactadas pelo Observador, esse tal all in mais não foi do que uma forma de deixar para fora uma mensagem. Qual? De que qualquer que fosse o futuro daquela estrutura e até mesmo de todo o elenco diretivo, iria sempre manter-se fiel a tudo o que achasse ser o melhor para o clube numa gestão feita de dentro para fora e nunca de fora para dentro. Poucos dias depois daquele célebre “E se corre bem?”, o Sporting recebeu o Desp. Aves e até ganhou por 2-0 num encontro com pouca história em campo mas com histórias de sobra fora dele, por ter coincidido com a maior manifestação contra a Direção na zona do Multidesportivo. A seguir, chegou a pandemia da Covid-19. A realidade mudou, em tudo e para todos.
Pelas piores razões possíveis, aqueles meses acabaram por ser importantes na construção de toda uma rampa de lançamento para aquilo que é hoje o Sporting. Houve problemas graves, em Alvalade e um pouco por todo o lado, pela falta de receitas contra uma folha de despesas fixas (o pagamento de Rúben Amorim ao Sp. Braga foi exemplo paradigmático disso mesmo), mas houve também oportunidade de “zerar” tudo e limpar o chip por completo. Também aqui, ou a partir daqui, a realidade mudou, em tudo e para todos.
A eliminação no playoff de acesso à fase de grupos da Liga Europa diante do LASK Linz foi percalço com o qual ninguém contava no início da temporada de 2020/21 mas esse mercado deu início ao primeiro estágio de viragem de Hugo Viana enquanto diretor desportivo. A ligação muito próxima, quase umbilical, a Rúben Amorim facilitou em todos os processos mas foi nesses meses que o antigo internacional dissipou as dúvidas em termos internos sobre as capacidades para o cargo. O técnico já tinha criado “valor”, com a aposta em elementos da formação como Nuno Mendes, Tiago Tomás ou Eduardo Quaresma, Hugo Viana garantiu o que faltava. O scouting “ajudou” com a deteção de Pedro Porro, que tinha estado cedido pelo Manchester City ao Valladolid, e a aposta em Adán (que veio a custo zero), Palhinha e João Mário fizeram o meio-campo após empréstimo ao Sp. Braga e por empréstimo do Inter, mas a grande aposta recaiu no mercado nacional com Pedro Gonçalves ou Nuno Santos, com Wendel e Marcos Acuña a ficarem como principais saídas.
Nem todas as contratações resultaram como era suposto, havendo Rúben Vinagre como principal exemplo disso mesmo, mas o Sporting soube utilizar o mercado para reforçar o plantel tendo ainda lucro entre saídas e entradas. Faltava apenas a última peça de toque para rematar toda a ideia da temporada, chegou aquele que ficou como um dos negócios mais complicados que teve em Alvalade: a contratação de Paulinho ao Sp. Braga na janela de janeiro, numa maratona que envolveu quase três noites até altas horas de madrugada para dar a Amorim o avançado que tanto pretendia e que teria também um papel fundamental em alguns jogos dessa época que terminaria com a quebra do maior jejum de títulos do clube verde e branco.
Viana, de 41 anos, é descrito por várias fontes como alguém humilde, capaz de manter uma tranquilidade que só quem o conhece bem consegue perceber quando é apenas aparência e muito otimista. Se Rúben Amorim questionava “E se correr bem?”, o diretor desportivo pensa e contagia os outros com “Vai correr bem”. Até em situações de maior stress, seja nos últimos dias do mercado de transferências, seja quando as coisas não estão a correr de feição, é ele que consegue acalmar quem está à sua volta sempre crente de que as coisas vão acontecer como se pretende. Se começar a andar de um lado para o outro e sobretudo se começar a comer mais rebuçados num determinado momento, quem o conhece melhor percebe que está a ficar nervoso. No entanto, é raro. E as idas ao ginásio que continua a fazer sempre que pode, entre os treinos da equipa principal e as reuniões que vai tendo na Academia ou em Alvalade, também ajudam a esse estado “zen”.
“Só há um espaço onde pode deixar de ser assim: o túnel, a zona de acesso aos balneários, o banco. Mas aí é ele como todos os antigos jogadores que depois assumiram funções de dirigentes, como diretores técnicos, diretores desportivos, administradores ou presidentes. Existe uma veia de competitividade que nunca se reforma no final da carreira como jogador, é quase como se houvesse um sentimento de pertença daqueles espaços”, explica-nos uma das fontes contactadas, a propósito de algumas picardias como aquela que aconteceu em Alvalade esta temporada entre Hugo Viana e Sérgio Conceição – e que nos dias seguintes acabou por ser desvalorizada, um pouco à luz dessa tal competitividade que não muda consoante a “pele”.
As competências que ganhou com o tempo e o jantar que Amorim lhe quis pagar
Jorge Mendes, que foi durante muitos anos agente de Viana, é uma das pessoas próximas que tem e que olha para o seu antigo jogador não pela relação que criaram ao longo dos anos mas pelas valências que foi tendo capacidade de adquirir nesta segunda passagem como diretor desportivo após o Belenenses. Ainda assim, existiu todo um trabalho feito a nível de estrutura mais “invisível” que permitiu que tudo fosse agora funcionando de forma oleada entre a troika que lidera o futebol verde e branco desde março de 2020, sendo que aqui, mais uma vez, a relação sem paralelo e que dificilmente se conseguirá voltar a encontrar com o treinador leonino (e que se estende no plano familiar, com as mulheres de ambas a terem uma empresa de decoração de interiores) ajudou bastante numa ascensão ao atual nível em que se encontra o Sporting.
Entre a agitação, os dias de Viana hoje são mais calmos. Costuma chegar por volta das 9h à Academia, vai estando em conversa com jogadores, treinadores, comunicação e presidente, acompanha o treino se tiver a oportunidade, vai fazendo depois uma série de reuniões com vários departamentos, da formação à parte do scouting. Também aqui, Viana mudou. A experiência enquanto jogador foi mostrando o que deve ou não fazer no papel de diretor desportivo e, culminando com a melhoria de todas as “secções” dentro de toda a estrutura verde e branca, passou a entrar cada vez mais em momentos cirúrgicos – sobretudo na parte de contratar jogadores. Todas as negociações envolvem chamadas, mensagens, reuniões e emails mas o mais complicado continua a ser captar a atenção de um atleta. Quando isso acontece, tudo se torna mais fácil. E quando existe acordo, considera que devem ser sempre os jogadores e o presidente a aparecer no final.
O antigo jogador agora diretor desportivo não gosta de assumir uma contratação em específico como “a” contratação, pelo impacto que teve na equipa ou pelas dificuldades que o acordo acarretou até ficar fechado em definitivo – algo que é habitual ver, por exemplo, nos responsáveis do futebol italiano, que assumem em termos públicos que negócio A ou B ficou mais na memória por razão C ou D. No entanto, em paralelo com a maratona supracitada de Paulinho até fechar o acordo no final do mercado de janeiro de 2021, é inevitável passar ao lado de Viktor Gyökeres. Pelo valor, pelo impacto, pela paciência que envolveu e, em paralelo com tudo isso, pelas ferramentas que foram utilizadas para poder aproximar o negócio da sua conclusão.
“A TransferRoom deu-nos a oportunidade de contactar diretamente os responsáveis do clube vendedor [o Coventry] e dar a conhecer o nosso interesse na contratação de Gyökeres. Esse acesso direto às pessoas-chave do clube fez uma grande diferença na aceleração das negociações para a nossa transferência recorde. A plataforma fornece-nos uma base de dados fiável de contactos de confiança, o que foi muito valioso neste caso e, no geral, beneficia o nosso negócio de transferências”, comentou aos meios da própria aplicação sobre o processo que acabou com a chegada do sueco a Alvalade por 20 milhões fixos mais quatro de objetivos variáveis já concretizados. Já com Morten Hjulmand, após conversações com Lecce, foi um raide a Milão para jantar com o jogador e o seu empresário, Ivan Marko Benes, que fechou a sua contratação.
As duas contratações mostraram dois dos pontos fundamentais da “evolução” que houve a nível de estrutura. Por um lado, Viana foi tentando sempre acompanhar as melhores práticas e ferramentas no mundo do futebol para beneficiar ao máximo das mesmas. Por outro, o Sporting conseguiu montar e consolidar uma rede de scouting que funciona como um dos principais pilares da metamorfose do clube a esse nível, não só pela qualidade dos jogadores que vai referenciando para todas as posições mas também, ou sobretudo, pela capacidade que ganhou com o tempo em identificar não só a valia técnica, tática e social de atletas mas também a possibilidade de encaixarem naquilo que são as ideias de Amorim para a equipa. “Pode não vir o ‘melhor’ jogador para determinada posição em termos individuais, vem o jogador mais completo para aquilo que é a abordagem do treinador para determinada posição no plano coletivo. Isso significa que se atingiu um ponto de maturidade naquilo que deve ser uma estrutura de futebol”, explicam ao Observador.
Em paralelo com isso, o Sporting começou a ter outra abordagem a nível de formação. Mais “transparente”, mais direta, melhor para todas as partes. Nesta altura, qualquer jogador mais jovem que seja cedido é porque deverá regressar para ser opção na equipa inicial caso atinja o ponto de evolução pretendido, caso contrário a opção tem recaído mais em cedências a título definitivo dos atletas com os leões a manterem metade dos direitos económicos e uma cláusula de recompra como tem por exemplo o Real Madrid. Olha-se para a perspetiva daquilo que pode ser uma carreira, assegura-se que se houver uma evolução inesperada pode sempre regressar, ganha-se maior controlo a nível de custos tendo em conta que o total de elementos com ligação contratual ao clube é menor e valoriza-se aquilo que foi o percurso na Academia, como voltou a acontecer com Miguel Menino, médio chamado na partida com o Estoril para se sagrar campeão.
“O Hugo Viana é uma peça fundamental neste processo. Ele vai ficar chateado mas vou dizer: já teve convites para ir para as melhores ligas da Europa. Recusou. Ao contrário de outras pessoas que supostamente têm convites e são publicitados, ele é ao contrário. Tenho muito orgulho nesta estrutura. Não é por estarmos numa fase má de resultados mas a qualidade estava lá, jogávamos bem. É acreditar no processo de trabalho. Hoje temos um processo feito por pessoas de muita qualidade na Academia, departamento de performance, área técnica… O que o Sporting tem conquistado é a prova. Mas também sobretudo a qualidade de jogo e a confiança que os adeptos sentem nesta equipa”, destacara no ano passado Frederico Varandas.
“O Hugo Viana é imprescindível na nossa ideia, a ligação que tenho com ele é muito mais do que o trabalho, é como se fosse um familiar para mim, e isso é claro. Trabalhamos em prol do Sporting, só pensamos no Sporting. A forma como ele não requer atenção e está sempre pronto a ajudar o treinador e a estrutura. O papel dele tem sido crucial. Falo por mim, o Viana é imprescindível. Tem um papel fundamental e faz o seu trabalho como ninguém”, disse Rúben Amorim em 2022. “O plantel está ao nível dos rivais. São diferentes, temos muita juventude, também alguns jogadores com experiência. Estou muito satisfeito também pela forma calma e focada com que foi feito o mercado. Estou bastante satisfeito. Tenho de pagar um jantar ao Hugo Viana, que bem merece pelo mercado que fez”, salientou no final do último mercado de verão.
Os resultados também ajudaram a consolidar a estrutura responsável pela vitória do Sporting na Liga e pela possível dobradinha que vai disputar na próxima semana com o FC Porto na final da Taça de Portugal mas, da mesma forma como Hugo Viana foi crescendo enquanto diretor desportivo na estrutura leonina, também fez com que a estrutura crescesse na função de diretor desportivo, percebendo quando, onde e como tem ou não de intervir. E, mesmo não abdicando dessa posição de sombra e longe dos holofotes, ganhou espaço receber mais convites além das duas sondagens de que foi alvo desde a época passada.