Bruno de Carvalho lança oficialmente esta sexta-feira o livro Sem Filtro – As histórias dos bastidores da minha presidência, onde faz várias revelações sobre os cinco anos e meio que passou na liderança do Sporting, de jogadores a treinadores, passando por outros elementos do staff mais ligados ao futebol até empresários. “Vou utilizar uma linguagem futebolística. Se isto fosse um jogo, eu estaria a ser goleado por 5-0. Mais que não seja pelos cinco dias que passei detido. Mas ainda só estamos no intervalo. Vem aí a segunda parte”, remata no último capítulo. Antes, estes foram os principais pontos de destaque, onde fala de agressões entre atletas, chantagens feitas por técnicos, contratações que por pouco falharam e um final com vários protagonistas.
A contratação a comer marisco e a “chantagem” antes do último jogo de Jesus
Logo no arranque do livro, Bruno de Carvalho deixa a primeira “novidade” em relação a Jorge Jesus: o técnico, cerca de 15 minutos antes do encontro da última jornada do Campeonato de 2015/16 que podia dar ainda o título ao Sporting caso o Benfica não ganhasse na Luz ao Nacional, terá forçado uma decisão sobre a renovação ou não de contrato, “ameaçando” sair na segunda-feira seguinte caso não houvesse avanços nesse processo e utilizando como “chantagem” (palavra do antigo líder leonino) uma eventual proposta feita pelo FC Porto, que estaria disposto a pagar a cláusula de saída. Em causa estaria assim uma passagem de cinco para oito milhões de euros brutos por época. O treinador acabou mesmo por prolongar um vínculo que tivera o seu primeiro capítulo no verão anterior, já depois de ser um dado adquirido de que iria sair do Benfica após seis anos na Luz.
Depois de uma abordagem telefónica do empresário de Jorge Jesus, Costa Aguiar, as duas partes juntaram-se em casa de uma ex-cunhada de Bruno de Carvalho na zona do Estoril (num jantar com muito marisco, que foi trazido pelo agente do treinador) e, em termos desportivos, acertaram tudo nessa noite, faltando apenas depois negociar todos os valores em causa – aí com o antigo técnico a passar a pasta ao seu representante. Por cinco milhões de euros brutos por temporada num contrato de dois anos, numa fase onde alguns clubes iam também mostrando interesse em assegurar Jesus, que ganhara três Campeonatos no Benfica.
Marco Silva, o treinador que esteve para sair logo na pré-temporada
Algumas partes do livro de Bruno de Carvalho acabam por funcionar como uma espécie de ajuste de contas com o passado e com pessoas com quem trabalhou no futebol do Sporting. Ainda assim, parece existe um elemento mais visado do que os restantes: o técnico Marco Silva. Ao ponto do antigo líder dos leões admitir que equacionou a sua saída ainda na pré-temporada. “Chegou ao ponto de estar a ver os nossos jogadores à pancada sem fazer nada. Chegou ao ponto de deixar um jogador de fora porque este não queria mudar para o seu agente. Chegou ao ponto de não convocar outro jogador porque a Doyen e o mesmo agente queriam que esse atleta não jogasse. Chegou a todos os pontos. Passou todos os limites. Algumas situações eram surreais”, diz, antes de contar um episódio depois do triunfo do Sporting no Bessa frente ao Boavista em que havia jogadores, entre gritos e ânimos mais descontrolados, aos empurrões no balneário e o técnico nada terá feito para acalmar aquele foco de discórdia.
Os problemas, esses, vinham desde a pré-temporada. A pouca utilização de Marcos Rojo no Troféu Teresa Herrera, numa altura em que o central (e os seus representantes) estariam a forçar a saída para o Manchester United tornou-se algo público depois da saída do técnico mas Bruno de Carvalho acrescenta ainda que a ideia passava por não levar seis jovens da formação para o estágio inicial na Holanda apesar de ter sido um ponto fundamental do projeto discutido – acabariam por ir mas ficando a treinar à parte dos restantes companheiros –, que João Mário era visto como segunda ou terceira opção e que apesar de ter contratado Nani o grande objetivo do técnico era ter o argentino Federico Carrizo. “Contratá-lo foi um erro. Ficar com ele é um erro ainda maior. Sei que é errado deixá-lo ficar mas é absolutamente vital permitir-lhe fazer uma época para que os nossos adeptos não pensem que andamos a brincar ao futebol demitindo um treinador que acabámos de contratar para quatro anos”, disse à administração.
Do interesse do FC Porto por Teo Gutiérrez ao DVD de Slimani
Entre as várias contratações e vendas de jogadores abordadas, Bruno de Carvalho conta algumas histórias mais desconhecidas de forma pormenorizada para explicar as dificuldades que existiram no Sporting (e que deverão surgir em qualquer clube) na fase final para fechar o negócio, bem como as variadas formas que apresentação de um jogador. No caso de João Mário, a maior venda de sempre dos leões e de um jogador português saído da Primeira Liga, o antigo líder leonino recorda uma viagem de dois dias a Milão onde negociou com o Inter, ficou muito perto de fechar acordo mas de repente o presidente indonésio Erik Thohir tinha ido para o Rio de Janeiro por causa dos Jogos Olímpicos e o diretor desportivo Piero Ausilio também saiu da cidade – e, perante isso, voltou tudo à estaca zero; em relação a Slimani, recorda que surgiu de uma reunião com árabes que queriam investir no clube, que deixaram um DVD do avançado e que, depois de ver o mesmo, conseguiu evitar que assinasse por uma equipa francesa.
Antes, no verão de 2015, houve também a contratação de Teo Gutiérrez, internacional colombiano que jogava na altura nos argentinos do River Plate. Que demorou, e muito, não por falta de entendimento entre clubes mas pelas exigências do jogador quando já se encontrava em Alvalade, com a frase “Soy una estrella y como una estrella que soy tienes de garantir mi plata”. O que não se sabia era que o FC Porto ter-se-á interessado pelo jogador numa altura em que o Sporting já estaria próximo de fechar, estando a pensar enviar um emissário a Bogotá para tratar da situação. Sobre o guarda-redes Kapino, grego que parecia ter tudo certo mas nunca assinou, uma explicação: depois de estar tudo negociado, houve uma tentativa de renegociar valores, Bruno de Carvalho disse que ia apenas à casa de banho e três horas depois atendeu para dizer que estava em casa e não havia acordo.
Pizzi, Karnezis, Brahimi. Os negócios que não foram mas podiam ter sido
Por mais do que uma vez, o antigo presidente do Sporting assume que existiram agressões entre jogadores em determinados momentos. Por exemplo, no final da época 2012/13, quando Jesualdo Ferreira era ainda o treinador – e que foi proibido de entrar em Alvalade por não ter cumprido alguns pontos que teriam sido acordados entre ambos, como o discurso de despedida ou a utilização de jogadores da formação sem que tivessem contratos prolongados. Nesse verão seguinte, dois nomes estiveram em cima da mesa. Um para entrar, outro para sair. Nenhuma dessas premissas se acabou por concretizar, com um ponto comum nos casos: Jorge Mendes. Por um lado, Bruno de Carvalho relata várias conversas telefónicas com o agente a dizer primeiro que não tinha propostas por Rui Patrício, depois que tinha uma proposta mas que não era do Mónaco, por fim admitindo que a oferta era do Mónaco e por dez milhões (o que daria aos leões apenas 6,5 milhões); por outro, admite que Leonardo Jardim gostava de ter contado com Pizzi mas defende que o jogador nunca chegou por influência do agente antes de rumar ao Benfica.
Falando da Doyen, e revelando o encontro em Alvalade com uma pessoa que se dizia parceira da Doyen e que terá dito que a empresa trabalhava “com uns tipos pesados da Chechénia” que ainda podiam “tratar” da família caso Marcos Rojo não saísse para o Manchester United, o ex-líder verde e branco assume que o Sporting teve tudo tratado para contratar o grego Karnezis aos espanhóis do Granada mas que o negócio não avançou porque foram pedidos valores mais altos do que tinha sido acordado e que a Doyen pediu 20 milhões ao clube leonino por Brahimi, que chegaria ao FC Porto por “apenas” 6,5 milhoes de euros.
O nome comum entre um comunicado e uma fotografia: Varandas
A certa altura, na parte final do livro, Bruno de Carvalho recorda o período entre o início de fevereiro de 2018, onde o clube teve duas Assembleias Gerais num lapso de duas semanas, e a receção ao Benfica, a contar para a penúltima jornada do Campeonato, nos primeiros dias de maio. Volta a destacar que a primeira reunião magna no Multidesportivo de Alvalade foi mal conduzida e chegou a uma posição de quase rutura por causa de Jaime Marta Soares, então líder da Mesa da Assembleia Geral, e que, apesar de nunca o ter confessado publicamente, gostava que um dos três pontos em sufrágio no encontro seguinte, já no Pavilhão João Rocha, tivesse menos de 75% de votos para poder fazer cair os três órgãos e renovar as escolhas – trocando assim figuras como o próprio líder da Mesa, Marta Soares. Depois, há o salto para o pós post relativo à derrota dos leões com o Atl. Madrid.
É neste período que surgem quatro revelações que ainda não eram conhecidas entre reuniões com o plantel, divergências com Rui Patrício e William Carvalho (os capitães de equipa), a chamada para Nuno Mendes, ou Mustafá, líder da Juventude Leonina: 1) Jorge Jesus terá confidenciado que ajudou a que os jogadores tomassem uma posição de força contra o então presidente; 2) o comunicado partilhado por quase todo o plantel verde e branco terá sido redigido – aqui no condicional, partindo de “o que se dizia nos corredores de Alvalade – por João Pedro Varandas, advogado, ex-dirigente e irmão do atual líder leonino, com a colaboração de Rogério Alves; 3) Frederico Varandas terá pago, em 2016, quotas em atraso para recuperar o antigo número de sócio do Sporting; 4) a famosa fotografia que se tornou viral após o encontro em casa com o P. Ferreira em que Bruno de Carvalho surge numa marquesa a ser tratado ao problema nas costas terá sido tirada pelo então líder do departamento médico.
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