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Militantes ouvem o discuso final do secretário-geral do Partido Comunista Português, Jerónimo de Sousa (ausente da fotografia), na 45.ª Festa do "Avante!", evento político-cultural, organizado pelo Partido Comunista Português na Quinta da Atalaia, no Seixal, 05 de setembro de 2021. TIAGO PETINGA/LUSA
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Festa do Avante! acontece este fim de semana na Quinta do Atalaia, no Seixal

TIAGO PETINGA/LUSA

Festa do Avante! acontece este fim de semana na Quinta do Atalaia, no Seixal

TIAGO PETINGA/LUSA

Debates sobre "manipulação", sem "shots pela paz". Avante arranca na sombra da guerra na Ucrânia

Painéis e debates da Festa do Avante! não falam na Ucrânia, mas em "paz" e fim do "militarismo". Partido volta à Atalaia apostando no argumento da ofensiva anticomunista.

Debates pela paz, críticas ao militarismo, apelos à cooperação. Quem olhar para o programa da edição da Festa do Avante que arranca esta sexta-feira e se prolonga até domingo lerá umas quantas referências ao pacifismo do partido e não encontrará qualquer referência concreta ao fantasma que ensombra, este ano, o evento – a posição do PCP sobre a guerra da Ucrânia. Mas, com mais ou menos subtileza, perceberá que o conflito na Europa será tema de conversa — e pretexto para o PCP voltar a garantir aos militantes que está sob ataque e que é preciso cerrar fileiras.

A verdade é que, desta vez, o partido não oferecerá nas suas bancas a hipótese de beber um “shot puxa pela paz” – constava da ementa do ano passado, mas este ano os visitantes terão de se contentar com opções mais convencionais, entre sumos de laranja, cerveja e bebidas com vodka sem nomes próprios. Nem marcou nenhuma “manifestação de solidariedade com o povo ucraniano”, como acontecia no espaço Alentejo, na última edição. Recuando a 2020, na agenda incluía-se um debate sobre o “fascismo” na Ucrânia – desta vez, nada disso.

Curiosamente, este ano todas as oportunidades que os militantes, simpatizantes ou, simplesmente, festivaleiros – embora estes últimos sejam atraídos à Quinta da Atalaia mais pelo cartaz cheio de música portuguesa do que pelos debates políticos – terão para ouvir falar do tema que tem concentrado as atenções no PCP nos últimos meses serão debates e painéis que foram batizados com nomes mais vagos.

Exemplos? Um encontro “pela paz e solidariedade, na Europa e no mundo!”, logo no sábado de manhã. Depois, no espaço da JCP, lança-se uma questão: “Quem quer a guerra? A juventude luta pela paz!”. No domingo à tarde, novo painel com ponto de exclamação: “Não ao militarismo e à guerra! Por um mundo de paz e cooperação!”.

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O secretário-geral do Partido Comunista Português (PCP), Jerónimo de Sousa, faz o discurso final da 45.ª Festa do "Avante!", evento político-cultural, organizado pelo Partido Comunista Português na Quinta da Atalaia, no Seixal, 05 de setembro de 2021. TIAGO PETINGA/LUSA

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A tónica é evidente e foi traduzida, em declarações à Lusa, pela comunista Madalena Santos, responsável pela organização da festa. “A Festa do Avante é um espaço de paz – era, continua a ser e sempre será um espaço de paz –, o nosso posicionamento é este”.

Quanto à polémica que rebentou à volta de artistas como Dino Santiago ou os Mão Morta, que fazem parte do cartaz deste ano, criticados por participarem na iniciativa do PCP por causa da posição do partido quanto à guerra, resposta na mesma linha: “Os artistas são todos bem-vindos e o posicionamento aqui é o de fazerem o seu trabalho”; a festa é um “espaço de liberdade” também na forma como os artistas “trabalham a sua arte”.

Embora desta vez, ao contrário do que aconteceu noutros anos, não haja painéis que se assumam logo à cabeça anti-NATO ou com críticas à União Europeia e aos Estados Unidos, a edição desta semana do jornal do Avante! deixa bem clara qual a tónica que deverá marcar os debates sobre temas internacionais.

No editorial dedicado ao evento, e por entre os vários temas da atualidade com que se contextualiza a edição deste ano, não há qualquer referência à Rússia ou à Ucrânia, mas um “destaque” para as “consequências da escalada de confrontação política, económica e militar” atribuída apenas aos Estados Unidos e à NATO.

Nuno Melo junta-se à JP com cartaz a atacar Festa do “Avante!” e o PCP. “Não há guerra como esta”

De seguida, o jornal do partido comunista alarga as críticas ao “alinhamento da UE e dos governos europeus com essa estratégia e objetivos”, assim como aos “perigos crescentes que comporta tal política de sanções e de guerra”.

A posição alegadamente pacifista do partido não convence todos e os visitantes serão confrontados, logo à chegada, com um cartaz colocado pela Juventude Popular junto ao recinto, crítico da postura do PCP – num jogo de palavras, se o lema da organização é que “não há festa como esta”, os democratas-cristãos decidiram escrever no cartaz: “Não há guerra como esta”, criticando os comunistas por “relativizarem a guerra” e “não condenarem a invasão russa”.

A ofensiva anticomunista: uma narrativa em crescendo

O assunto é inevitável e volta a dar um motivo ao PCP para alegar, mais uma vez, que se reúne para o maior evento do seu calendário anual sob ataque. Depois dos anos de pandemia e da polémica edição de 2020, que os comunistas decidiram manter apesar das restrições sanitárias (que foram, de resto, cumpridas pela organização e dentro do espaço da Atalaia), o discurso mantém-se: o PCP é um alvo a abater e as críticas de que está a ser alvo provam isso mesmo.

Em 2020, Jerónimo lançava a festa com uma mensagem soturna, criticando o “arsenal mediático” que estaria a ser usado contra os comunistas – “sim, querem-nos quietos, confinados, calados e com temor”. No ano passado, o assunto era o mote ideal para um debate que se centrava na própria “Festa do Avante!” – “a festa que a reação teme”. A narrativa servia na perfeição para cerrar fileiras e transmitir aos militantes uma mensagem: agora, mais do que nunca, era preciso que os comunistas se unissem contra os ataques externos, que provavam que o partido continua a ser um alvo a abater.

Reportagem sobre os preparativos para a Festa do Avante, que terá lugar de 1 a 3 de setembro, na Quinta da Atalaia, Amora, Seixal, 31 de agosto de 2022. JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA

José Sena Goulão/LUSA

Esse discurso só se tem intensificado desde a festa de 2020, altura em que o PCP considerou que estava a ser alvo de uma das “mais obscuras campanhas antidemocráticas das últimas décadas”. No comunicado da última reunião do Comité Central, em junho, o partido ia mais longe e falava em mais do que uma simples “sucessão de campanhas” contra o PCP – o que se passa será mesmo uma “operação global” contra o partido, que “conta com a multiplicação de centros de produção ideológica cada vez mais concentrados, que invadem todos os planos da vida, visando isolar o partido e enfraquecer a sua influência”.

O mesmo comunicado garantia que isto acontece por o PCP ser o “inimigo principal” e “alvo preferencial a abater” do “sistema de dominação capitalista”. Daí que a tal ofensiva tenha ganhado “nova dimensão em torno da epidemia de Covid-19”; depois, com o voto contra do partido no Orçamento do Estado para 2022, decisivo para a queda do Governo de António Costa; e agora, “com expressão mais odiosa, em torno da guerra na Ucrânia”.

PCP diz estar a ser alvo de uma “operação global” em “todos os planos da vida” para enfraquecer o partido

Tudo para “afastar o PCP de uma intervenção mais decisiva no plano nacional, denegrir o seu projeto, objetivos e ideal”, garante o partido. E é certo que os comunistas, que nas últimas eleições perderam quase metade da bancada parlamentar e consolidaram a tendência de perda que se vinha verificando em todo o último ciclo eleitoral, têm estado, com menos deputados e findos os tempos da geringonça – logo, sem influência junto do Governo –, menos cobertos pelos holofotes mediáticos.

Excetuando, claro, no caso da Ucrânia. Não por acaso, o debate mais sugestivo desta edição será o que foi batizado simplesmente como “informação sim, manipulação não”, marcado para domingo, que contará com o histórico António Filipe e uma série de dirigentes que são responsáveis, ou já foram, pela comunicação e “propaganda” do partido (Carina Castro, Carlos Gonçalves e João Lopes).

A oposição à “política de direita” de Costa

Mas o partido também quererá usar a festa, que funciona como sua rentrée – e, nos tempos da geringonça, costumava servir para lançar recados e exigências orçamentais ao Governo – para ganhar algum palco político.

No editorial do Jornal do Avante! desta semana, o partido promete um discurso duro, de oposição pura, contra o Executivo de António Costa: “Uma luta contra a política de direita prosseguida pelo Governo de maioria absoluta do PS apoiada, em muitas das questões essenciais, pelo PSD, CDS, IL e Chega”, escreve o jornal, já sem qualquer intenção de separar o antigo parceiro dos partidos de direita.

O combate ao aumento do custo de vida, a necessidade de aumentar salários e pensões e de fixar preços de bens essenciais, assim como de taxar lucros dos grandes grupos e defender serviços públicos, são prioridades essenciais para o PCP e que seguramente marcarão o ponto alto da festa, no domingo, com o comício final de Jerónimo de Sousa.

Tudo num momento que, reconhece o partido, “coloca grandes exigências ao PCP e à sua capacidade de ação e intervenção”. Com uma influência diminuída e a posição sobre a guerra na Ucrânia a ensombrar as ações do partido, marcar a agenda – e a política – é o sério desafio do ano que começa agora.

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