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Comer terra hoje é mais seguro do que no passado, afirma o professor de microbiologia Brett Finlay
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Comer terra hoje é mais seguro do que no passado, afirma o professor de microbiologia Brett Finlay

Sean Gallup/Getty Images

Comer terra hoje é mais seguro do que no passado, afirma o professor de microbiologia Brett Finlay

Sean Gallup/Getty Images

"Deve-se deixar a criança tocar na terra, na lama, nas árvores e nos insetos"

A chupeta caiu e não tem onde lavar? O seu filho acabou de meter as mãos cheias de terra na boca, e agora? O melhor mesmo é respirar fundo e não dramatizar. A maioria dos micróbios até faz bem.

“Rodrigo, não mexas aí. É caca”. “Miguel, deixa a mãe limpar as mãos”. ” Maria, tira isso da boca”. Basta sair à rua para ouvirmos frases deste género ou parecidas. E nas malas das mães multiplicam-se toalhitas com desinfetante, ou bisnagas com álcool em gel, para proteger ao máximo as crianças dos perigos da sujidade, dos micróbios. Este é um caminho que tem vindo a ser seguido, sem grandes hesitações nem recuos, e que pode estar a conduzir a um problema, como alertam os autores do livro Deixem-nos comer terra.

É que as pessoas ainda não se aperceberam que esta obsessão pela limpeza e pela higiene, de forma cega, está a matar não só os micróbios maus — que, no passado, provocavam infeções que levavam à morte –, mas também os bons, que contribuem, entre outras coisas, para o desenvolvimento do sistema imunitário das crianças.

Em entrevista ao Observador, um dos autores do livro Deixe-os Comer Terra, Brett Finlay, professor de microbiologia na Universidade British Columbia, em Vancouver, no Canadá, e que há 20 anos se debruça sobre o estudo dos micróbios, alerta para os riscos de um mundo super higienizado, do abuso dos antibióticos, fala da importância dos micróbios e deixa algumas sugestões aos pais.

O que são os micróbios?

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Bactérias, germes e fungos – como leveduras e algas unicelulares. Os micróbios estão por todo o lado, mas só podem ser vistos com microscópio. E, ao contrário do que muita gente pensa, nem todos são patogénicos. Na verdade, a maioria deles são inofensivos. Há micróbios que ajudam a desenvolver o sistema imunitário, a rede de órgãos e células. Além disso são responsáveis pela digestão da maioria dos alimentos, incluindo fibras e proteínas complexas, e fornecem vitaminas essenciais. Os micróbios bons ajudam ainda a combater os micróbios causadores de doenças.

No livro escrevem que vivemos num mundo demasiado limpo e que isso pode ser perigoso. Porquê?
Andámos séculos a tentar limpar todo o mundo e deixá-lo a salvo das infeções provocadas por bactérias. E isso correu muito bem. Introduzimos o saneamento, a recolha de lixo, a água potável, alimentos seguros e antibióticos. Esta tem sido uma história de sucesso, porque diminuímos as taxas de infeções nas crianças. E isto são boas notícias. O que nós não percebemos foi que, à medida que fomos matando esses germes, os micróbios maus, também fomos destruindo outros que, entretanto, percebemos que são bons. Agora percebemos que fomos longe demais e que já não temos os micróbios com os quais costumávamos contactar logo cedo na nossa vida, e que contribuem para o normal desenvolvimento humano. E nós precisamos desses micróbios a viver neste mundo. Descobrimos isso há cinco anos, quando começámos a estudar as ligações entre os micróbios e aquilo que chamamos de doenças da sociedade ocidental como a asma, as alergias e a obesidade.

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Que evidências existem dessa ligação entre os micróbios e a prevenção de doenças como a asma e a obesidade?
Há duas linhas a provar isso. Existem muitas provas que mostram que precisamos da exposição a estes micróbios. Por exemplo, as crianças que vivem em quintas, as crianças que nascem por parto natural, ao invés de cesariana, e as crianças que têm cães estão menos expostas a estas doenças. E há muitos estudos já feitos, com ratos, que mostram que existe uma correlação entre os diferentes micróbios e doenças como a asma, as alergias, a obesidade e a diabetes. Agora estamos a tentar perceber como é que eles desempenham esse papel. Por exemplo, na obesidade, os micróbios afetam a forma como a comida é metabolizada.

"Andámos séculos a tentar limpar todo o mundo e deixá-lo a salvo das infeções provocadas por bactérias. Agora percebemos que fomos longe demais e que já não temos os micróbios com os quais costumávamos contactar logo cedo na nossa vida."
Brett Finlay, professor de microbiologia na Universidade British Columbia

As vantagens do parto natural

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Quando o bebé nasce por via vaginal recebe os Lactobacillus das secreções vaginais da mãe, que vão direitos ao intestino, e que o ajudam, por exemplo, na digestão do leite materno.

Vocês escrevem no livro que é melhor deixar as crianças comerem terra e sujarem-se. Mas não corremos o risco de dar um passo atrás no percurso e fazer aumentar as infeções?
Comer terra hoje é mais seguro do que no passado. Já não temos poliomielite. E as hipóteses de contrair disenteria no jardim são muito baixas. O que os pais têm de perceber é que, tal como dizemos no livro, as crianças podem provavelmente lamber o chão em casa, mas não é uma boa ideia deixá-las lamber o chão do metro. Brincar numa caixa de areia provavelmente não tem mal nenhum, mas se tiver fezes de gato — que contêm parasitas –, já não é boa ideia. Se o seu filho tiver uma infeção bacteriana, usar antibióticos vai salvar-lhe a vida, mas se tiver uma infeção viral os antibióticos não vão funcionar e até podem provocar danos. Portanto, é preciso ter em conta que hoje o Mundo não está nem perto de ser tão perigoso como no passado no que diz respeito às infeções. Mesmo quando o seu filho está a brincar num parque infantil não tem de estar sempre a limpar-lhe as mãos.

Mesmo que esse parque seja público?
Sim, a menos que haja crianças com gripe, a tossir ou a espirrar. Se não for assim, provavelmente, não tem mal nenhum. Estar em contacto com os micróbios das outras crianças até vai ser bom. Deve-se deixar a criança tocar na terra, na lama, nas árvores e nos insetos. E mesmo que se suje, não se deve apressar a limpá-la. Normalmente, quando uma coisa está suja, a tendência é dizermos ‘blherc’. Mas porque pensamos assim? Porque a maioria das pessoas pensa nos micróbios como algo mau e essa visão devia mudar porque nem todos os micróbios são maus.

Probióticos. Antes, durante ou depois dos antibióticos?

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Antigamente havia indicação para tomar probióticos depois de terminar o antibiótico. Porém, atualmente, já são comercializados probióticos de Lactobacillus para serem tomados uma a duas horas após a ingestão do antibiótico. A toma destes organismos vivos diminui a diarreia associada aos antibióticos e aos antimicrobianos, segundo os autores. Os probióticos também ajudam a diminuir as infeções vaginais.

Então quando se deve lavar as mãos?
Aconselhamos a lavar as mãos antes de as crianças irem comer, por exemplo, ou quando chegam a casa de um passeio. Ou ainda se tocarem em lixo ou em resíduos de animais. Mas lavar com água e sabão e não com sabonetes antibacterianos.

Quer dizer que usar produtos antibacterianos é mau?
Sim, é mau. Estudos atrás de estudos têm mostrado que usar produtos antibacterianos não faz mais efeito do que lavar com água e sabão. Outro problema de usar esses produtos é que aumentamos as resistências aos mesmos. Portanto, usar água e sabão está ótimo e apenas antes das refeições e depois de uma ida à casa de banho ou depois de estarem em contacto com alguém doente. É tudo o que precisamos em termos de higiene pessoal.

Também não é necessário esterilizar os biberões?
Não. A Academia Americana de Pediatria já mudou isso. Lavar na máquina da loiça ou em água a ferver é suficiente. Usar uma escova de garrafas é o ideal.

"Um estudo sueco recente sugere que a melhor maneira de limpar a chupeta que cai no chão é colocá-la primeiro na própria boca e só depois dar à criança."
Brett Finlay, professor de microbiologia na Universidade British Columbia

E a chupeta? O que devem os pais fazer quando a chupeta cai ao chão?
Um estudo sueco recente sugere que a melhor maneira de limpar a chupeta que cai no chão é colocá-la primeiro na própria boca e só depois dar à criança. Claro que se a mãe ou o pai estiverem doentes isso não será boa ideia, mas em circunstâncias normais colocá-la na própria boca vai diminuir o risco de a criança vir a ter asma, alergias e obesidade durante a sua vida, porque partilham os micróbios da boca com o progenitor e isso reforça o sistema imunitário das crianças.

Mas o adulto não corre risco ao expor-se aos micróbios?
Quando somos adultos temos mais defesas, portanto não vamos ficar infetados.

Voltando às crianças. Quando falam em deixar as crianças sujarem-se, não se estão a referir a todo o tipo de lixo, ou estão?
Deixem-nas sujar-se um pouco, isso não lhes vai fazer mal. Hoje em dia as crianças passam sete horas por dia em frente a ecrãs e reduziram em metade o tempo que passavam na rua. Já não há exposição aos micróbios e isso é preocupante.

"Nós não dizemos no livro que devemos encher um balde de lixo para as crianças levarem à boca assim que nascem. Mas os pais têm de perceber que tem de haver essa exposição aos micróbios."
Brett Finlay, professor de microbiologia na Universidade British Columbia

Vocês falam muito do campo, no livro, mas grande parte das famílias mora nas cidades. Aí é preciso ter cuidados redobrados, certo? Esta teoria de deixar as crianças sujarem-se aplica-se a quem vive nas cidades?
Sim, claro. Um parque infantil público é, à partida, um bom lugar para levar as crianças a passear e deve-se deixá-las estar com os amigos e fazer bolos com a terra e com a erva. Ter um cão em casa, por exemplo, diminui casos de asma e outros problemas semelhantes em 20%. Já os gatos não trazem grandes mais-valias, porque vivem no seu mundo e não lambem as crianças. Mas é tudo uma questão de sensatez. Nós não dizemos no livro que devemos encher um balde de lixo para as crianças levarem à boca assim que nascem. Mas os pais têm de perceber que tem de haver essa exposição aos micróbios. Outra boa ideia, embora aborrecida, é comer alimentos saudáveis. Quando comemos açúcar e farinha branca há uma transformação muito rápida no intestino delgado e não desce para o intestino grosso que é onde estão os micróbios. Daí dizermos que se deve comer frutas, vegetais, frutos secos, fibras.

O que é a flora microbiana?

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A flora microbiana é composta por bactérias e fungos e outras formas de vida microscópica que habitam na pele, nas cavidades oral e nasal, nos olhos, pulmões, aparelho urinário e gastrointestinal. Pesa tanto como um fígado ou um cérebro (1,5 kg) e demora três a cinco anos a ficar plenamente estabelecida.

O problema é convencer as crianças a comerem comida saudável.
É. mas no livro damos o exemplo do que a Claire fez com a filha. Um dia ela disse à filha que ela tinha um zoo na barriga, com muitos bichinhos e convenceu-a que os bichinhos cantavam e faziam festas e adoravam viver na barriga dela, mas que estavam sempre com fome e que ela tinha de os alimentar, caso contrário eles morriam. Mas os bichinhos não gostavam de doces, nem gelados, nem hambúrgueres. Só gostavam de frutas e vegetais. E assim conseguiu pôr a filha a comer comida saudável. Não é fácil, mas consegue-se.

A flora microbiana desenvolve-se nos primeiros tempos de vida. Pode uma criança nascida através de cesariana desenvolver a sua flora microbiana, tal como a criança que nasce por parto natural?
O que os estudos nos dizem é que uma criança quando nasce de parto natural fica logo exposta aos micróbios vaginais e fecais maternos. É o primeiro encontro do bebé com os micróbios. É uma verdadeira primeira prenda de aniversário. Os micróbios que o bebé recebe nesse momento são do tipo de micróbios que ajudam a digerir o leite materno. Daí que seja melhor para os bebés nascerem de parto natural do que por cesariana. Os bebés que nascem por cesariana têm uma maior taxa de asma e obesidade só porque não contactam com esses micróbios. Por isso, se uma mulher tiver de fazer uma cesariana por razões médicas, sejam elas quais forem, há uma técnica que já começa a ser usada em vários hospitais em todo o mundo e que consiste em esfregar as secreções vaginais da mãe na criança mal ela nasce.

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