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Storm flood barrier / Oosterscheldekering / Eastern Scheldt storm surge barrier at Neeltje Jans, part of the Delta Works that regulates the enormous tidal flows and harnesses spring floods in the Netherlands
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Uma das barreiras físicas do Programa Delta, nos Países Baixos

Universal Images Group via Getty

Uma das barreiras físicas do Programa Delta, nos Países Baixos

Universal Images Group via Getty

Dos diques dos Países Baixos às "cidades esponja" da China. Como o resto do mundo lida com a chuva intensa

O modelo neerlandês é apontado como um dos melhores e está em transformação. Além dos diques e barragens, são necessários coletores como os de Barcelona e jardins-depósito como os de Copenhaga.

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Carlos Moedas é taxativo: “Se túneis de drenagem já existissem, cheias não teriam acontecido.” Em entrevista à SIC Notícias na passada quinta-feira, o presidente da Câmara de Lisboa depositou todas as esperanças num plano apresentado ainda no tempo de Carmona Rodrigues, retomado por António Costa e que agora deverá ser concluído no mandato do presidente do PSD: dois túneis subterrâneos que deverão ajudar a escoar toda a água que se acumula à superfície em tempos de chuvas rápidas, inesperadas e de grande concentração.

Os especialistas, porém, deixam avisos. Em declarações ao Observador, tanto a arquiteta paisagista Maria Matos Silva, professora da Universidade de Lisboa, como Joaquim Poças Martins, especialista em engenharia hidráulica da Universidade do Porto, consideram que o futuro passa pela implementação de soluções mistas, que combinem a engenharia do cimento com o aproveitamento da natureza. “Não se deve investir numa só estratégia”, decreta Matos Silva. “Não podemos só gerir o fenómeno das cheias. Temos de gerir a água no seu todo, o bom e o mau.”

Em comum, ambos defendem uma ideia: os tempos em que se combatiam as inundações roubando terreno à água acabaram. “A água vai sempre buscar o que é dela”, afirma Poças Martins. “Mais vale gastar dinheiro a tirar as pessoas do perigo do que a defender as pessoas do perigo.”

É essa mudança de paradigma que começa a acontecer em muitos outros países, onde as medidas para lidar com as cheias estão em transformação. Os sistemas de diques e barragens em tempos popularizados pelos Países Baixos são vistos agora como insuficientes até pelas autoridades neerlandesas. As soluções naturais e de raízes como “as cidades esponja” criadas na China só resultam em urbanizações construídas de raiz. O que sobra então? Os sistemas mistos, onde a engenharia e a arquitetura dão o seu melhor e combinam cimento com natureza para encontrar as melhores soluções. É o caso de cidades como Barcelona e Copenhaga, que se definem como modelos do futuro com os quais a Grande Lisboa pode aprender.

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A solução tradicional: ganhar espaço ao mar, como fizeram os neerlandeses

Veneza tem uma relação historicamente difícil com a água. Há séculos que é certo e sabido que basta chover para que a Lagoa de Veneza transborde e a Praça de São Marcos seja inundada. Mas ao longo dos últimos dois anos a situação tem estado controlada, graças a uma obra de engenharia de grande dimensão: o MOSE (acrónimo para Módulo Experimental Eletromecânico, que significa Moisés em italiano).

ITALY-Venice Floods Mose

Barreiras físicas do MOSE, o projeto para a cidade de Veneza

Corbis via Getty Images

Com um custo de seis mil milhões de euros, o MOSE consiste numa série de 78 barreiras físicas retráteis que se erguem e isolam a Lagoa do Mar Adriático em caso de chuva intensa ou marés vivas, protegendo a cidade. Foram precisos 30 anos de planeamento e outros 20 de construção para que esta solução de engenharia fosse concluída. Mas algo do género é impossível de replicar numa cidade como Lisboa, devido à geografia.

“Lisboa, Oeiras ou Setúbal são bacias hidrográficas circulares. Basta haver uma chuva forte para acontecer um pico de cheia muito rápido e sem pré aviso”, explica Poças Martins. Não há grande barreira física que pudesse impedir o alagamento das zonas tradicionalmente mais afetadas, como Alcântara e Algés, explica o engenheiro, “porque estamos invariavelmente a falar de construção em leitos de cheia”.

E não se pense que a solução encontrada em Veneza é mágica. Vários especialistas alertam que, com as alterações climáticas e a subida do nível das águas provocada pelo degelo das calotes, o MOSE pode deixar de ser eficaz daqui a algum tempo — cerca de cem anos, de acordo com a maioria das estimativas.

É por essa razão que os maiores especialistas nesta área começam a propor soluções alternativas às barreiras físicas. Veja-se o caso dos Países Baixos, onde um terço do país está abaixo do nível do mar.

Em 1953, uma grande tempestade levou às maiores cheias das últimas décadas do país, provocando a morte a quase duas mil pessoas. Desde então, os Países Baixos reforçaram o seu sistema de diques e barragens, criando barreiras físicas tão fortes que, desde então, não houve mais nenhuma morte a registar por cheias no país. Chamam-lhe Programa Delta e inclui a Maeslantkering, uma barreira com portões com mais de 200 metros de comprimento que protege Roterdão.

The Oosterscheldekering, part of Delta Works

O Programa Delta, dos Países Baixos, envolve uma série de diques e barreiras físicas para controlar o escoamento da água

De Agostini via Getty Images

Poças Martins, porém, defende que este tipo de sistemas é “uma engenharia do passado, do Homem contra a natureza”. “Mas a força da natureza, nunca ninguém a venceu”, diz. No caso dos Países Baixos tem resultado, mas apenas porque o investimento é massivo, explica. “São soluções seguras, mas muito caras.”

Já para não falar de que podem também criar “uma falsa sensação de segurança”, acrescenta, dando como exemplo o que aconteceu em Nova Orleães (EUA) durante o furacão Katrina. Em 2005, todos os diques e barreiras à volta da cidade cederam e contribuíram para um desastre que matou quase duas mil pessoas. Desde então, os norte-americanos voltaram a investir nesta solução, gastando milhões na reconstrução das barreiras físicas em torno da cidade.

“Os neerlandeses mudaram a política nacional em 180 graus. De um investimento brutal na defesa, na luta contra a água, para investir grande parte do seu Orçamento do Estado no oposto: deixar a natureza fazer um pouco a sua vontade.”
Maria Matos Silva, arquiteta paisagista e professora no Instituto de Agronomia de Lisboa

Mas até os neerlandeses consideram atualmente que esta não pode ser a solução. Daí que o Programa Delta tenha passado a incluir o projeto “Room for the River” (Espaço para o Rio). Agora, em vez de apenas construir e gerir barreiras físicas, os Países Baixos estão a apostar em criar zonas de captação junto à costa dos rios Maas e Reno, permitindo que a água se expanda para ali. “Eles mudaram a política nacional em 180 graus. De um investimento brutal na defesa, na luta contra a água, para investir grande parte do seu Orçamento do Estado no oposto: deixar a natureza fazer um pouco a sua vontade”, ilustra Maria Matos Silva.

“O ‘Room for the River’ criou muito mais mudança nas zonas menos urbanizáveis, com expropriações de terrenos agrícolas, para o rio ter mais espaço para escoar. Com esse maior espaço a montante, menor caudal chega a jusante”, ilustra a professora do Instituto de Agronomia. Isso implicou, porém, um grande investimento para compensar agricultores, bem como o realojamento de 200 famílias. “É claro que isto é muito mais fácil em terrenos não urbanizados, não resulta em Lisboa, por exemplo”. Razão pela qual a arquiteta sublinha que “as soluções têm de ser adaptadas a cada território”. “Não há uma tipologia milagrosa”, decreta.

A solução sustentável: as “cidades esponja” chinesas

Em 1998, a China foi atingida por umas cheias de grande dimensão que duraram todo o verão e tiraram a vida a cerca de quatro mil pessoas. Desde então, o governo chinês repensou o seu modelo para lidar com o problema e passou a defender a adoção de soluções com ligação à natureza.

Em 2013, lançou o “Programa Cidade Esponja”. O objetivo era o de incentivar as cidades a usarem soluções menos relacionadas com o cimento e o asfalto e mais com infraestrutura natural, criando espaços verdes que possam absorver a água das chuvas, deixando-a infiltrar-se para os lençóis de água no subsolo e para reservatórios criados para o efeito. “A cidade inunda e está tudo bem, desde que a cidade esteja capaz de lidar com essa inundação”, é o princípio, resumido por Maria Matos Silva.

Flooding Affects Parts Of China

A cidade de Wuhan é cidade-piloto do projeto "Cidades Esponja", na China

China News Service via Getty Ima

O engenheiro Poças Martins, porém, deixa um alerta: “O conceito chinês de ‘cidade esponja’ funciona muito bem numa cidade feita de raiz”, explica. Numa cidade tão antiga como Lisboa, e onde já há tanta impermeabilização, é impossível, porém, aplicar esta solução de larga escala. “Lisboa não tem grande alternativa” diz. “Impermeabilizámos muito e construímos em cima de ribeiras.” O mal está feito.

“O conceito chinês de ‘cidade esponja’ funciona muito bem numa cidade feita de raiz”, explica o engenheiro Poças Martins. Numa cidade tão antiga como Lisboa, e onde já há tanta impermeabilização, é impossível, porém, aplicar esta solução de larga escala. “Lisboa não tem grande alternativa” diz. “Impermeabilizámos muito e construímos em cima de ribeiras.”

Após as cheias na Alemanha do ano passado, a cidade de Leichlingen anunciou que planeia tornar-se numa “cidade esponja”, à semelhança das chinesas. Mas com menos de 30 mil habitantes, este está longe de ser um desafio replicável numa capital europeia.

As soluções mistas: coletores e espaços verdes como Copenhaga

Para os especialistas consultados pelo Observador, as melhores soluções para uma cidade como Lisboa são as chamadas soluções mistas, que combinam o uso da engenharia com o melhor aproveitamento possível da natureza. “É o caso de cidades como Barcelona ou Chicago”, explica Poças Martins. “Barcelona, por exemplo, tem reservatórios subterrâneos gigantes e túneis que aproveitam a água absorvida pela natureza.”

Maria Matos Silva, que estudou o caso de Barcelona em particular, destaca que Lisboa pode aprender com a cidade catalã num ponto: o uso inteligente do espaço público. “A proposta deles ainda vem de um paradigma tradicional de gestão de inundações, muito ligado a uma infraestrutura pesada, mas o investimento nestes reservatórios sempre implicou uma requalificação do espaço publico à sua superfície. Eles começaram a interligar as coisas.”, resume a arquiteta.

Debaixo do parque Joan Miró, por exemplo, está um dos maiores coletores de água da chuva. Um dos dois depósitos subterrâneos ali colocados tem capacidade para reter 55 mil metros cúbicos de água, o equivalente a 20 piscinas olímpicas, por exemplo.

Travel Stock - Barcelona

Em Barcelona há um coletor gigante por baixo do parque Joan Miró

PA Images via Getty Images

O sistema desenhado em Barcelona após as cheias de 1996 contém 15 depósitos e uma rede de 1650 quilómetros de escoamento por toda a cidade, o que tem “aliviado os efeitos da chuva na cidade”, de acordo com a investigadora María del Carmen Llasat. Mas, segundo ela, não chega: “A permeabilidade do solo deve ser aumentada, criando pavimentos que permitam à chuva infiltrar-se no solo, e devem ser criadas mais áreas para espaços verdes.”

É isso que tem precisamente feito a cidade de Copenhaga, capital dinamarquesa. Desde o fenómeno de chuvas rápidas que assolou a cidade em 2011 que a autarquia tem combinado o reforço de coletores e tubos subterrâneos com outro tipo de soluções mais naturais. Por um lado, está a investir mais de 1,5 mil milhões de euros para criar um plano de drenagem subterrâneo que escoe a água da chuva para o porto da cidade; por outro, complementa-o com uma rede de parques que conseguem funcionar como reservatórios à superfície que também estão ligados a ruas, de forma a escoar a água para o porto.

Esta última solução é uma das que Poças Martins diz fazer todo o sentido, por ser “uma solução simples, barata e que minimiza muito os riscos”. “Os jardins, se construídos a um nível mais baixo, podem funcionar como bacias de retenção”, afirma, apontando que a renovação da Praça de Espanha já foi feita a pensar neste cenário. Uma solução também amplamente elogiada por Maria Matos Silva: “Nos próximos cinco anos, uma medida como a da Praça de Espanha pode não fazer muita diferença, mas daqui a 20 anos vai fazer. Vai ser uma medida que ganhou maturação, que absorve e infiltra melhor a água, ao contrário da infraestrutura pesada dos túneis de drenagem, que terá envelhecido.”

Copenhagen / Denmark. 21 October 2013_ Consumers are walking in rain on stroeget amager torv (Photo by Francis Joseph De

A cidade de Copenhaga aposta cada vez mais em soluções complementares, misturando uma rede de parques reservatórios com túneis subterrâneos

Corbis via Getty Images

Por agora, porém, os túneis do plano de drenagem são o grande objetivo para a cidade, com propostas como a da Praça de Espanha a serem ainda residuais. “Para plano de drenagem, o plano está super eficaz, mas não podemos querer só drenar a água para fora de Lisboa”, alerta Matos Silva, que destaca que os problemas não se limitam à chuva, mas são combinados com questões como a subida do nível das marés, para o qual os túneis não têm resposta total.

Há aqui uma visão a curto-prazo. Estamos num período dramático e queremos uma solução rápida que resolva tudo em cinco anos. Sim, este tipo de inundações vão ser resolvidas com o plano de drenagem. Mas só vai resolver para os próximos 50 anos, não mais. É um remendo“, afirma a professora.

"Há aqui uma visão a curto-prazo. Estamos num período dramático e queremos uma solução rápida que resolva tudo em cinco anos. Sim, este tipo de inundações aí vão ser resolvidas, com o plano de drenagem. Mas só vai resolver para os próximos 50 anos, não mais. É um remendo", afirma a professora.

Já o engenheiro Poças Martins deixa elogios à forma como o plano de drenagem está concebido, mas deixa um aviso: “Isto resolverá os problemas maiores, mas não todos”, destacando que os túneis ajudarão a aliviar a situação em zonas como Campolide e Sete Rios, mas não evitará cheias em toda uma cidade com muitas zonas de construção em leito de rio.

A que se soma um outro problema: “Continua a haver necessidade de manutenção”, avisa. Caso contrário, diz, continuaremos a ver situações como a do túnel do Campo Pequeno, que ficou alagado nos últimos dias. “Os túneis bem feitos têm buracos no fundo e bombas, que permitem que a água não se acumule. Ali isso não aconteceu: ou o projeto foi mal concebido ou não houve manutenção.”

A força bruta do ser humano para conquistar espaço à natureza pode já não ser suficiente, mas as alternativas existem. Continua, porém, a depender das autoridades que planos como o que Lisboa vai construir funcionem e perdurem no tempo.

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