Sacos de plástico com retalhos de tecido no chão, uma mesa de madeira repleta de rolos de linhas, agulhas, alfinetes, tesouras e fitas métricas. Ao fundo, uma tábua de engomar, quatro máquinas de costura, um manequim, peças penduras em cabides nas janelas, moldes de cartão e um computador. Desde janeiro que o quarto de Maria Carlos Baptista está convertido num verdadeiro ateliê de costura. O motivo? A coleção que irá apresentar juntamente com a irmã mais velha, Inês Manuel, esta quinta-feira na passerelle principal do Portugal Fashion.
Maria e Inês têm cinco anos de diferença, nasceram em Coimbra e desde miúdas que desenvolveram uma sensibilidade especial para as artes. “A nossa mãe pintava azulejos e dançava por isso sempre fomos muito estimuladas criativamente lá em casa”, conta Maria ao Observador. Começaram por dançar ballet clássico, e até chegaram a dar aulas, Maria seguiu a paixão pelo movimento na Escola Superior de Dança e Inês licenciou-se em história de arte.
Uma lesão nas costas afastou, em 2017, Maria Carlos Baptista dos palcos e aos 25 anos viu-se obrigada a encontrar uma nova forma de expressar e materializar toda a sua energia e criatividade. “Já fazia moodboards com recortes de revistas, tinhas várias referências e pesquisava muita coisa na internet que me elencava sempre para a moda, mas fazia-o quase sem querer. Naquela altura estava tão frustrada e deprimida que só queria aprender algo que me trouxesse algum alento e o design de moda foi uma novidade para mim.”
Inscreveu-se na Modatex e inspirou a irmã mais velha a “brincar” com uma máquina de costura. “As nossas avós tinham máquinas de costura, mas em miúdas não ligávamos nenhuma. Quando dava aulas de dança comecei a achar piada às provas dos figurinos para os espetáculos, foi a partir daí que comecei a olhar para a roupa de outra forma e a pensar no que ela nos poderia dar”, afirma Inês, que decidiu desviar-se da história de arte para se inscrever num curso design de moda na Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa.
Em 2020, já com os estudos concluídos, concorreram ao concurso Sangue Novo da ModaLisboa, Maria não foi selecionada, mas Inês venceu a competição, o que lhe permitiu voar para Florença para fazer um mestrado. Meses depois foi a vez de Maria também se afirmar no setor, vencendo o concurso Bloom do Portugal Fashion, plataforma que levou o seu trabalho até à Semana de Moda de Paris, em outubro passado.
A mulher, o upcycling, o pragmatismo e o método experimental
Apesar de irem às compras juntas, partilharem frequentemente inspirações ou pesquisas e até adotarem o mesmo estilo, onde a roupa preta impera, trabalharem juntas em moda não era propriamente um objetivo, mas aconteceu. “Regressei a Portugal em outubro e ainda não tinha a certeza se iria apresentar na ModaLisboa a coleção que desenvolvi em Itália, o que acabou por acontecer. A Maria começou a fazer a dela para o Portugal Fashion, foi-me pedindo opiniões e quando demos por nós estávamos as duas com o lineup praticamente montado, surgiu tudo muito naturalmente”, recorda Inês.
Se Maria é prática e pragmática, gosta de controlar imprevistos, não trabalha bem sob pressão e desenvolve coleções a pensar no que é mais comercial ou funcional, Inês é dona de um processo criativo mais experimental e conceptual, sugere ideias até ao último minuto e coloca-as em prática de uma forma instintiva e intuitiva. “Achávamos que ia ser mais harmonioso, mas está a ser super intenso e desafiante. Temos personalidades fortes, percursos diferentes e uma identidade muito própria a trabalhar, mas acho que nos completamos bem.”
A coleção, composta por 15 coordenados femininos, tem o cavalo como elemento chave e mote de inspiração, um animal que personifica de certa forma a relação entre as duas. “Vi umas imagens de cavalos e percebi que ao trabalhar a partir delas podia fazer coisas mais extravagantes em termos de textura ou de formas e evoluir com isso”, começa por explicar Maria, acrescentando que o animal sugeriu outros elementos que ajudaram a dar significado a cada proposta visual.
“Iríamos precisar de cabelos, perucas, pelos, estruturas grandes, musculadas e robustas, capazes de transmitir toda a fisicalidade do cavalo. Por um lado, ele é denso e imponente, por outro tem sensibilidade e delicadeza, foi essa dualidade que tentamos explorar, quase como a nossa relação, funciona bem organicamente, mas depois é impetuosa porque somos irmãs.”
Silhuetas longas e com volumes, transparências, contrastes entre tecidos leves e outros mais pesados, casacos em pele ou em lã, peças acetinadas ou com ganga são alguns elementos presentes na coleção, onde o upcycling e a utilização de desperdícios de produção são processos que unem Maria e Inês. “Reutilizar materiais que seriam lixo em fábricas é uma preocupação nossa e não vemos como uma limitação ou uma barreira, antes pelo contrário. É um desafio que nos leva a fazer o melhor que podemos com aquilo que temos e a não repetir o mesmo material ou a mesma peça”, explica Maria.
Uma das intenções de Inês é fundir a moda com o seu interesse pela história de arte, o seu gosto pelo vintage e a sua vontade em dar uma nova vida a peças em segunda mão. “O meu registo pode passar por aí, reunindo o que me rodeia e o que me inspira, que na verdade pode ser uma obra de arte, um pássaro, uma nuvem, um som ou até mesmo um sentimento.”
No futuro, as duas irmãs não descartam o cenário de voltarem a unir esforços, querem explorar o universo masculino com a alfaiataria, abrir um estúdio com uma equipa de trabalho estruturada e conquistar os países do norte da Europa. Garantem que querem deixar “uma pegada na cultura do mundo”, juntando várias artes às suas visões, para já apresentam juntas pela primeira vez uma coleção de moda. “São meses de trabalho para apenas seis minutos, é frustrante, mas é o mais próximo que temos de ir a palco, sentir as palmas e o calor das pessoas.”