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Group Portrait Of Duran Duran
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Os Duran Duran em Londres, em 1981. Da esquerda para a direita, o guitarrista Andy Taylor, o baixista John Taylor, o vocalista Simon Le Bon, o baterista Roger Taylor e o teclista Nick Rhodes. © Michael Putland/Getty Images

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Os Duran Duran em Londres, em 1981. Da esquerda para a direita, o guitarrista Andy Taylor, o baixista John Taylor, o vocalista Simon Le Bon, o baterista Roger Taylor e o teclista Nick Rhodes. © Michael Putland/Getty Images

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Duran Duran. Como os peacock punks dominaram a pop de início dos anos 80

Isilda Sanches nunca comprou nenhum álbum dos Duran Duran. 40 anos depois do disco de estreia dos rapazes de Birmingham, vai além do invólucro pop que outrora desdenhou e rende-se aos grandes singles.

Portugal, 1981. Um sábado qualquer. Na televisão, o programa ViváMusica passa o teledisco de “Planet Earth” dos Duran Duran. Era demasiado miúda para contextualizar o que quer que fosse, estava atenta ao que se passava, mas ainda não tinha ouvido falar de neo românticos, nem sabia quem eram os Duran Duran, embora já tivesse ouvido a canção na rádio. Se não fossem os telediscos, acho que nunca lhes teria dado muita importância. Na altura, os videoclipes chamavam-se telediscos e eram uma fascinante novidade porque encenavam fantasias e chamavam-nos para dentro delas, criando uma ideia de quase intimidade com os artistas. Ainda não tinha visto muitos, mas gostava de telediscos. Por isso ficava de olhos postos na TV quando passavam e, por isso, estava atenta quando apareceu no ecrã a imagem de um rapaz de ombros nus que parecia ser sugado por um vortex azul, ao som de “helicópteros”, e depois a imagem de uma banda a tocar em cima de uma plataforma de gelo, ou cristal. Talvez tenha demorado uns segundos a reagir, primeiro tive que decifrar as imagens, mas fiquei fascinada com aqueles rapazes que pareciam raparigas, com a maquilhagem que usavam, os cortes de cabelo, as roupas extravagantes que vestiam e a forma como dançavam. E também gostei muito mais da canção depois de ver o teledisco, porque fiquei a saber como se dançava. A partir daquele momento, fiquei atenta a tudo o que aparecia sobre os Duran Duran, até revistas alemãs como a Bravo ou a Pop Rocky, que não compreendia, mas comprava porque tinham sempre muitas fotos. Decretei desde logo os meus preferidos: John Taylor, o baixista, que eu identificava como o mais alto e mais giro, e por quem tive uma valente paixoneta, e Nick Rhodes, o teclista, de certo modo discreto no seu exagero ultra romântico, um quase pierrot de camisa de folhos e cabelo laranja, que rapidamente associei, precisamente porque os telediscos começavam a aparecer na TV, a “Ashes to Ashes” de Bowie.

Na minha cabeça de pré adolescente com celebrity crush, até fazia as associações certas, mas não tinha ideia de como uma coisa levava a outra, ou seja, como David Bowie, que mal conhecia, mas já tinha visto maquilhado e de saltos altos, era importante, não só para os Duran Duran, mas para todos os “futuristas”, como eram rotuladas então, em Portugal, bandas como Classix Nouveaux, Spandau Ballet ou Visage.

Group Portrait Of Duran Duran

Os neo românticos eram um fenómeno de moda. Revistas como a I-D e a Face, ambas lançadas em 1980, acompanharam de perto e alimentaram todo o teatro e Vivienne Westwood levou-o à London Fashion Week

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Dos Visage conhecia apenas “Fade To Grey”, mas eram um pilar no movimento neo romântico britânico. Steve Strange, o vocalista (falecido em 2015), era o cabecilha da cena, dirigia o clube Blitz, em Londres, o epicentro de tudo. O clube foi criado em 1979, depois de algumas noites temáticas dedicadas a Bowie terem ficado demasiado concorridas para os espaços pequenos onde aconteciam desde 1978. Tudo parecia emergir do Blitz. Boy George trabalhou no bengaleiro, os Spandau Ballet eram a banda da casa, toda a gente passava por lá. Descobri isso muito mais tarde, já os neo românticos tinham passado à história. Na altura, para consumir aquela música não era preciso grande enquadramento, pelo menos em Portugal. Na verdade, ninguém cá, além dos adolescentes, parecia levar os neo românticos suficientemente a sério para escrever longas explicações sobre eles. No Reino Unido, as coisas eram diferentes e o movimento neo romântico era dominado pela imagem ultra cuidada, embora também sejam evidentes elementos comuns no som das bandas que dele emergiram (normalmente uso de sintetizadores, o que cria muitas confusões com o synth pop de grupos como os contemporâneos Depeche Mode, ou os Japan, que não são neo românticos).

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Se quisermos, os new romantics são os filhos bastardos do punk e do glam rock. Vinham da encenação punk mas eram influenciados pelo romantismo do séc XIX, o construtivismo russo ou cabaret dos anos 30, obcecados por maquilhagem muito marcada, cortes de cabelo pomposos e teatralidade. Não é por acaso que lhes chamavam peacock punks, punks pavões, ou “haircut bands”, um rótulo dado por americanos mais céticos.

[“Girls on Films”, o tema de abertura do álbum de estreia, homónimo, de 1981]

Tal como figuras do glam rock como David Bowie, ou Roxy Music, os neo românticos cultivavam a ambiguidade sexual como provocação e afirmação de individualidade, mas faziam-no de forma metódica e consistente, não para subir a um palco, mas para ir a um clube. Existiam em muito devido a um processo de seleção natural controlado por Steve Strange à porta do Blitz. O seu nível de exigência como porteiro era de tal forma elevado que barrou Mick Jagger, uma noite em que ele apareceu bêbado e a exigir entrada, sem estar vestido ou maquilhado a rigor. Era uma estrela mas não tinha pose, e a pose era tudo para os chamados Blitz Kids, a elite de figuras carismáticas que Strange acolhia no seu domínio privado e que, em 1980, David Bowie recrutou (Strange incluído) para aparecerem no teledisco de “Ashes to Ashes”.

Os neo românticos eram um fenómeno de moda. Revistas como a I-D e a Face, ambas lançadas em 1980, acompanharam de perto e alimentaram todo o teatro e Vivienne Westwood levou-o à London Fashion Week, em 1981, com uma Coleção Pirata que seria popularizada por Adam And The Ants e Bow Wow Wow, duas bandas controladas por Malcolm Mclaren. Mclaren tinha inventado os Sex Pistols e, com Vivienne Westwood, fora responsável pelo conceito visual do punk tal como ficou conhecido. O facto da criadora britânica ter abraçado as referências dos neo românticos quando começava, ela própria, a ser reconhecida, reforça uma certa ideia de continuidade entre os punks e os peacock punks. Os primeiros eram desleixados e ruidosos, mesmo quando exageravam na maquilhagem, os segundos, elegantes, exageravam em tudo, sobretudo na maquilhagem. Eram feitos para a fotografia. Masculino e feminino confundiam-se, a androgenia imperava, na roupa como no aspeto e, apesar de alguma consternação inicial, ser uma coisa e parecer outra, era uma marca dos tempos. Basta lembrar Boy George, adorado por mulheres de todas as idades no mundo inteiro, interessadas, no mínimo, em trocar dicas de maquilhagem com ele. Mas isso só aconteceu em 1982, quando rebentou “Do You Really Want To Hurt Me”, dos Culture Club. Em 1981, Boy George já era uma estrela do Blitz, mas ainda não tinha sucesso.

Apesar de Londres ser a capital da cena, os neo românticos tinham locais de culto noutras cidades do Reino Unido, nomeadamente em Birmingham, onde viviam os Duran Duran. A banda tinha ideias particulares sobre a música que queria fazer, reunindo influências de Bowie, Disco Sound e dos Japan, por exemplo, e era muito próxima de Jane Kahn e Patti Bell, influentes designers de moda que tinham uma loja de roupa e vestiam a cena neo romântica local. Foram elas que desenvolveram todo o look dos Duran Duran e ditaram o seu estatuto de meninos bonitos da pop eletrónica e do movimento neo romântico. Duvido muito que o impacto tivesse sido o mesmo, se tivessem usado roupas e penteados mais convencionais. Imaginem o teledisco de “Planet Earth” com eles vestidos de ganga…

Photo of DURAN DURAN

Simon Le Bon a atuar em dezembro de 1981, no Hammersmith Odeon

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Durante muito tempo, fruto de um processo de autocrítica que me fez desdenhar de alguns ícones de fim de infância, achei que os Duran Duran eram só imagem, roupas e caras bonitas, uma de várias bandas feitas no molde criado para satisfazer as fantasias de adolescentes em busca de símbolos sexuais. Nunca comprei nenhum álbum deles, embora o primeiro fosse uma hipótese quando comecei a juntar dinheiro para me estrear na compra de música. Acabou, no entanto, por ser censurado devido a uma inflexão de gosto que me levou a interessar por coisas “não comerciais” (comprei Big Science de Laurie Anderson). Ouvindo 40 anos depois, o primeiro álbum dos Duran Duran com alguma atenção, percebe-se que, também eles, tentavam fazer coisas diferentes, ainda que dentro do invólucro pop. Tiremos os telediscos e as fotografias da equação e os grandes singles, “Planet Earth” e “Girls on Film”, sustentam-se pela música, o primeiro a lembrar “I Feel Love” logo na abertura (o tal “helicóptero”), baixo galopante e guitarra nervosa, com ritmo bem marcado e palmas; o segundo, ritmicamente contagiante, perfeito para pista de dança, com baixo e bateria a manter o groove no ponto certo. Além dos singles, há “Night Boat”, com teclados cósmicos, baixo pulsante tipo Disco e toques post punk, “Tel Aviv” com uma inusitada parte orquestral e canções como “Late Bar” ou “Friends of Mine”, que parecem revelar agora mais nervo do que então.

[Foi você que pediu mais um hit orelhudo? Cá está ele, “Planet Earth”]

Moby terá dito que os Duran Duran foram vítimas da “maldição Bee Gees”: eram bonitos, escreviam boas canções e vendiam muitos discos, por isso caíram em desgraça junto dos críticos. Na verdade, aconteceu com a generalidade dos grupos da cena, que acabaram por desaparecer quando a decadência, inevitavelmente, se instalou depois da euforia. Os neo românticos começaram a desvanecer-se em meados dos anos 80, com a maquilhagem esborratada e a pose estragada pelas drogas duras. Muitas bandas foram-se demarcando publicamente, como os Soft Cell, que afirmaram ter sido acidentalmente associadas à cena, os Spandau Ballet fizeram a rutura com True, quando começaram a usar fato, os Classix Nouveux terminaram em 1985. Em meados dos anos 80, os Duran Duran também começaram a mudar de aspeto e de som. A partir dai começou a olhar-se para os neo românticos com distância, reconhecendo-os como expressão de moda numa sequência de fotografias e telediscos, mas pouco mais. No inicio deste século, o electroclash ainda recuperou algumas poses e até sonoridade, os Fischerspooner são bom exemplo disso, mas todo o movimento ficou cristalizado do tempo, como imagem de marca cliché dos anos 80.

Em retrospetiva e enquanto álbum saído no pico do fenómeno, o primeiro álbum dos Duran Duran até sobreviveu melhor do que muitas fotografias e videoclipes da época.

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