A poucos dias para a primeira volta das eleições presidenciais no Brasil, o cenário político segue reconfigurado devido à morte do ex-candidato Eduardo Campos. A queda nas últimas sondagens de Marina Silva, considerada até então a principal força rival à reeleição da atual presidente Dilma Rousseff, somada ao crescimento da intenção de voto dos grandes centros urbanos no candidato de oposição ao governo, Aécio Neves, tornam a corrida ao Planalto em 2014 uma das eleições mais movimentadas da história do país. Com três candidatos principais na disputa, que diferenças há entre as suas propostas? O que separam Dilma, Marina e Aécio?
O Observador elaborou uma lista com os 25 temas mais recorrentes da campanha eleitoral no Brasil com o objetivo de confrontar as opiniões dos candidatos em cinco áreas temáticas: economia, política, programas sociais, políticas sociais e educação e meio ambiente. Como os três programas de governo registados no Tribunal Superior Eleitoral são apresentados de maneira genérica sem medidas efetivas com as quais os candidatos se comprometem, foi necessário assistir aos debates televisivos e às principais entrevistas dos presidenciáveis para a realização dos quadros comparativos.
A presidente Dilma Rousseff, por exemplo, declarou que o seu programa de governo é o período de quase quatro anos que está à frente da Presidência da República e que já está a mostrar as suas propostas diariamente nos programas eleitorais na televisão e na internet. No entanto, de acordo com o jornal Folha de São Paulo, o motivo seria a falta de consenso do Partido dos Trabalhadores (PT) sobre alguns temas, como a Lei da Amnistia, a sustentabilidade da segurança social e a redução da jornada de trabalho.
Já Aécio Neves, candidato do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), afirmou em entrevista à televisão realizada na última semana que o seu programa de governo deve ser apresentado nos próximos dias e que as suas propostas, apesar da ausência do documento, são conhecidas porque já foram levadas ao Tribunal Superior Eleitoral.
A candidata do Partido Socialista Brasileiro (PSB), ao contrário dos seus concorrentes, divulgou desde o início da corrida presidencial o seu plano de governo no site da candidatura. Entretanto, um dia depois de divulgar o seu plano, a equipa de Marina modificou o documento retirando o trecho que apoiava a criminalização da homofobia e o casamento entre pessoas do mesmo sexo, alegando “falha processual na editoração”. Os itens que ganharam nova redação coincidem com as críticas feitas pelo Pastor Silas Malafaia, importante liderança do movimento evangélico no Brasil, no qual ameaçava pelo Twitter não apoiar a candidata nas eleições se o programa não fosse revisto.
Outra alteração no programa foi na agricultura no que diz respeito às regras de produtividade para o setor rural e à desapropriação de terras consideradas improdutivas para a reforma agrária. Esta mudança foi anunciada pelo vice-presidente de Marina Silva, Beto Albuquerque (PSB), em discurso para alguns dos principais líderes e empresários agrícolas no 3º Fórum Nacional de Agronegócios realizado há duas semanas.
As mudanças no programa de Marina também foram censuradas por Dilma Rousseff, que criticou o que avalia como idas e vindas das posições da candidata. “Acredito que tem um problema, não sei se em todas as candidaturas, mas pelo menos em duas, que é o seguinte: num dia você defende uma coisa e no outro você defende outra. Quem muda de programa igual muda de casaco, a culpa não é do programa, a culpa é de quem muda”, contestou na última semana durante campanha na cidade de Ribeirão das Neves.
Iguais e diferentes
Entre propostas, promessas e alguns assuntos ainda sem posicionamento claro, veja a seguir a opinião dos três principais candidatos no debate eleitoral.
O tema da economia é a zona de principal divergência entre os candidatos. Enquanto Dilma Rousseff defende o desenvolvimento com distribuição de rendimentos e uma política de valorização do salário mínimo e do pleno emprego, Marina Silva e Aécio Neves concordam sobre a importância de uma agenda recessiva com políticas de austeridade fiscal para se reduzir a inflação sem depender apenas da alta dos juros. Neste sentido, Marina e Aécio comprometem-se com o tripé macroeconómico (juros altos, superavits primários elevados e câmbio flutuante), enquanto Dilma não cita o termo tripé macroeconómico, apesar de defender a flexibilidade da taxa de câmbio, o rigor da gestão fiscal e a estabilidade da inflação.
Outro tema que diferencia as candidaturas é a independência do Banco Central. No Brasil, é o Presidente da República quem indica o presidente do Banco Central, define as suas metas e supervisiona a sua execução. Dilma apoia a autonomia operacional do órgão, mas argumenta que a economia precisa ser dirigida por aqueles que são eleitos. Aécio Neves defende mais autonomia do banco, pois acredita que o mercado pode autorregular-se. Já Marina Silva tem uma posição mais firme e defende uma independência garantida por lei.
A reforma política é um tema recorrente em cada eleição presidencial, apesar dos poucos avanços na área. Num ponto, os três candidatos estão de acordo: o fim da reeleição e ampliação do mandato de quatro para cinco anos.
Contudo, Aécio defende a diminuição dos atuais 39 ministérios para metade e diz que estes servem apenas para que o governo construa uma base política. Marina, por sua vez, concorda com a redução no número de ministérios como forma de dar mais eficiência aos gastos públicos, mas não se compromete em apontar quais serão abolidos. Já Dilma mostra-se aberta a discutir quais ministérios deveriam ser fundidos, em função das necessidades atuais do país. “Quero saber se alguém vai fechar a secretaria das Micro e Pequenas Empresas ou a de Direitos Humanos. (…) A secretaria de Políticas para Mulheres ser um ministério dá um status para o combate à violência contra a mulher. É uma imensa cegueira tecnocrática não perceber esse status”, afirmou.
Aécio e Marina reconhecem a importância dos programas sociais instalados durante os governos de Lula e Dilma e afirmam não terem intenção de interrompê-los, apesar de terem algumas reservas.
Sobre o Bolsa Família, programa de transferência de renda para famílias que vivem abaixo da linha da pobreza, o candidato do PSDB defende nesta eleição a sua ampliação com a introdução de novos benefícios e a adoção de um novo critério para a seleção dos seus beneficiários, além de prometer a revisão do contrato dos médicos cubanos para igualar a sua remuneração a de um médico brasileiro. Por sua vez, Marina Silva classificou o Programa Mais Médicos como uma medida complementar a outras iniciativas que deveriam ser tomadas para melhorar os serviços de saúde à população, como a ampliação dos gastos em saúde de sete para 10% das receitas.
A Lei do Aborto e a criminalização da homofobia são temas que ganharam especial projeção mediática nestas eleições.
Em entrevista ao jornal O Globo, Dilma Rousseff defendeu a interrupção da gravidez por motivos “médicos e legais” e a sua realização em todas as unidades do sistema público de saúde, o que deixa um espaço aberto a interpretações sobre a possível ampliação da Lei do Aborto. Entretanto, a secretaria de Imprensa da Presidência ressalvou que esse posicionamento é de Dilma como Presidente da República, e não como candidata à reeleição. Tanto Aécio Neves quanto Marina Silva considera que a legislação atual já trata de forma adequada os casos em que o aborto deve ser autorizado.
A candidata do PSB enfrentou um forte desgaste público ao mudar o seu programa de governo nos temas do casamento igualitário, ao reduzir o seu apoio à união civil entre pessoas do mesmo sexo e à criminalização da homofobia. Dilma, por sua vez, comprometeu-se em apoiar a proposta que torna a homofobia crime, semelhante ao que hoje ocorre com o racismo, apesar das críticas de que esta proposta surgiu apenas após o recuo de Marina. Aécio Neves diz ser favorável à criminalização de atos de discriminação contra homossexuais e defende a união civil entre pessoas do mesmo sexo.
Os três candidatos reconhecem que há importantes melhorias a ser feitas nas áreas da educação e cultura, mas são pouco específicos quanto a propostas concretas. Dilma, Aécio e Marina concordam em incentivar a formação de professores e melhorar a sua remuneração e falam na implantação de uma grelha curricular em tempo integral. Os candidatos do PSB e do PSDB criticam a gestão da cultura da presidente Dilma Rousseff, mas há convergência em boa parte das suas propostas para a área, como é o caso da ampliação e revisão da Lei Rouanet, que premeia o investimento em cultura com incentivos fiscais.
Quanto à exploração do pré-sal, conjunto de rochas localizadas sob o oceano e abaixo de uma camada de sal onde há uma grande acumulação de petróleo, há três posições diferentes. Marina Silva defende que o pré-sal é “uma prioridade entre outras” e promete explorar os seus recursos, mas também investir nas fontes renováveis e sustentáveis, tanto no setor elétrico como na política de combustíveis, com especial ênfase na energia solar, eólica e na biomassa. Por outro lado, Dilma não nega a importância no investimento em energias renováveis, mas destaca a relevância económica do petróleo para o futuro do país como gerador de receitas. Já Aécio Neves defende a retoma do programa do etanol como política energética, mas não faz referências diretas ao “pré-sal” ou à redução do consumo de combustíveis fósseis.
Além de Dilma Rousseff, Aécio Neves e Marina Silva, concorrem às eleições presidenciais brasileiras outros oito candidatos: Eduardo Jorge (PV), Eymael (PSDC), Levy Fidelix (PRTB), Luciana Genro (PSOL), Mauro Iasi (PCB), Pastor Everaldo (PSC), Rui Costa Pimenta (PCO) e Zé Maria (PSTU). De acordo com a última sondagem realizada pelo instituto Datafolha, os oito candidatos juntos têm 4% das intenções de voto.