Bruno de Carvalho e Pedro Madeira Rodrigues têm menos de um ano de diferença (o último fará 46 na próxima semana, o primeiro fez 45 no mês passado) e, sendo da mesma geração, um ponto em comum une-os além do sportinguismo: na altura de nomearem as suas referências futebolísticas, salta desde logo para a conversa Oliveira-Jordão-Manuel Fernandes, o Trio Maravilha que se juntou em 1981 para, em apenas uma época, ganhar todas as provas: campeonato, taça e supertaça. Depois, se forçarmos mais um nome, a resposta já é diferente – Madeira Rodrigues recorda Keita, o avançado maliano que alinhou entre 1976 e 1979 no Sporting, Bruno de Carvalho evoca Balakov, o génio búlgaro que fez magia em Alvalade entre 1990 e 1995. Porque, para além desta tríade futebolística, eles discordam em quase tudo.
(E como ambos gostam de ouvir histórias menos conhecidas sobre o Sporting e este sábado é dia de eleições, aqui deixamos dois parágrafos para ambos se entreterem e até comentarem com os amigos mais próximos enquanto aguardam pelos resultados do sufrágio)
Nascido em Bamako, Keita chegou ao Sporting com um certo estatuto depois de ter ganho vários títulos pelo Saint-Étienne, antes de passar por Marselha e Valência. Já perto dos 30 anos, condicionado pelo limite de estrangeiros vigente nos anos 70, viu nos leões uma boa oportunidade e aceitou o convite de João Rocha… à condição: teria de ficar definido que não iria treinar à segunda-feira nem faria estágios nos jogos em casa. O presidente verde e branco disse que sim a tudo, mas o maliano não ficou convencido. Vai daí, chegou ao balneário dos leões e explicou a todos, sem exceção, o que ficara acordado.
“Se alguém não concordar pode dizer sem problemas, se for mau para todos nem assino. Agora, depois de estar no clube nunca me poderão dizer nada a este propósito”, terá referido no final da conversa. Ninguém disse nada. E mais curioso: todos recordam Salif Keita como um dos maiores profissionais com quem já trabalharam, sendo quase sempre dos primeiros a chegar e dos últimos a sair dos treinos, onde ficava muitas vezes a treinar livres, remates e piques.
Krassimir Balakov fazia parte de uma das maiores gerações de sempre do futebol da Bulgária e acabara de sagrar-se campeão pelo Etar Tarnovo. Lucídio Ribeiro, agente que no início dos anos 90 trabalhava muito com os clubes portugueses, fez a ponte do negócio com o Sporting, por um valor acima de um milhão de dólares. Mas tudo poderia ter abortado no aeroporto, à chegada a Lisboa, antes dos habituais exames médicos – os leões procuravam um ponta-de-lança, Ribeiro falou dele como tal, mas o canhoto era, e sempre foi, um ‘10’.
Cintra, que só falava português, ainda arriscou uma conversa com Balakov, que de português nem uma palavra. E ria-se muito. O presidente do clube foi pelo instinto e disse que ficava com ele, mesmo não sendo aquele ponta-de-lança que se procurava, porque tinha cara de craque. E era mesmo.
(Fechado este parênteses, voltemos então ao que nos leva a este texto, os dois candidatos que hoje disputam as eleições do Sporting)
Pedro e Bruno: o futebol, a luta livre e a ligação à política
Pedro Madeira Rodrigues nasceu em Lisboa a 8 de março de 1971, um dia antes do guionista John-Michael Tebelak e o escritor Stephen Schwartz se juntarem e fazerem o musical Godspell, que o atual candidato da lista A viria mais tarde a adaptar (estamos a avançar na história mas fica já com essa informação: o candidato é de escrever).
Teve uma infância feliz, com a bola sempre na sua companhia. Aos oito anos foi fazer testes ao seu clube, mas o corpo franzino que lhe valeu as alcunhas de “canina” ou “rodas baixas” adiou o sonho de jogar pelo Sporting. Adiou, apenas. E não foi por mais de três anos: dos 11 aos 14, jogou mesmo nas camadas jovens dos leões, como lateral direito (aquela posição que poucos miúdos escolhem, mas que todos acabam por aceitar, mesmo ficando longe dos golos).
Queria ser como Artur Correia, o Ruço, que morreu recentemente. A certa altura, os estudos ganharam a luta e, para manter as boas notas, o futebol reduziu-se apenas às jogatanas entre amigos. Antes disso, há um jogo que recorda com particular emoção: um triunfo que viu em Alvalade com o pai frente à U. Leiria por 3-0, fundamental para a conquista do título de 1980. Chorou de alegria. Nessa época já funcionava em casa muito à base do “máxima liberdade, máxima responsabilidade”, o que lhe permitiu uma ida brusca às Antas, de autocarro, para ver um clássico do Sporting frente ao FC Porto no antigo estádio dos dragões.
Já Bruno de Carvalho nasceu a 8 de fevereiro de 1972 em Lourenço Marques, para onde a família viajara quando o pai fazia o Laboratório de Engenharia Civil, mas cedo voltaria para Lisboa superando um dos poucos medos que tinha: voar (recorreu mesmo a ajuda específica para superar a fobia). Viveu no (seleto) Bairro Azul em Lisboa até ir para a faculdade, tendo um bom rendimento escolar apesar das reguadas de que, de quando em vez, não se livrava – quando o assunto das aulas não lhe interessava, era um problema por causa do estilo (ainda hoje) irrequieto. Para ele, para os colegas do lado e para os professores.
Entrou pela primeira vez em Alvalade aos seis anos e desde logo disse ao pai que um dia gostava de ser presidente do Sporting, ao contrário de Madeira Rodrigues, que sempre teve a ambição de ser jogador. O atual presidente nunca foi fabuloso no futebol, gostava só de jogar à frente naquela posição em que basta empurrar para a baliza e fazer golos. Na escola, ficava fascinado com Futre e Litos, os artistas mais jovens dos leões na altura. Não tinha muito talento na bola, mas detinha jeito para outros desportos: começou pela luta livre, na zona da Serra da Estrela de onde o pai é natural, e até teve um convite para ir para o Sporting, mas como era para o boxe recusou. Passou depois para o râguebi.
A política acabou por estar desde pequeno na sua vida. Não que ligue muito – agora admite mesmo que não faz muito sentido falar-se, por exemplo, de direita e esquerda. No entanto, foi muito próximo de José Pinheiro de Azevedo, o tio-avô primeiro-ministro no VI Governo Provisório do PREC, antes de perder as eleições presidenciais de 1976 para Ramalho Eanes. E notam-se parecenças de feitio com um dos homens mais pitorescos da política portuguesa.
A mãe de Bruno de Carvalho, sobrinha do almirante, trabalhou também no gabinete de figuras como Francisco Pinto Balsemão ou Francisco Sá Carneiro. Quando ia para a Assembleia da República, o agora candidato da lista B tentava sempre fazer das suas às escondidas e um dia foi mesmo apanhado a discursar no púlpito. Para ganhar mais uns trocos para a mesada, escrevia também um jornal político lá para casa, onde publicava os seus discursos. Tinha jeito, dizem-nos.
Pedro Madeira Rodrigues teve uma participação ainda mais ativa na vida política. Foi chefe de gabinete de dois ministros da Economia, entre 2002 e 2005: Carlos Tavares da Silva, no governo de Durão Barroso, e Álvaro Barreto, no período de Santana Lopes como primeiro-ministro. Quando o PSD deixou o poder, passou para a Câmara do Comércio e da Indústria Portuguesa, onde foi mais de uma década secretário-geral (posto que representava também na Câmara de Comércio Internacional). José Miguel Júdice, vice-presidente do órgão, lamentou a decisão de Madeira Rodrigues abandonar esse cargo para se candidatar a líder dos leões. “É uma má decisão para ele e uma boa decisão para o Sporting, o que faz dele um adepto mesmo ferrenho”, comentou.
Um curso de Gestão, dois caminhos profissionais
Madeira Rodrigues licenciou-se em Gestão e Administração no ISCSP-Universidade Técnica de Lisboa, com especialização em Recursos Humanos, tendo feito ainda um MBA na Universidade Nova e o Programa de Desenvolvimento de Liderança de Harvard. Afinal, o inglês sempre foi um dos seus fortes, o que lhe foi permitindo juntar mais uns trocos com traduções que ia desenrascando. Fez também pequenos estudos de mercado e… babysitting.
Em termos profissionais, e antes de ir para o governo, esteve na área dos Recursos Humanos em empresas como Gás Portugal, Aki e Cap Gemini Ernst&Young. Um caminho diferente de Bruno de Carvalho, apesar de terem até uma formação parecida.
O atual presidente licenciou-se em Gestão de Empresas pelo Instituto Superior de Gestão, tendo mais tarde feito um mestrado em Gestão do Desporto – Gestão de Organizações Desportivas na Faculdade de Motricidade Humana (mais tarde ainda tirou o curso de nível II UEFA de treinador de futebol, na Federação). Mas o que queria mesmo era Sporting, ou não tivesse ido morar sozinho para perto do estádio, na zona de Telheiras.
Em 1985, juntou-se à claque Juventude Leonina e foi na Curva que viu o célebre 7-1 ao Benfica, em dezembro do ano seguinte. Mais tarde, em 1990, passou para a Torcida Verde. Tinha o quarto forrado de cachecóis, posters e bandeiras do Sporting. E o primeiro contacto, ainda que indireto, com o dirigismo (ou dirigentes) aconteceu dois anos depois: durante 20 dias fez finca-pé à porta da porta 10-A de Alvalade para que se fizesse uma homenagem ao avô, Eduardo de Azevedo, irmão de Pinheiro de Azevedo, que tinha escrito “A Vida e História do Sporting Clube de Portugal” com ajuda de algumas das maiores figuras do clube, como Salazar Correia. Sousa Cintra, ao saber da história por um vice, falou com o jornal verde e branco e a referida nota foi mesmo feita.
Estávamos em 1992 e Pedro Madeira Rodrigues casava em Almeirim com Patrícia Lopo de Carvalho da Costa Félix (consultora e professora de História). Eram um casal novo e feliz, que aproveitou o advento das televisões independentes para participar em vários concursos e programas. O dinheiro que ainda ganharam serviu para a primeira casa. O candidato da lista A via jogos do Sporting, mas nunca esteve ligado a claques, preferindo locais mais “resguardados”.
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A Ajuda de Berço e a Fundação Aragão Pinto
A casa sempre foi o ponto de refúgio e equilíbrio para Pedro Madeira Rodrigues. Hoje, é pai de cinco filhos: Leonor, Graça, Francisco, Rosário e Diogo, todos entre os 11 e os 20 anos. E chegou a ser entrevistado por Rita Ferro para a revista Caras, em 2015, altura em que abriu as portas de casa para mostrar a família. Além do cargo que ocupava na Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, foi também um dos fundadores da Ajuda de Berço, em 1998 (hoje lidera a assembleia geral da instituição).
Bruno de Carvalho teve na Fundação Aragão Pinto o maior projeto de vida antes de chegar ao Sporting. Depois de ter sido diretor comercial da Reviloc, Lda. (1992-1994), empresário em nome individual no ramo de pavimentos e obras de construção civil (1994-1998) e sócio gerente da Bruno de Carvalho – Revestimentos, Soluções de Interiores e Representações Comerciais Lda. e da Soluções Atelier, Lda. (1998-2009), abraçou esse desafio para “suprir a falta que crianças desfavorecidas e deficientes têm de atividades de carácter cultural, educacional, lúdico e desportivo” . De seguida foi membro fundador do Fórum sobre os Direitos da Criança e Jovem e do Fórum Nacional do Álcool e Saúde; fundador e responsável da Rede de Voluntariado – Movimento de Integração Social para Desporto e Cultura; e coordenador para Portugal da campanha europeia contra a pobreza infantil EndChildPovertyNow!.
Antes, tinha feito um site comemorativo do centenário do clube com 101 atividades (o que lhe acabaria por valer um diferendo com o Sporting) e, entre 2008 e 2011, foi vice-presidente da Associação de Patinagem do Sporting – o hóquei existia mas não era modalidade oficial dos leões. Esta sempre foi a grande paixão de Bruno de Carvalho nos pavilhões, tal como o pai, e provavelmente a filha mais velha, Catarina, que já acompanhou o presidente leonino em alguns jogos. O atual líder dos leões, que se separou no ano passado da mulher, Cláudia, tem outra filha mais nova, Diana, que se fez associada no dia em que nasceu.
O primeiro encontro e o mundo dos musicais
A família sempre foi também uma âncora importante de Bruno de Carvalho, dos pais aos três irmãos, passando pelas filhas e pelos sobrinhos. Pode chegar atrasado, mas é raríssimo falhar algum momento importante daqueles que lhe são mais chegados. Define-se como alguém “leal, sensato, trabalhador e perseverante”, mas foi ganhando fama de conflituoso e irascível enquanto líder do Sporting. É tudo uma questão de perspetiva – se tem pela frente alguém que defenda os argumentos de forma consistente, ouve com atenção, aprende e gosta; se está em conversa com uma pessoa que não lhe diz nem acrescenta nada, há a possibilidade de explodir.
É isso que tem acontecido com frequência ao longo da campanha. Bruno de Carvalho e Pedro Madeira Rodrigues cruzaram-se pela primeira vez em 2011, numa altura em que o candidato da lista A era vogal no elenco de Pedro Baltazar a sufrágio. No início, o atual presidente ainda disse que “não se recordava, sinal de que não tinha nada contra ele”; depois, é o que se conhece e tem visto (fez mesmo uma imitação do adversário na Sporting TV).
Um ano depois dessas eleições, Madeira Rodrigues foi distinguido com o prémio Stromp, depois de ter escrito o musical “1906 – O nosso grande Amor”, que esteve em cena entre 25 e 29 de janeiro de 2012 no Teatro Tivoli com encenação de Matilde Trocado e participação de um dos filhos. Esta é a sua grande paixão, que nasceu quando tinha uns 20 anos e começou a ver musicais em Londres. Já em Portugal, foi acompanhando sempre os trabalhos de Filipe La Féria. O filme “Mamma Mia” foi o gatilho para começar a escrever, apesar de ter “Os Miseráveis” e “Godspell” como favoritos. Após ver a versão para crianças do último por Filipe La Féria e uma outra na Broadway, fez uma adaptação que lhe rendeu elogios.
Pink Floyd, U2 e o gosto por cinema
O filme preferido de Madeira Rodrigues é “A Vida é Bela”, que valeu a consagração de Roberto Benigni nos Óscares de 1999. Na música, vai pelos Pink Floyd e pela “Wish you were here”. Gosta de ir ao cinema, tal como Bruno de Carvalho. O agora candidato da lista B, “quando ainda tinha tempo”, costumava frequentar muitas vezes as salas do Alvaláxia. Não tem um género preferido, ao contrário da música onde prefere claramente os anos 80 e os U2, mas gosta de fazer rir e que o façam rir. Em casa, quando não começou o totalitarismo do canal Panda por causa da filha mais nova, perdia-se com as séries do AXN e da Fox. E adora um bom sushi.
Bruno de Carvalho ganhou alguns quilos nos primeiros meses na liderança do Sporting e, seguindo várias recomendações, começou a ir logo de manhãzinha ao ginásio e a ter muitos cuidados com a alimentação e, hoje, nem parece o mesmo que entrou no clube em 2013. O único vício que mantém é o tabaco, mesmo em menores quantidades, depois de uma fase onde conseguiu mesmo trocar os maços de cigarros pelo cigarro eletrónico (o que valeu a famosa polémica). Até na voz se notou essa diferença.
Quando os leões rugem nas redes sociais
Onde falam mais é mesmo nas redes sociais. Um de forma assumida, outro nem por isso. Bruno de Carvalho sempre se mostrou um fiel adepto do Facebook e nunca teve qualquer problema em assumir que, acompanhando a evolução dos tempos, era através dessa rede que conseguia fazer chegar de melhor forma as mensagens que pretendia (o que lhe valeu muitas críticas externas, sobretudo após uma derrota por 3-0 em Guimarães quando Marco Silva era treinador). Mas o líder leonino não se limita apenas a “postar” – gosta de saber o que se diz, o que se escreve e o que se pensa. E às vezes reage, trocando mensagens privadas mais duras com algumas pessoas.
Já Pedro Madeira Rodrigues foi apontado como o “City Lion” num dos blogues mais críticos à gestão de Bruno de Carvalho. Muito se escreveu sobre isso, com outros blogues a fazerem uma análise a alguns dos posts com dados mais factuais para cruzar com pontos biográficos do candidato da lista A, que nunca assumiu esse “nickname”. Certo é que ambos sabem da importância que esse mundo tem a nível de Sporting, muito acima dos outros grandes do futebol português. Tudo o que se passa, passa-se nos blogues afetos aos leões. E, a não ser que se faça uma evocação à tríade Oliveira-Jordão-Manuel Fernandes, uma das poucas que gera consenso, as divergências são mais do que muitas. Tantas ou mais como as que pautaram esta campanha eleitoral entre Bruno de Carvalho e Pedro Madeira Rodrigues. E este sábado apenas um poderá escrever “vitória”.