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João Pedro Morais/Observador

João Pedro Morais/Observador

Eleições nos Açores. Vasco Cordeiro acelera para a maioria absoluta, mas todos a querem tirar

Tempestade passou, ficou a pandemia. Campanha em mínimos, Vasco Cordeiro com o passo nos máximos. A três dias do fim, diz que só ele tem experiência para comandar o barco. E se não chegar? As contas.

Reportagem em S. Miguel, nos Açores

Vasco Cordeiro faz uma pausa para entrar num café no centro de Vila Franca do Campo, em São Miguel. Casa de banho, um cafezinho, queijo da ilha não que “a esta hora da manhã” ainda não apetece, e sobretudo ganhar fôlego. O tempo está fresco pelas 10h30 desta quarta-feira de manhã, depois da passagem da tempestade “Bárbara”, mas nem por isso a comitiva do PS deixa de estar esbaforida e com algum suor na testa. É que o presidente do governo regional, e candidato pelo PS a um terceiro e último mandato, tinha acabado de percorrer as ruas semi-desertas do centro de Vila Franca do Campo, Ponta Delgada, em passo apressado, num estilo de toca e foge que só pode querer dizer uma coisa: está bom como está, se mexer muito pode estragar.

“Isto é uma caminhada de contacto com a população ou é mais uma sessão de jogging matinal?”, é a pergunta que o Observador faz ao candidato após uma corrida na tentativa de conseguir acompanhar o passo. “Aqui é sempre assim, eu não gosto cá de pasmaceira, para a frente é que é o caminho”, vai repetindo Vasco Cordeiro, que não se faz de rogado com as tentativas do Observador de questionar se este sprint final é para não deixar fugir a maioria absoluta ao Partido Socialista, que a tem desde há 20 anos (a que se juntam os primeiros quatro anos de governação, de 1996 a 2000, sem maioria). “Isso, só o povo o dirá”. E se não tiver maioria absoluta? “Isso, só o povo o dirá”. “Isso, só o povo o dirá”, insiste ainda uma terceira vez.

José Manuel Bolieiro esteve na terça-feira em Ponta Delgada, na reta final da campanha

Vasco Cordeiro numa ação de rua em Vila Franca do Campo

João Pedro Morais/Observador

Ao contrário do PSD Açores, liderado por José Manuel Bolieiro, que na terça-feira andava pelas ruas de Ponta Delgada munido dos tradicionais panfletos com as medidas que o partido defende, o candidato do PS não precisa disso. Tem alguns brindes, nomeadamente umas t-shirts que Vasco Cordeiro atira para quem está a trabalhar em cima de andaimes, e pouco mais. “Olá, bom, dia, ‘tá boa? Vamos embora”; “Ora que belo peixe”, comenta enquanto um popular lhe mostra a mercadoria que tem no carro. Vasco Cordeiro diz que sim, muito bem, ajuda a pôr o pescado no saco, mas segue para bingo que não há tempo a perder. Uma cotovelada ao mestre João da Rita, um “costuma votar? Vá votar no domingo” à senhora da rua do lado, e está feito. Nem aquela que vota PS “desde Mário Soares” lhe roubou mais do que um minuto de atenção.

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Não há panfleto com medidas, não há sequer promessas eleitorais, nem há a aparente preocupação de ouvir os problemas in loco. Segundo o “Retrato dos Açores” mais recente feito pela Pordata, e divulgado em setembro, só uma das nove ilhas dos Açores tem mais jovens do que idosos (o envelhecimento da população é um problema grave no arquipélago), a taxa de abandono escolar dos Açores é “mais do dobro” da registada a nível nacional, uma em cada quatro empresas são do setor primário (agricultura, caça e pescas) e três em cada cinco açorianos absteve-se nas eleições regionais de há quatro anos. Os índices de pobreza também estão acima da média nacional. Tudo problemas para os quais a oposição quer alertar, mas que não têm dominado aquela que é a primeira campanha da era ‘Covid’.

“Vamos embora, não é por aí, é para a esquerda!”, avisa o candidato do PS a alguns elementos da comitiva que, por engano, tinham virado na travessa errada. Na máscara que traz no rosto, o novo elemento comum a todas as campanhas, o slogan não podia condizer mais com o retrato daquilo que têm sido as ações de rua dos socialistas a três dias da campanha eleitoral terminar: “Para a frente é que é caminho”, lê-se a letras cor de rosa impressas discretamente sobre a máscara branca.

A pequena comitiva que acompanhava o candidato naquela manhã, acenando bandeiras do governo regional (azuis, brancas e amarelas), e entoando cânticos solitários, prossegue o caminho apressado atrás do candidato — são muitos os que correm para o apanhar –, e o caminho vai dar ao mar: aquele pedaço de mar que, em Vila Franca do Campo, tem vista privilegiada para o famoso ilhéu. Vasco Cordeiro pára uns segundos encostado ao muro. Recupera fôlego, deixa-se fotografar, e “‘tá feito”. Bate uma palma e retoma a passada. Next.

Se estivessem num barco a meio de uma tempestade, o que preferiam: uma pessoa estável no leme ou várias pessoas à luta para agarrar no leme?

A metáfora é de Vasco Cordeiro, que, a três dias da campanha eleitoral terminar nos Açores — e de os açorianos irem às urnas já no próximo domingo –, só tem um discurso e nada indica que vá sair dele: o da estabilidade, da experiência e do medo face a aventuras arriscadas e incertas. Foi o que repetiu esta quarta-feira de manhã, durante uma visita ao posto de leite de Santo Antão, em Ponta Delgada, aproveitando a boleia da tempestade “Bárbara” que obrigou os candidatos a cancelar alguns voos e a mudar alguns planos de campanha nos últimos dias.

Vasco Cordeiro posou para a fotografia junto ao ilhéu de Vila Franca

João Pedro Morais/Observador

“Basta ligar a televisão ou a rádio para perceber o que se está a passar no mundo e também aqui em Portugal. Quando estamos no meio de uma tempestade, a pior coisa que pode acontecer é haver no barco três ou quatro pessoas que querem agarrar no leme, e um diz ‘vamos para a direita’, outro dia ‘vamos para a esquerda’ e outro diz ‘vamos para trás ou para a frente’. No próximo domingo, é isso que está em causa: saber se continuamos com um rumo firme, certo, experiente, para sairmos desta tormenta, ou se queremos estar numa situação em que há vários a querer agarrar no leme sem se saber se vamos para a direita ou para a esquerda”, disse aos jornalistas.

Ou seja, o lema de campanha é claro: não mudar porque é preciso “experiência” e estabilidade na região, sobretudo enquanto há uma pandemia, dinheiro de Bruxelas a chegar, e um clima de incerteza a ela associado. Carlos César, presidente do PS e antigo líder do PS Açores durante 16 anos, já tinha dado esta tática num vídeo que divulgou nas redes sociais na semana passada: “O que agora mais interessa é proteger a vida das pessoas, utilizar muito bem o dinheiro que o nosso governo [regional] conseguiu para os Açores, para termos mais capacidades nos nossos hospitais, nos nossos centros de saúde, para gerar emprego, riqueza e diminuir as desigualdades”, e para isso é preciso um “governo competente” e “sobretudo experiente” para lidar com a atual situação pandémica e utilizar “muito bem” os recursos financeiros, disse.

Em entrevista ao Observador — esta noite publicada no site e que amanhã será transmitida na Rádio Observador — o líder social-democrata José Manuel Bolieiro diz mesmo que o PS está a fazer uma campanha do “medo”, quase “intimidatória”, aproveitando-se politicamente dos casos de Covid-19 no arquipélago para apelar à manutenção do poder tal como ele está. Isto apesar de, nos Açores, existirem apenas cerca de 65 casos ativos de Covid-19, de um total de cerca de 355 casos de infeção desde o início do surto.

Uma “estabilidade” que é tudo o que os vários partidos, da esquerda à direita, não querem: todos querem tirar a maioria absoluta ao PS. Porque, como diz ao Observador o coordenador do Bloco de Esquerda na região, “as maiorias absolutas, quando são muito prolongadas no tempo, geram vícios e hábitos que dificultam e tornam a democracia mais pobre”. “Do alto da sua suposta sabedoria, o PS decide tudo e pode tudo, e em política 20 anos é muito tempo”, acrescenta António Lima, sublinhando que os eleitores estão “condicionados” no voto a partir do momento em que os ingressos na Administração Pública (onde muitos açorianos trabalham) são “condicionados à existência de um cartão partidário”. Isto para não falar das “ameaças” que diz serem feitas às pessoas que têm um emprego ou que recebem apoios do Governo regional e que ficam prejudicadas apenas pela intenção de participarem em listas partidárias de outras forças políticas, neste caso do Bloco de Esquerda.

Day after. Com quem casa o PS se perder a maioria? CDS pode ser a chave

Vasco Cordeiro pode não admitir cenários — “Só o povo o dirá” — mas a verdade é que todos fazem contas de cabeça. O PS tem atualmente 30 deputados no Parlamento regional (é preciso 29 para a maioria absoluta), o PSD tem 19, o CDS tem 4, o BE tem dois e a CDU e o PPM têm um, cada. À boca pequena, sem que haja ainda sondagens públicas que o confirmem, vai-se falando na possibilidade de o PCP perder a representação parlamentar, enquanto partidos como o PAN, o Chega, o Iniciativa Liberal ou o Aliança tentam a sua sorte. O Bloco de Esquerda assume o objetivo de crescer em votos, mesmo que isso não signifique crescer em mandatos, e o CDS aposta tudo em manter-se como terceira força política. Um e o outro poderão ser decisivos: é que o PS só precisa de perder dois deputados para perder a maioria.

Enquanto os partidos estão na reta final a caçar votos, sobretudo nas ilhas mais pequenas que podem ser decisivas para a maioria absoluta/ou não (o líder do PSD Açores, José Manuel Bolieiro, foi esta quarta-feira para o Corvo onde tenta roubar um mandato ao PS ou ao PPM), os vários protagonistas vão lançando pistas sobre o que fazer no day after.

Ao contrário do que acontece no governo nacional, há nas ilhas — tanto nos Açores como na Madeira — um fator histórico que não deve ser menosprezado: o CDS ainda é a terceira força política mais representada no Parlamento regional e é o CDS que tem votado ao lado do PS em vários momentos importantes. Fê-lo em três dos últimos quatro orçamentos, mesmo que os seus votos não fossem precisos porque os do PS bastariam para a matemática da aprovação. O líder nacional do partido, de resto, está a apostar tudo na campanha insular e mudou-se de armas e bagagens para os Açores nas duas semanas finais de corrida às urnas. Francisco Rodrigues dos Santos já esteve em São Miguel (o ponto fraco dos centristas), mas está desde o fim de semana na ilha Terceira, onde vai ficar até ao fim da campanha, porque é lá que mais votos pode “comer” ao PSD, segundo nota uma fonte social-democrata ao Observador.

Vasco Cordeiro distribuiu t-shirts da campanha

João Pedro Morais/Observador

O líder do CDS Açores, Artur Lima, que integra também a direção nacional de ‘Chicão’, não tem escondido essa disponibilidade de dar a mão aos socialistas. Em entrevista ao jornal Público, diz mesmo que “só um partido irresponsável pode dizer que não viabiliza um governo, qualquer que ele seja”. Mais: “O CDS é responsável e a sua prioridade são as pessoas, não é a política, além de que os próximos quatro anos vão ser duros e os partidos têm de ser responsáveis”. Ou seja, o “ideal é que não haja maioria absoluta de ninguém” e que os centristas possam fazer a diferença com “propostas concretas”.

Num artigo de opinião assinado na edição do Açoriano Oriental esta terça-feira, o histórico líder social-democrata João Bosco Mota Amaral, procura tecer os vários “cenários eleitorais” e esta aliança do PS com o CDS é o que se impõe como o mais evidente. “Se o PS perde a maioria absoluta mas não tem uma derrota arrasadora e se mantém como o partido mais votado, fica em posição de optar por uma solução de governo minoritário ou escolher um parceiro para obter maioria no Parlamento Regional. Seria algo semelhante ao que se verificou na Madeira e talvez até com o mesmo partido, o CDS, já treinado na colaboração ativa com o PS desde o primeiro mandato socialista, em 1996“, diz Mota Amaral, sugerindo que essa opção faria “rejubilar” o líder nacional centrista, que também ele luta pela sua afirmação — e pela sobrevivência do seu partido.

CDS pode dar a mão ao PS? "Seria algo semelhante ao que se verificou na Madeira e talvez até com o mesmo partido, o CDS, já treinado na colaboração ativa com o PS desde o primeiro mandato socialista, em 1996"
Mota Amaral, no Açoriano Oriental

BE não descarta, mas só com negociação proposta a proposta

Mas há mais hipóteses. Mota Amaral avança com o cenário ‘2’ sob a forma de pergunta: “Existiriam pressões para um entendimento na região nos moldes ditos de esquerda, tão arduamente procurados por António Costa a nível nacional?”, questiona, para a seguir responder que a autonomia do BE regional e a postura pouco colaborativa do BE face ao PS na região fazem duvidar desta opção. “Seria de duvidar que o BE estivesse disposto para um acordo”, sugere o ex-líder do PSD Açores. O BE nos Açores é visto como uma das oposições mais críticas, inclusive até crítico da ‘geringonça’.

Ao Observador, o coordenador do BE na região, António Lima, é o primeiro a admitir que o CDS “tem sido o parceiro preferencial do PS nos Açores”, mas nem por isso fecha totalmente a porta a entendimentos — desde que sejam “proposta a proposta”, “orçamento a orçamento”, aludindo um pouco à postura negocial que o Bloco de Esquerda está a ter no Parlamento nacional desde que o acordo escrito da geringonça foi dado por terminado.

“Mais do que apoiar ou não apoiar, o que faz diferença é defender ideias e propostas. Por isso iremos procurar apresentar as nossas propostas e defendê-las no parlamento. Se não houver maioria absoluta, podemos dialogar, proposta a proposta, medida a medida, orçamento a orçamento. Não iremos trair quem confiar no BE e quem acreditar no programa com o qual nos apresentamos a eleições”, diz António Lima ao Observador, deixando claro que um entendimento de viabilização de um governo do PS não seria para viabilizar o governo propriamente dito, mas sim para avaliar propostas individualmente.

Mega-geringonça contra o PS, a ‘vingança’ açoriana?

Há, por fim, mais um cenário, mais improvável, e que vai sendo descartado aos poucos pelos vários partidos, mas que paira na política regional açoriana como um fantasma. Mota Amaral não tem pudor em pô-lo em cima da mesa: “E um acordo de todos contra o PS, ao estilo do que o PS promoveu com sucesso contra a coligação vitoriosa nas eleições nacionais de 2015 e que ficou conhecido pela designação de Geringonça?”, atira o ex-líder social-democrata dando pistas sobre o que o PSD, nesse caso, poderia fazer.

Seria mais ou menos assim: “O segundo partido na contagem dos votos [o PSD], iria acertar com os outros partidos que elejam deputados uma plataforma de governação que teria como ponto de partida o afastamento do PS da área do poder”. Rebuscado? “Em teoria é possível, mas teria de assentar numa convicção muito forte quanto a tal objetivo e numa soma de votos superior aos votos recebidos pelo PS/Açores”, continua Mota Amaral, lançando as peças para o tabuleiro do jogo.

"Se não houver maioria absoluta, podemos dialogar, proposta a proposta, medida a medida, orçamento a orçamento"
António Lima, BE Açores

Questionado sobre esta possibilidade, ao Observador, José Manuel Bolieiro, rejeita à partida uma coligação que não tenha “coerência doutrinária”, ou seja, que junte a esquerda e a direita com o propósito único de tirar o PS do poder. E o mesmo faz António Lima, que responde ao Observador que, para o BE, “que não confunde o PS com a direita, apesar de tudo”, essa ideia “não tem credibilidade”.

Os dados estão lançados, os partidos continuam na rua, a voar de ilha para ilha, e no final fazem-se as contas. De passo apressado, porque não há tempo a perder, Vasco Cordeiro lá vai repetindo a sua máxima: “Só o povo o dirá”. Enquanto não disser, é caminhar. “Para a frente”, que é o caminho.

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