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O Teatro Camões, em Lisboa, estava encerrado desde julho do ano passado. Nas últimas semanas, os bailarinos retornaram ao edifício, que reabre ao público a partir desta quinta-feira
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O Teatro Camões, em Lisboa, estava encerrado desde julho do ano passado. Nas últimas semanas, os bailarinos retornaram ao edifício, que reabre ao público a partir desta quinta-feira

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

O Teatro Camões, em Lisboa, estava encerrado desde julho do ano passado. Nas últimas semanas, os bailarinos retornaram ao edifício, que reabre ao público a partir desta quinta-feira

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

Entrámos no renovado Teatro Camões: mais luminoso, mais amplo e desejoso de “alcançar mais públicos”

Teatro-sede da Companhia Nacional de Bailado reabre esta quarta-feira. Obras acabaram com infiltrações, aumentaram o espaço e conquistaram luz natural. Mudanças afetam sobretudo quem lá trabalha.

O suave deslizar dos corpos parece desafiar a gravidade. Nos bastidores da Companhia Nacional de Bailado (CNB), o ambiente dos ensaios é uma mistura intensa de disciplina e criatividade. São 10h da manhã e os bailarinos executam movimentos entrecortados por instruções precisas do coreógrafo. O outrora escuro estúdio de ensaios no Teatro Camões, em Lisboa, tem agora amplos janelões que deixam atravessar a luz que pousa sobre a dezena de bailarinos que, ao som do piano, ensaia a busca pela perfeição técnica.

No teatro-sede da CNB já não há baldes estrategicamente dispostos para conter a água que cai do teto. A tinta empolada e descascada, as manchas de humidade, deram lugar ao branco imaculado. A pintura ainda cheira a fresco. Ultimam-se os últimos detalhes no teatro lisboeta que reabre esta quarta-feira, dia 9 de outubro, depois de obras de requalificação e modernização no âmbito do PRR — Plano de Recuperação e Resiliência. O investimento de quase seis milhões de euros (5.894.175,00€+IVA) implicou o encerramento do edifício em julho do ano passado e concretizou um conjunto de mudanças, algumas há anos pedidas pelos profissionais que ali trabalham.

É em tudo o que não se vê que estão as diferenças entre o novo e o antigo Teatro Camões. Construído entre 1997 e 1998, no âmbito da Exposição Universal de Lisboa 98 (Expo’98), o edifício há muito que se encontrava em estado de degradação, com fragilidades estruturais ao nível da cobertura e infiltrações de água recorrentes. Nos últimos anos, partes dos tetos do interior do prédio estavam protegidas por plásticos colados com fita adesiva. O chão estava deteriorado, as vigas de metal enferrujadas. Manter uma impermeabilização eficiente era, há muito tempo, um desafio.

A intervenção, a cargo do Atelier de arquitetura RISCO e da CARI Construtores, visou, em linhas gerais, acabar com as infiltrações, aumentar o espaço e conquistar luz natural, mas também dar mais condições a quem todos os dias habita o teatro. Aliás, Conceição Amaral, presidente do Organismo de Produção Artística (Opart), que gere o teatro-sede da CNB, afirmava em janeiro que a principal preocupação nestas obras de requalificação era mesmo “mudar as condições de quem trabalha” naquela casa.

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Assim foi. Para o público que tornará ao teatro a partir de 17 de outubro, noite de estreia do espetáculo Supernova/The Look, com coreografias de Iratxe Ansa & Igor Bacovich e de Sharon Eyal, as mudanças são pouco visíveis. Resumem-se à área de acolhimento, que está de cara lavada, com nova pintura e uma bilheteira alargada — com um balcão de madeira projetado pelo atelier de arquitetura e a instalação de uma zona de loja. No auditório, a zona que menos denuncia a passagem do tempo, os bancos e a alcatifa foram restaurados.

O foyer do Teatro Camões está de cara lavada com nova pintura. Ao fundo, à direita, o espaço de bilheteira cresceu com um balcão e uma loja

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

A principal intervenção foi a reabilitação das áreas de trabalho da Companhia Nacional de Bailado, que faz do Teatro Camões sua sede desde 2003. Desde então, uma equipa artística, administrativa e técnica de cerca de 110 pessoas ocupava o espaço que nunca teve as alterações necessárias, quer ao nível dos espaços de trabalho quer das condições para o desempenho profissional de um elenco de bailarinos e de diferentes equipas que ali trabalham diariamente. Ao estado de degradação do edifício juntavam-se as diversas debilidades ao nível da maquinaria de cena, sistemas de som e iluminação com equipamentos em fim de vida útil e desadequados para as exigências das produções atuais.

Uma das necessidades há muito reivindicada pelos bailarinos era um ginásio. “É a grande vitória”, diz Fernando Duarte ao Observador. “Nem me atrevo a descrever o que era o ginásio no meu tempo”. O diretor da Companhia Nacional de Bailado, que foi mestre de bailado e ensaiador na companhia, refere-se a um pequeno espaço, uma espécie de dispensa sem janelas, que os bailarinos da CNB usaram durante anos de forma improvisada, com duas máquinas que os próprios haviam custeado. “Era mínimo. Era um quadrado. E isto é uma grande vitória”, repete. “Isto é espetacular”, solta um dos bailarinos, deitado sobre o colchão do ginásio, após um ensaio.

Uma zona de lazer (à esquerda) e um ginásio (à direita) eram duas necessidades há muito reivindicadas pelo corpo de bailarinos da CNB, que desde 2003 ocupam o edifício do Teatro Camões, em Lisboa

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

“É o mínimo que uma companhia nacional de repertório precisa ter”, retorna Duarte. “Um espaço não só de complemento à condição física, de aquecimento, de recuperação de alguma lesão, mas, acima de tudo, de prevenção de lesões. A prevenção e o tratamento de lesões é fundamental que possam ser feitas com as condições necessárias e no mínimo tempo possível para que uma carreira de si mesmo já curta possa ser prolongada. As bailarinas, quando vêm da licença de maternidade, têm agora um espaço também onde podem gradualmente fazer a sua integração de novo na companhia”, continua.

Houve um investimento específico só para equipamento de ginásio e de fisioterapia, depois de um levantamento junto dos bailarinos, staff e do gabinete de terapia. Na porta ao lado, o gabinete de fisioterapia também foi ampliado, podendo agora três bailarinos ser tratados ao mesmo tempo. Do lado de fora, uma folha afixada permite que os bailarinos marquem uma hora com um dos dois fisioterapeutas ou um osteopata disponíveis.

Também a sala de descanso era um desejo antigo. Até então, entre ensaios, os bailarinos ocupavam os corredores ou a zona exterior do teatro, por não terem espaços dedicados. “Também é uma grande pequena vitória”, diz Fernando, deambulando com o Observador pelos corredores e mostrando as novidades da casa. Como os camarins, integralmente renovados, dos cacifos, às cadeiras, espelhos, mesas, loiça de casa de banho, duches e portas. “Foi ao todo mais de uma centena de mobiliário adquirido para proporcionar este conforto que é importante. O bailarino tem esta especificidade. Às vezes brincamos que perdemos tempo a escolher a roupa que só usámos cinco minutos de manhã e cinco minutos ao final do dia.”

Os vários camarins do Teatro Camões — entre eles um coletivo que serve cerca de 30 bailarinas — foram integralmente renovados. Também os estúdios de ensaios foram alvo de intervenção

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

E por falar em indumentária: o armazenamento e a conservação de guarda-roupa também ganhou novas condições. A companhia tem um armazém na periferia de Lisboa onde acomoda quase 50 anos de história de figurinos e cenários, alguns de grandes dimensões, mas é imperativo que mantenha no teatro-sede o guarda-roupa de pelos menos duas temporadas, além de pequenos adereços e objetos mais frágeis.

Tudo isso ocupava três pequenos gabinetes compartimentados sem luz natural que foram demolidos para dar lugar a um espaço mais amplo e luminoso, que fica em frente ao atelier da confeção de guarda-roupa — uma proximidade à primeira vista natural, mas que até então não existia. “Antigamente estavam bem separados e, portanto, tinham sempre que contornar espaços, até de falar ao telefone”, recorda Fernando Duarte. “Agora é só bater à porta”, comenta Carla Cruz, zeladora do guarda-roupa, enquanto arrasta um charriot com o figurino de Supernova.

Para lá da porta, ouvem-se as máquinas de costura. Paula Marinho, mestre de guarda-roupa, costureira principal, faz o corte e orienta toda a confeção das produções. Se o figurino de The Look tem um ar minimal, espetáculos que implicam tutus, mantos e vestidos largos tornavam o pequeno espaço inabitável para as cinco pessoas do departamento. Agora, o espaço estende-se ainda a uma sala de prova. “Agora está tudo junto, seguido, e maior”, nota.

O gabinete de armazenamento e conservação de guarda-roupa (à esquerda) e o atelier de confecção (à direita), que contempla ainda uma sala de prova, ficam, com as novas obras, finalmente lado a lado

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

Há uma palavra que se repete a cada recanto revelado: luz. Gaba-se o trabalho do estúdio de arquitetura, que tornou a luminosidade primoridal. “É uma grande melhoria de todo o teatro, 90% ou 95% de todos os espaços já têm luz natural. Isso é um fator de bem-estar no ambiente de trabalho”, comenta Fernando Duarte, que após uma temporada em Oslo — entre 2005 e 2007 foi solista no Ballet Nacional da Noruega — percebeu a importância de algo que é mais do que um detalhe. “Quando fui para lá, as pessoas perguntavam-me: tens a certeza que queres vir para cá, tu que vens de Portugal? Bastou-me o primeiro inverno para perceber exatamente o efeito difícil de contornar que é a luz solar.”

O diretor da CNB recorda os seus primeiros tempos enquanto bailarino: “Falava-se muito dos estúdios do Ballet Gulbenkian serem no subsolo, as pessoas passavam o dia todo a trabalhar sem nenhum acesso à luz solar. Era algo com que ficávamos sempre na cabeça. Viemos para aqui e sabemos que isso não existe, mas nunca temos a perfeita noção da diferença que faz até, de repente, agora o temos”.

Nova direção tem uma ambição: “alcançar mais públicos”

A Fernando Duarte, que chegou à direção da CNB há um mês, coube estrear um teatro renovado com a programação 2024-2025 herdada do seu antecessor, Carlos Prado. Só a partir de setembro de 2025 poderá intervir sobre o que passa pelos palcos do Teatro Camões — mas não só. Por enquanto, às conversas pré-espetáculos já existentes junta conversas pós-espetáculo entre artistas e público.

“Temos de perceber como é que podemos criar momentos de maior proximidade, nomeadamente com ateliers de aproximação à dança e um programa de escolas que poderei desenvolver. Ser uma Companhia Nacional não se resume só a este edifício. Costumo dizer que o Teatro Camões é o tronco da Companhia Nacional, e os outros teatros, os outros espaços, são a copa da árvore”, compara.

Fernando Duarte, co-fundador da companhia Dança em Diálogos, é desde setembro o diretor da Companhia Nacional de Bailado

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

O coreógrafo e professor de dança, escolhido através de um concurso internacional lançado em março deste ano, fala num regresso a uma casa que conhece bem, já que ingressou na CNB em 1996, tendo sido bailarino principal da companhia. Entre 2011 a 2017 foi mestre de bailado e ensaiador na CNB, onde também coreografou novas versões de O Lago dos Cisnes (2013), O Quebra-Nozes (2014), O Pássaro de Fogo (2015) e La Bayadère (2016).

“Considero prioritário alcançar mais públicos”, responde quando questionado sobre as prioridades desta direção. “A Companhia tem já uma grande capacidade de se estabelecer próxima de vários públicos e de em si mesma carregar uma marca, uma voz, uma referência cultural no nosso país, mas também temos de ter a humildade e a consciência de que ainda falta trabalho, de que ainda é possível ir mais longe e, principalmente, no território nacional.”

Em 2018, Fernando Duarte fundou com Solange Mel a companhia Dança em Diálogos, com a qual percorreu o país. “Andámos pelo território todo e percebemos que realmente há um contexto quase específico de região, de programação. O trabalho e as dinâmicas da criação independente é diferente da criação da Companhia Nacional Bailado. O que é certo é que ainda há pontos no país, em 2024, que não conhecem, que não sabem que existe a Companhia Nacional Bailado.”

Por isso, define como essencial a forma de comunicar. “A companhia tem o dever de mostrar novos modos de apresentar os clássicos, por exemplo, as criações contemporâneas, porque os públicos também têm outros modos de ver”, afirma, sem esconder que “os jovens são realmente um grande objetivo”, pois “são tentados para a distração de outras formas de entretenimento”.

Para o diretor da CNB, é importante não esquecer que “as artes de espetáculo são artes, mas também artes do entretenimento”, capazes de “trazer o público para um momento de pausa, de sentar-se e contemplar algo que só no teatro é que tem a capacidade de fruir e tem a capacidade de encontrar”. Mas a ambição do diretor da Companhia Nacional de Bailado é, também, a de levar a companhia além do monumental edifício junto ao Tejo.

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

No final de agosto, prestes a iniciar funções, Duarte mencionava a possibilidade de exibição de espetáculos em streaming pelo país. A CNB tem pontualmente realizado parcerias com a RTP2 para a transmissão de algumas produções, “mas a ideia do streaming é criar um espetáculo em simultâneo”, dizia em entrevista à Lusa. Fernando Duarte adianta ao Observador que está a ser pensada uma colaboração com a Rede de Teatros e Cineteatros Portugueses e que deverá entrar em vigor já em 2025, ainda nesta temporada.

“É uma via de comunicação e de amplificação naquilo que não substitui a experiência presencial da companhia nos melhores espaços e equipamentos do nosso país, mas permite que aquilo que é factualmente difícil de levar para além do tronco de que falávamos. Muitas vezes não é possível levar uma produção a pequenas cidades com teatros de menor dimensão. É nisso que estamos a trabalhar: que alguém em Trás-os.Montes, no Minho, no Algarve, no Alentejo, na Beira, até nas Ilhas, possa ter essa oportunidade.” À semelhança do que faz a Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, com o ciclo Met Opera, que garante a transmissão em direto no Grande Auditório, ou os UCI Cinemas, que nos espaços de Vila Nova de Gaia, Amadora e Lisboa, transmitem, por vezes em direto ou gravadas,  dez das principais óperas e bailados da Royal Ballet & Opera.

Poderá um novo público estar à distância de um ecrã? “Dá-me muito mais força e entusiasmo saber que há quem não sabe que temos uma Companhia Nacional de Bailado, que há pessoas a quem temos que chegar”, admite. “Não esquecendo, claro, todas as outras que continuam a abraçar-nos.”

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