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Carla Couto deixou o futebol aos 40 anos, numa altura em que era a jogadora com mais internacionalizações pela seleção nacional feminina
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Carla Couto deixou o futebol aos 40 anos, numa altura em que era a jogadora com mais internacionalizações pela seleção nacional feminina

Federação Portuguesa de Futebol

Carla Couto deixou o futebol aos 40 anos, numa altura em que era a jogadora com mais internacionalizações pela seleção nacional feminina

Federação Portuguesa de Futebol

"Foi a carolice que levou muita gente a dedicar-se a troco de nada ao futebol feminino": entrevista a Carla Couto

Deixou a Seleção com 145 partidas e como segunda melhor marcadora. Jogou até aos 40 anos, cruzou-se com muitas das jogadoras do Mundial-2023 e hoje dá cartas no teqball: entrevista a Carla Couto.

As sementes do futebol feminino português foram plantadas por nomes como o de Carla Couto. Enquanto presenciava os primórdios da Seleção, nos anos 90, o seu corpo boiava em camisolas largas que sobravam da equipa masculina e que lhe eram dadas para treinar. Jogar na frente de ataque ajudou-a a conseguir os golos que ainda hoje a mantêm como a segunda melhor marcadora da equipa nacional. Deixou os relvados aos 40 anos quando era a jogadora com mais internacionalizações por Portugal (145, registo entretanto quebrado), mas que lhe valeu o prémio de Jogadora do Século atribuído pela Federação Portuguesa de Futebol.

Jogou futebol pela primeira vez no Sporting. Andava demasiado entretida com o andebol até então. Não fosse a insistência do pai e não teria ido parar ao clube leonino, onde ouviu comentários de adeptos a dizerem que a equipa feminina não tinha espaço naquele emblema. Passou a maior parte da carreira no 1.º Dezembro, histórico clube que venceu 11 títulos nacionais consecutivos. Teve uma passagem de três meses pela China, onde lhe serviam hambúrgueres a todas as refeições, mas onde foi profissional pela única vez.

Carla Couto, que foi também notícia há pouco tempo por representar Portugal na modalidade de teqball dos Jogos Europeus, relembra em entrevista ao Observador os tempos que antecederam a primeira presença de sempre de Portugal num Mundial de futebol feminino. Está confiante nas comandadas de Francisco Neto apesar da dificuldade que o grupo comporta e deixa um lamento: “Gostava de lá estar também…”.

Esta é uma pergunta que só posso colocar a alguém que marcou tanto ao serviço da Seleção. Por quem, da Seleção de hoje, distribuía alguns dos golos que conseguiu para ajudar na campanha no Mundial?
O mais importante é a união do grupo. Dava a qualquer uma desde que fosse para fazer a diferença. Logicamente, quem joga mais na frente tem essa possibilidade de fazer golos. Daria à Jéssica Silva, à Diana Silva, à Carolina Mendes, à Ana Capeta ou à Telma Encarnação. Daria àquela que jogar e daria todos, não daria só alguns.

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Percebo que a Seleção tem jogadoras na frente que lhe agradam bastante.
Temos jogadoras com grande qualidade e grande capacidade. Portanto, aprecio as nossas jogadoras.

A melhor Carla Couto disputava um lugar com as jogadoras que atualmente ocupam a posição mais adiantada?
Faria por isso. Não sei se teria capacidade de ser melhor do que elas mas lutaria afincadamente por um lugar. Ainda mais com a realidade do futebol feminino hoje em dia, teria todas as possibilidades de poder vingar.

Esta Seleção, treinada por Francisco Neto, tem um estilo de jogo que lhe agrada?
Sim, um jogo dinâmico, com transições rápidas. Quando temos que ter posse de bola, temos. Neste momento, circulamos a bola com muita segurança e critério. Portanto, agrada-me. Na minha altura, jogávamos num sistema tático um pouco diferente, em 4x3x3.

"Jogar no Sporting era grandioso, mas muitas vezes ouvíamos comentários dos próprios adeptos que não eram muito abonatórios. Ouvi que o nosso lugar não era ali, que o futebol não era para mulheres. Hoje, é completamente diferente. Tens um pai a fazer 40 ou 50 quilómetros para levar uma menina de dez anos ao treino". 

Considera que esta é a geração de jogadoras mais talentosa que passou pelo futebol feminino português ou simplesmente tiveram condições que lhes permitiram potenciar esse talento que outras futebolistas não tiveram?
A minha geração também tinha jogadoras muito talentosas. A dinâmica, a qualidade e quantidade de trabalho é que são diferentes. Não tirando nem a uma geração nem a outra, são realidades distintas. As jogadoras que estão a conseguir todos estes feitos são profissionais de futebol. Nenhuma jogadora da minha geração foi profissional de futebol, por isso, não estamos no mesmo patamar. Não tivemos as mesmas condições de trabalho. Há que dar mérito aos feitos que esta Seleção tem vindo a conseguir, mas não podemos desprestigiar o que foi feito para trás, porque havia jogadoras com muito talento. Se assim não fosse, não nos manteríamos tantos anos na Seleção a lutar, ano após ano, por mais reconhecimento e condições para que hoje esta geração possa usufruir. Estas jogadoras têm também a responsabilidade de lutar para que outras que venham possam ter ainda melhores condições. Isto é um ciclo. Temos vindo a crescer de uma forma sustentada. Nós também disputámos playoffs e não conseguimos passar. Não é por demérito, é porque as outras trabalhavam melhor do que nós.

Falamos muito de Francisco Neto, selecionador nacional, de Fernando Gomes, presidente da Federação, de jogadoras como a Jéssica Silva ou a Kika Nazareth. Há pessoas com quem se cruzou no seu percurso que ficaram na sombra deste desenvolvimento por antes o futebol feminino não ser tão mediático como se está progressivamente a tornar?
Valorizamos muito quem está presente, mas há muita gente para trás que teve o seu papel. O professor Nuno Cristóvão, o professor António Violante, a professora Graça Simões, a própria Mónica Jorge, José Augusto… Todos eles tiveram a sua importância, uns mais do que outros. Houve jogadoras muito importantes, treinadores e clubes muito importantes. Esquecemo-nos que foi a carolice que levou muita gente a, ano após ano, investir e dedicar-se, a troco de nada, ao futebol feminino. Passou muito boa gente pelo futebol feminino que fez com que isto não parasse. Estamos a viver uma nova era, uma era com dificuldades. Isto não é tudo bonito, não é um mar de rosas. Também há dificuldades. Começa a haver outros problemas. Temos um mediatismo diferente, chegamos a mais público, estamos mais visíveis, temos as redes sociais para promovermos as jogadoras, para elas se promoverem a elas próprias e para promoverem as marcas. Na minha altura, ninguém era patrocinado. Hoje em dia, praticamente não tens uma jogadora que não tenha um patrocinador. Isso também é importante.

É bom ver jogadoras baterem o recorde de internacionalizações [145, atualmente é Ana Borges a jogadora com mais jogos por Portugal] que era seu?
É muito bom. Espero que outras ainda batam o que estas estão a fazer. A preparação da Seleção para Campeonatos da Europa e para Campeonatos do Mundo, é completamente diferente. Há estágios, jogos de preparação, tudo é feito com muito mais rigor. Isso agrada-me, porque dá mais possibilidades às jogadoras de terem uma maior experiência internacional. O facto de termos seleções jovens, também lhes dá alguma experiência internacional, o que faz com que cheguem à seleção A com uma bagagem bastante grande. É expectável que muitas mais ultrapassem o número de internacionalizações que eu consegui. Para a minha era, foi muito bom. Foram 18 anos ao serviço da Seleção Nacional A.

E a partir de agora?
O primeiro passo foi irmos a uma fase final. Segundo passo: tornarmos isso habitual. Depois, é ter a ambição de passarmos a fase de grupos. É tentarmos chegar mais longe e, um dia, a uma final. Esse é o caminho. Leva o seu tempo.

As jogadoras têm transmitido uma ambição muito grande, o que pode gerar exigência por parte do público. Isso joga contra elas?
Acho que não. Falo por experiência própria. Quando perdemos 11-0 com a Alemanha, a nossa ambição era ganhar. Se conseguíamos ou não, é diferente. O ADN desta Seleção feminina há muito que é dar o máximo, deixar tudo em campo, com a ambição de fazer o melhor. Elas têm que ter isso, têm que pensar grande. Nós jogamos com qualquer seleção olhos nos olhos. Se perdemos 4-0, 5-0, tudo bem, vamos lá para disputar o jogo. Em campeonatos masculinos profissionais, também há um jogo ou outro em que há uma diferença abismal. Esta atitude é positiva. Temos que ir para uma fase final encarar cada jogo com a maior seriedade, com dedicação, com respeito, mas a querer ganhar. Só assim é que vamos chegar mais longe, com a mentalidade ganhadora de não termos medo de ninguém. Sabemos das nossas capacidades, mas temos os pés assentes na terra. Vai ser difícil? Vai. Mas também vai ser difícil para as outras jogarem contra nós.

Em 1993, quando se estreia na Seleção Nacional, o que é que encontrou e que tipo de Seleção deixou uns anos mais tarde?
Aquilo eram mesmo os primórdios. Juntámo-nos 40 e tal jogadoras no Jamor. Depois, esse número foi reduzindo. Era tudo diferente. O futebol feminino não era visto da mesma forma que é hoje. Tínhamos o resto dos equipamentos dos masculinos. Tínhamos o mister António Simões que foi uma pessoa que me marcou muito, porque era uma referência nacional. Depois, acabo com o professor António Violente, em 2012. As condições já eram muito melhores.

Nessa altura já tinham os vossos próprios equipamentos?
Ainda não, tínhamos era os tamanhos um bocadinho mais pequeninos e ajustavam-se melhor ao nosso corpo. Já trabalhávamos de outra forma, mas o boom vem com a entrada da nova direção da Federação Portuguesa de Futebol. A partir daí, começámos a ganhar outras coisas. O aparecimento de equipas como o Sporting, o Sp. Braga e o Benfica veio dar a oportunidade das jogadoras serem profissionais. As coisas têm vindo a melhorar e as próprias diretrizes da FIFA têm olhado de forma diferente para o futebol feminino. Tu ou acompanhas ou ficas para trás. Temos visto jogadoras a assumir grandes papéis de luta por melhores condições.

Pensavam num Europeu ou num Mundial?
Não… Era muito difícil.

Em 1992, quando está no Sporting, sentia-se incluída num clube de grande dimensão?
Jogar no Sporting era grandioso, mas muitas vezes ouvíamos comentários dos próprios adeptos que não eram muito abonatórios. Muitas vezes ouvi que o nosso lugar não era ali, que o futebol não era para mulheres. Hoje, é completamente diferente. Tens um pai a fazer 40 ou 50 quilómetros para levar uma menina de dez anos ao treino. As pessoas não estavam no futebol feminino como estão hoje. Muitos dos meus treinadores, hoje, nem tinham habilitação para treinarem. Era muito no amadorismo.

Chega ao Sporting com algum tipo de formação?
Nunca tinha jogado futebol de 11 sequer. Até estava a jogar andebol no liceu Passos Manuel. Jogar futebol não era uma coisa que eu perspetivava.

Como é que aconteceu a mudança para o futebol?
Foi insistência do meu pai. Ele viu que o Sporting ia ter treinos de captação para o futebol feminino e pediu-me para ir lá. Disse que não queria, mas fui para o satisfazer. A minha pretensão não era ficar. Queria mesmo continuar a jogar andebol. Ao intervalo, eles pediram-me logo o nome.Começou por mero acaso.

"Quando perdemos 11-0 com a Alemanha, a nossa ambição era ganhar. Se conseguíamos ou não, é diferente. O ADN desta seleção feminina há muito que é dar o máximo, deixar tudo em campo, com a ambição de fazer o melhor. Elas têm que ter isso, têm que pensar grande".

Uns anos depois dá-se a ida para o 1.º Dezembro.
Saí do Sporting para o Trajouce. O Trajouce ainda pagou 500 contos por mim. Fiquei lá um ano. Era para voltar ao Sporting, mas o Santana Lopes acabou com várias modalidades, uma delas o futebol feminino. Surgiu a oportunidade de ir para o 1.º Dezembro, que ainda era pelado. Depois, joguei lá 14 anos.

“Agora têm tudo mas não foi fácil. Elas também jogaram no pelado”. Os passos que levaram o futebol feminino ao sonho

Era um clube especial no panorama do futebol feminino português? Acabou por ser dominador ao conquistar 11 títulos consecutivos.
Foi diferenciador. Ao início, foi complicado. Entretanto, saio para ir fazer um ano ao Futebol Benfica. No ano a seguir, regresso ao 1.º Dezembro. Era uma equipa de Lisboa. As melhores jogadoras preferiam o 1.º Dezembro. Tínhamos as melhores condições.

Como é que foi a experiência na China, no Guangdong Xiongying?
Foram três meses. Foi muito gratificante. A língua e a alimentação foram duas barreiras muito grandes. Aí sim, fui profissional. Só vivia mesmo do futebol.

Numa altura em que também a Edite Fernandes foi para lá.
Sim, mas estávamos em equipas diferentes, a três horas de avião uma da outra. Não nos cruzávamos.

Mas iam mantendo o contacto e partilhando as dores uma da outra…
Sim, falávamos pelo Hi5 mas internet também era um problema. Eles não tinham a mesma abertura que têm agora. Foi uma experiência gratificante, onde ganhei bom dinheiro naquela altura.

"As jogadoras que estão a conseguir todos estes feitos são profissionais de futebol. Nenhuma jogadora da minha geração foi profissional de futebol, por isso, não estamos no mesmo patamar. Não tivemos as mesmas condições de trabalho. Há que dar mérito aos feitos que esta seleção tem vindo a conseguir, mas não podemos desprestigiar o que foi feito para trás".

Estava mesmo previsto só durar três meses?
Sim. Aquilo era a Superliga Chinesa. As seis melhores equipas da China podiam levar jogadoras estrangeiras para promover o futebol feminino. Eles estavam a apostar tudo para serem campeões do mundo, tanto que nós éramos pagas pela Federação Chinesa, nem era pelo clube.

Que tipo de peripécias aconteceram naquela altura?
Muitas. Aquilo era muito complicado. O mister dava palestras enormes de uma hora e meia e eu não percebia nadinha, era horrível. No último minuto, via o meu número no quadro e ele dizia “Carla, you go, go“. Ele metia as setas e estava tudo certo. Na alimentação, eles viam que eu não conseguia comer quase nada e começaram-me a trazer um hambúrguer todos os dias, ao almoço e ao jantar. Fizeram o possível para que me integrasse como deve ser. No ano a seguir, eles convidaram-me a mim e à Edite e nós ainda estivemos para ir, mas entretanto apareceu a pneumonia atípica e nós tivemos algum receio.

Como foi surgindo a ideia de terminar a carreira?
A minha carreira termina inesperadamente. Na altura, estava no Valadares e apareceu-me artrite reumatoide. Já não dava. Aquilo foi um processo complicado e tive que deixar de jogar. Andava a dizer que ia deixar, mas não ia. Depois, fui obrigada a deixar, tinha 40 anos. Acredito que se não tivesse acontecido isso, tinha jogado mais dois ou três aninhos. Sinceramente, ainda me sentia bem. Isso fez precipitar o fim da minha carreira. Foi o que teve que ser.

Se pudesse enviar uma mensagem para as jogadoras da Seleção nacional, o que é que diria?
Aquilo que lhes disse pessoalmente, para usufruírem. Deve ser uma experiência única. Primeiro, têm que aproveitar. Depois, é aquilo que nos caracteriza: seriedade, compromisso, entreajuda. Que tenham muita sorte. Conhecendo-as como eu as conheço, emanam confiança. Agora, é divertirem-se ao máximo. Se calhar, para algumas, vai ser o primeiro e único, para outras, vai ser o primeiro de muitos. Gostava de lá estar também.

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