Nos últimos dias o mundo tem-se transformado numa espécie de gigante Prós e Contras, infelizmente sem a moderação de Fátima Campos Ferreira para pôr na ordem os mais exaltados. Por um lado, os fãs da coroa britânica, por outro os fãs de Meghan Markle. Devo dizer que nunca li a Hola nem vi mais do que meio episódio da série “Suits”, pelo que parti para a entrevista do momento como observadora imparcial. Não era fã de nenhum. Só da Oprah, claro. E que nostalgia me deu, vê-la ali, à sombra do logótipo da SIC. Bons velhos tempos, em que a SIC Mulher passava programas da Oprah em barda. E também uns da Tyra Banks para desenjoar e, sobretudo, para darmos valor à Oprah, a rainha do daytime que, depois desta conversa com uma ex-futura-princesa, pode aspirar a ser rainha dos reality shows, visto que aquela entrevista fazia lembrar alguns diálogos entre a Teresa Guilherme e os pares amorosos da casa mais vigiada do país. O Palácio de Buckingham também é a casa mais vigiada do país, ou do Reino inteiro. Reino esse que já esteve mais unido, ao que parece.
Mas vamos por partes. Oprah começou por relembrar os tempos felizes de Meghan e Harry, nomeadamente o casamento, digno de um conto de fadas com final feliz (neste caso, com o final alternativo “o príncipe montou o seu cavalo branco, ajudou Meghan a trepar e galoparam até ao Aeroporto de Heathrow, onde apanharam o primeiro avião para o Canadá”). Oprah relembra que esteve presente no casamento e que este foi visto por dois mil milhões de pessoas, através da TV, em todo o mundo. Daqui se depreende que é justo que esses mesmos dois mil milhões (e talvez mais uns 500 mil) assistam agora à separação entre o casal e o resto da família. Aquilo que se seguiu foram longuíssimos minutos, terão sido horas? (nem sei, senti-me tão enfadada como se tivesse ido jantar ao Palácio e tivesse de aguentar sentada e em silêncio, com as costas irrepreensivelmente direitas, até servirem o faisão), não sei quanto tempo durou a conversa mas foi um longo desfiar de amarguras, como quem acerta contas em público, mas sempre com aquele ar “ainda sou semi-monarca, por isso vou fazer isto com classe”.
No fundo, se fossem do povo era lavar de roupa suja, como são da elite foi o equivalente a ir à 5 à Sec pôr uns casacos a limpar a seco. Perfeito exemplo disso é um alegado mal entendido entre Meghan e a sua cunhada, Kate Middleton. Zangam-se as comadres, descobrem-se as verdades, diz o povo, mas neste caso ainda não se apurou a verdade completa, visto que Meghan diz que o episódio foi provocado por Kate e os tabloides britânicos dizem o contrário. Seis meses depois do casamento, começaram a surgir manchetes sobre uma desavença entre cunhadas. Foi relatado que Meghan deixara Kate em lágrimas, devido a exigências rigorosas da noiva em relação aos vestidos das meninas das flores. Meghan diz que isto aconteceu, sim senhora, mas que quem chorou foi ela, porque as exigências foram de Kate. Seja qual for a protagonista, é talvez das histórias mais fúteis que ouvi nos últimos tempos. E olhem que eu vivo com duas crianças, que amuam e choram por muito pouco!
Resolvi fazer um pequeno exercício e alterar as protagonistas desta novela, passando a ser plebeias e não duquesas. Fica mais ou menos assim: seis meses depois do casamento da Tânia e do Vítor, começaram a correr uns boatos lá na terra sobre uma desavença entre ela e a cunhada Sandra. Segundo conta a Tina do cabeleireiro, houve um desentendimento entre as duas, a propósito da liga da noiva, e a Tânia acabou em lágrimas.
Esta entrevista concedida por Meghan serve o excelente propósito de fazer com que os pobres se sintam mais felizes. Acho que é mesmo a única função que pode cumprir. Além da principal, de enervar a família real, claro. A questão que parece subjacente a toda a entrevista é: “quem foi o responsável?”. Se procurassem o responsável, em princípio teria sido o Harry, tendo em conta o conhecido historial de festas e bebedeiras. Agora, o responsável pelo corte de relações com a família é mais difícil de identificar. A “fuga” do país foi apelidada de “Megxit”, mas que raio de banana seria o segundo na linha de sucessão ao trono, se se deixasse manipular pela mulher? Estava a brincar, era uma pergunta com rasteira. É óbvio que Harry é tão manipulável como qualquer outro homem casado com uma mulher decidida. Neste caso, decidida a mandar nele. Será sexista esta afirmação? É provável. Estou a seguir o estereótipo de que os homens, quando se casam se transformam automaticamente numas amibas sem vontade própria, o que é tão danoso para a reputação do género masculino como a ideia por trás do “Megxit”, de que as mulheres são todas umas Meg…eras.
Em Meghan Markle tudo é teatral. Mas isto não é uma crítica. Sendo ela atriz é até um elogio: é tão boa profissional que tem um ótimo acting, todo o dia. Nada parece muito verdadeiro, embora possa ser tudo abosolutamente verdadeiro. Eu seria péssima a interpretar linguagem corporal, como se vê. Não faço ideia se Meghan tem razão nas suas queixas, nem me interessa muito para o caso. Interessam-me mais as passagens da entrevista que parecem pequenas bizarrias. Como o momento em que Oprah avisa que o casal não foi pago para conceder aquela entrevista. Estão assim tão mal, os duques de Sussex? Já seria imaginável – e plausível – que aceitassem dinheiro para ir conversar com a Oprah? Depois disso, seguir-se-ia o quê? Uma participação no programa “A Máscara?”. Os dois de lobo… em pele de cordeiro. Que parece ser o oposto da Rainha D. Isabel II, muito elogiada pelo casal, com relatos de relativa ternura (dentro do que é possível com alguém que se cumprimenta com respeitosa vénia). A Rainha parece portanto ser cordeiro em pele de lobo. Aquele ar antipático é só para disfarçar.
Mais à frente ficamos a saber que a mesada da Corte foi retirada a Meghan e Harry, no que parece ser uma retaliação. É como quando decidimos ir trabalhar para o Cais do Sodré, a recolher copos, em vez de acabar a faculdade, e os nossos pais nos retiram o patrocínio. É igual, só que com imensos zeros à direita. Harry conta que se governa com dinheiro que a mãe lhe deixou, e nós ficamos desansados com a informação, mas de seguida o casal revela que começou por viver numa casa emprestada no Canadá, à qual se seguiu uma outra, também de um amigo, mas em Los Angeles. De casal real, sem ocupação, a casal de okupas, foi um instante. Sei que se Meghan lesse este “sem ocupação” ficaria exaltada comigo. Ainda bem que não vai ler, que já tem demasiada chatice com que se ocupar.
A atriz americana queixa-se de que o casamento foi mais um espectáculo para o mundo do que para eles os dois, queixa-se de que as viagens oficiais eram extenuantes, queixa-se de não ter sido protegida pela família real, queixa-se de que não podia ir almoçar fora com as amigas, queixa-se de terem retirado o serviço de segurança ao marido e ao filho, queixa-se de ninguém ter tido o cuidado de lhe ensinar o hino, sabendo que ela é americana. Completa até esse queixume dizendo que teve de ir pesquisar sozinha a letra do “God save the Queen”. Para nós pode parecer fácil, mas Meghan tem imensos problemas a pesquisar no Google, tanto que diz que nunca tinha procurado pelo nome do marido, quando o conheceu. Só faltava dizer que o confundiu com um ruivo que trabalhava no Burger King de Piccadilly. Tanto que quando ele lhe falou em coroas pensou que se referisse àquelas de papelão, que se oferecem na compra de um menu com batatas fritas.
Meghan assume a sua ingenuidade, mostrando ou ingenuidade ou boa performance de ingenuidade, diz que os americanos não sabem muito sobre a realeza, só o que veem nos contos de fadas. Ora isto dota a história de contornos ainda mais dramáticos… Provavelmente passou anos e anos enfiada nos castelos da família com medo de beijar o Príncipe Harry, não fosse ele transformar-se num sapo. E por falar em animais: a meio da entrevista, uma pausa para um passeio pelo parque, onde Meghan apresenta o seu cãozinho, que foi buscar a um canil no Kentucky, e de seguida vemos a ex-duquesa a dar de comer às galinhas resgatadas de um aviário de criação intensiva. “Sempre gostei de resgatar animais”, diz ela, como quem quer completar “ao contrário da rainha, que gosta de resgatar pessoas”. É que Meghan sentiu-se presa no Palácio tal como Harry que, mais adiante na conversa, confessa que sentiu precisamente o mesmo. Anda a Amnistia Internacional preocupada por causa da prisão de gente em sítios insalubres e não quer saber dos nobres que estão confinados em salões reais com 500 metros de largo.
Sim, eu sei, os ricos também sofrem, o dinheiro não traz felicidade e aquilo do “quem corre por gosto não cansa” é uma das mais velhas mentiras do mundo, a par do “escolhe um trabalho de que gostes e não terás de trabalhar um único dia na vida”. Veja-se o caso de Meghan, que escolheu não ter trabalho e se meteu numa carga de trabalhos! Uma das partes mais divertidas da entrevista é quando a americana relata uma conversa que teve com um alto responsável da “instituição” (vou passar a usar este nome para a família do meu marido, também) em que lamentou que não houvesse, como no seu antigo emprego, um sindicato que a protegesse. A ideia de sindicato da nobreza pareceu-me excelente. Já estou a imaginar as reuniões com Letizia de Espanha e Carolina do Mónaco. Uma espécie de CGTP, mas com mais glamour.
A verdade – e esta é a parte mais séria de uma entrevista difícil de levar a sério – é que Meghan foi procurar orientação junto de vários membros da tal “instituição” porque sentia que precisava de apoio psicológico, mas essa ajuda nunca lhe foi dada. Aparentemente, a realeza tinha medo que se descobrisse que Meghan era real e ia ao psiquiatra. Preferiram deixá-la enlouquecer do que passar para o exterior a ideia de que Harry casara com uma maluca. “Sentada nos degraus da minha Cottage [chalet, segundo a legendagem da SIC, mas perde-se um bocadinho de patine na tradução], disse ao Harry que não queria viver mais.” Este relato que, lido assim, é chocante, é contado com pouca convicção. Sou incapaz de dizer que Meghan estava a mentir, dá é a ideia de que não completou a frase: “disse ao Harry que não queria viver mais… aqui” seria mais credível.
Harry é menos falador em toda a entrevista, mas é mais direto. Confessa que resolveu emigrar com a mulher e o filho porque temeu que a história da sua mãe se repetisse. Ok, justificação perfeitamente aceitável e que nos podia ter poupado 50 minutos da conversa com voltas e voltinhas, algumas delas por becos sem saída. Como quando Meghan conta que havia uma preocupação da família real em relação ao tom de pele com que nasceria o seu filho… Como não diz ao certo quem tinha essa preocupação, e as famílias reais tendem a ser numerosas, fica a pairar o fantasma do racismo por cima das cabeças de todos os parentes. Se me parece que pode ser real, esta preocupação, por parte de qualquer membro da coroa, desde a bisavó de Archie até ao primo em sétimo grau? Claro que sim. Qual é a surpresa, vindo de gente que parece ter ficado presa no século XVIII? Esperavam o quê? Cabeças arejadas? (com aqueles chapéus parece-me fisicamente impossível).
Pode ser que esta história sirva de exemplo a todas as meninas que sonham casar com o príncipe encantado. Deixem-se disso, que a vida da realeza é um desencanto. Ao ver aquela longa entrevista fiquei aliviada por dois motivos… Desde logo por não vivermos numa monarquia, imaginem o que seria ter de aturar uma entrevista equivalente dada por D. Isabel de Herédia…. E, em segundo lugar, por não termos tantos anúncios como a televisão americana. Dezassete intervalos, Oprah? É demais!
Joana Marques é humorista, faz rádio muito cedo e deita-se demasiado tarde