Carlos Pacheco fez parte da lista do Partido Socialista à câmara municipal de Portimão nas eleições autárquicas de setembro de 2021, encabeçada por Isilda Gomes, e, um mês depois, renunciou ao lugar de primeiro suplente. Passado um mês dessa renúncia, o executivo liderado por Isilda Gomes atribuiu-lhe um contrato de 82.656 euros por ajuste direto, para dinamizar o espetáculo “Portimão um Sonho de Natal”.
Um ano depois, já neste Natal de 2022, o município voltou a contratar o mesmo espetáculo a Carlos Pacheco por 92.170 euros, através de consulta prévia. Até ser candidato do PS não há registo de nenhum contrato público com a autarquia de Portimão, depois de integrar a lista, o município atribuiu-lhe dois contratos no valor de cerca de 175 mil euros. A presidente da câmara e o visado desvalorizam a história.
Carlos Pacheco, ex-candidato pelo PS e ator, diz ao Observador que “não percebe a história” e acusa a oposição de se ocupar com “coisas sem sentido“. Também a presidente da autarquia, questionada sobre uma incompatibilidade ética, respondeu ao Observador que “Carlos Pacheco renunciou em finais de outubro de 2021 à sua presença na lista de candidatos suplentes do Partido Socialista, mostrando a sua indisponibilidade para exercer funções autárquicas”.
Para Isilda Gomes, o facto de atribuir um contrato a um membro da sua lista por ajuste direto nas autárquicas que ocorreram um mês antes, não constituiu qualquer problema. O ator confirma ao Observador que renunciou e acrescenta “não perceber nada de política” e fala em “pedras no sapato” com figuras da oposição em Portimão.
No ano de 2021 — o primeiro contrato publicitado na plataforma Base –, foi mesmo por ajuste direto. O limite na lei para ajuste direto na aquisição de bens e serviços são 20.000 euros. Porém, as autarquias e outras entidades públicas gozavam da exceção aplicada durante a Covid-19, o que permitiu que fosse adjudicado a Carlos Pacheco um ajuste direto de 67.200 euros sem IVA (os tais 82.656 euros de custo total).
Já em 2022, já sem gozar da ‘exceção Covid’ a autarquia teve de recorrer à figura da consulta prévia, em que o limite para bens e serviços são 75.000 euros. O contrato, sem IVA, ficou a 65 euros desse valor: 74.935 euros (os tais 92.175 euros com IVA). A autarquia explica que pediu orçamentos a duas outras empresas: a Neurónio Festivo e a Ritmos Jovens Sons, empresa que tem ajustes diretos e consultas prévias com a autarquia em outros contratos.
Carlos Pacheco especifica que teve que concorrer ao projeto através de uma plataforma de compras publicas — AcinGOV — e que o dinheiro que ganhou “foi praticamente nenhum“, por ter “procurado envolver todas as coletividades, que foram devidamente pagas”. O ator e empresário diz que passaram pelo evento deste ano perto de 500 pessoas e justifica a escolha com “ser da terra e conhecer os hábitos dos portimonenses”.
O PSD/Portimão já criticou o caso para dizer que considera “legais, mas eticamente reprováveis” e a defender que o procedimento de contratação “devia ter pecado por excesso”, sugerindo “um concurso público ou um ajuste limitado por prévia qualificação”, dando assim hipótese ao empresário de participar mas sendo “inequivocamente mais transparente e o suposto candidato mais intocável no seu mérito”.
O PSD/Portimão divulgou mesmo uma imagem da brochura do PS, onde se pode ver o lugar que Carlos Pacheco ocupava na lista de Isilda Gomes (era o 10º e primeiro suplente). Ao Observador, Carlos Pacheco diz que fez questão “de não ir num lugar elegível” e que “logo depois das eleições” pediu “dispensa de todo os cargos autárquicos“.
Clube liderado por Carlos Pacheco recebeu mais no ano em que foi candidato
Carlos Pacheco é uma conhecida figura da região algarvia como ator e empresário na área da animação e do teatro e concorreu nas eleições autárquicas de 2021 como primeiro suplente e “na condição de independente”, ao que avança a autarquia e confirma o ator ao Observador.
Ainda assim, Carlos Pacheco regista apenas dois contratos com a Câmara de Portimão e todos eles foram feitos depois das eleições em que o ator participou ativamente, como é visível em várias fotografias publicadas durante a campanha autárquica.
Apesar dos contratos de maior valor terem ocorrido depois das eleições, Carlos Pacheco diz ao Observador que “antes das eleições já fazia desfiles e outras atividades para a autarquia, embora de baixo valor” e que “sempre esteve” ligado às atividades municipais “sem ter ligação à autarquia”.
Para além de ser ator e empresário em nome individual, promovendo espetáculos em vários municípios – no portal Base estão registados contratos em Portimão, Lagoa e Vila de Bispo –, Carlos Pacheco é também presidente do Boa Esperança Atlético Clube, uma coletividade em Portimão que desenvolve atividades na área do teatro. A câmara já dava apoios à coletividade antes de Carlos Pacheco ser candidato, mas o valor aumentou exponencialmente no ano das autárquicas.
A ligação ao Boa Esperança está, para Carlos Pacheco, na base das críticas de que tem sido alvo. O ator explica que quando foi eleito “foi com o maior número de votos de sempre” e que isso gerou problemas com outra lista “que chegou a impugnar as eleições”.
O ator diz agora que “estava envolvido um senhor que hoje está na oposição e que ainda hoje deve ter alguma pedra no sapato” e diz até que “alguns familiares de pessoas da oposição trabalharam neste projeto” do mercado de natal de Portimão. Para Carlos Pacheco é também importante distinguir que “não há que confundir a coletividade com a empresa”, embora já tenha apontado essa “simbiose” como vantagem.
Em 2019, o Boa Esperança Atlético Clube recebeu apenas 11.070 euros (do contrato-programa de funcionamento), em 2020 recebeu 23.255 euros (11.100 do contrato programa de funcionamento e 12.155 euros do contrato-programa extraordinário Covid). Já em 2021, ano das autárquicas e em que Carlos Pacheco integrou a lista, o apoio subiu para 52.770 euros (11.700 de contrato-programa, 36.900 de contrato-programa de investimento) e 4.170 euros de contrato-programa extraordinário Covid).
Questionada pelo Observador sobre quase duplicar o valor, a câmara de Portimão diz que “em 2021 o incremento de valores refere-se ao facto de o clube ter apresentado duas candidaturas a apoio financeiro e da autarquia ter novamente estabelecido com o movimento associativo contratos programa extraordinário COVID 19”. O apoio no âmbito da Covid foi, no entanto, apenas de 4 mil euros.
O executivo liderado por Isilda Gomes explica ainda que o “contrato programa de investimento na ordem dos 37 mil euros” ocorreu porque o “clube ia realizar obras de beneficiação do telhado da coletividade orçamentadas em mais de 120 mil euros e solicitou uma comparticipação por parte da autarquia como se encontra previsto no Regulamento de Atribuição de Apoio às Pessoas Coletivas e Individuais Sem Fins Lucrativos do Município de Portimão”.
O apoio para o telhado coincidiu, então, com o ano das eleições e em que Carlos Pacheco foi candidato do PS, mas o ator diz que “as obras ainda não puderam ser concluídas” e vinca que estas são “verbas de investimento”, diferentes do apoio regular que a coletividade recebe e que “foram votadas favoravelmente pela oposição”.
Já em abril, em entrevista ao jornal Barlavento, Carlos Pacheco respondeu que “se não fosse dessa forma”, a simbiose entre o papel de empresário e de presidente da coletividade, “o Boa Esperança não conseguia ser o que é hoje. (…) Seríamos mais uma coletividade sem condições, que apresentava um bailarico de quando em vez, ou qualquer coisa mixuruca”.
O Boa Esperança Atlético Clube é um dos muitos clubes e coletividades de Portimão que beneficia de apoios camarários mas aí a duplicação de funções de Carlos Pacheco parece não ter provocado dúvidas na oposição que “aprovou por unanimidade” os contratos-programa, segundo informação da autarquia.