Índice
Índice
Na primeira entrevista televisiva após ter fugido de Portugal, João Rendeiro garante que só volta a Portugal se for ilibado ou se tiver um indulto presidencial. Em entrevista exclusiva à CNN na estreia do novo canal de informação em Portugal, o ex-presidente do BPP admite, no entanto, que isso é “quase impossível” e que não vê “nenhum cenário em que isso possa acontecer”. Marcelo Rebelo de Sousa reagiu a esta afirmação precisamente na apresentação da CNN Portugal, dizendo que “já é tarde” para um indulto, cujos pedidos têm de ser feitos pelos próprios até final de junho, passam por vários processos e apreciações, da ministra da Justiça até chegar ao Presidente, e que “há muitos outros que estão na fila para ser apreciados”.
O ex-banqueiro não revela o seu paradeiro no momento da entrevista, durante a qual fala por videochamada com tecnologias escolhidas pelo próprio e encriptadas que, informa a estação, impedissem o seu rastreio. João Rendeiro foi condenado por três vezes: em 2018, a uma pena de cinco anos e oito meses de prisão efetiva, pelos crimes de falsidade informática e falsificação de documentos, pena que já transitou em julgado depois de esgotados todos os recursos. Em maio de 2021, o ex-líder do BPP foi novamente condenado a uma pena de dez anos de prisão efetiva, pelos crimes de fraude fiscal qualificada, abuso de confiança qualificado e branqueamento. E em setembro de 2021, a uma pena de três anos e seis meses de prisão efetiva por burla.
Presidente da República diz que “já é tarde” para conceder indulto a Rendeiro
Questionado sobre o seu paradeiro, Rendeiro não responde nunca onde se encontra, mas revela não estar no Belize, ao contrário do que foi noticiado, mas num estará num local onde se fala português, perto do mar, segundo a introdução à entrevista feita por Judite de Sousa na TVI. O ex-banqueiro dá contudo pormenores da sua vida atual: “Faço uma vida perfeitamente normal, como em Lisboa ou em Cascais. Saio à rua, vou à praia, ao ginásio, não uso peruca, nem nunca andei de rabo de cavalo.” Rendeiro diz também que trabalha atualmente como consultor — “vivo do meu trabalho, para empresas internacionais, ainda há pouco tempo num contrato de 500 milhões de dólares”. Mas, apesar de tudo isto, afirma que “não recomenda a ninguém o caminho que assumiu”, sem nunca dar qualquer pistas sobre o país onde pode estar: “O meu coração e o meu relógio estão na hora portuguesa”, é a sua única afirmação às várias insistências do entrevistador, Júlio Magalhães.
Indemnização ao Estado? “Evidente que sim” — e de 30 milhões de euros
O ex-banqueiro sublinha que a fuga “só foi decidida em Londres” e que, no momento de embarque, “estava uma procuradora do DCIAP” que o viu “perfeitamente” a “tomar um voo para Londres”. Mas não diz qual ou se tinha alguma ligação ao seu processo ou conhecimento dele.
O ex-líder do BPP revela também que avançou com recursos internacionais, tentando justificar a sua fuga: “Não houve um processo equitativo no meu julgamento e isso está na base do processo que está a ser colocado em tribunais internacionais”, afirma o ex-banqueiro.
Como fundamentos desses recursos, o ex-banqueiro aponta a “duração do processo”, porque em “termos internacionais, um processo que dure mais de sete anos, são considerados processos em falha”. “Os meus processos têm praticamente 14 anos”, destaca, acrescentando que isso “é o dobro do aceitável”. “Por exemplo, em termos de extradição, há vários países onde processo longos são causa de não extradição.” Mas nunca diz quais.
No recurso internacional pedido, Rendeiro diz ter a certeza de que vai ser ilibado. E anuncia que vai pedir uma indemnização “muito substancial” ao Estado na ordem dos 30 milhões de euros. “Se for concedida, vai ser doada”, frisa.
Salgado vs. Rendeiro: “O protegido do sistema” e o “poderoso fraco”
João Rendeiro compara-se também com Ricardo Salgado, acusado de 60 crimes, referindo que a justiça portuguesa “tem dois pesos e duas medidas”: “Salgado segue com a sua vida tranquila em Lisboa” e é “protegido pelo sistema”, diz quanto ao ex-presidente do BES. Já sobre ele, afirma: “Como nunca paguei nada a ninguém e não tenho segredos de Estado, sou um poderoso fraco”.
“O dr. Ricardo Salgado ainda hoje é uma pessoa extremamente influente, os pagamentos do saco azul não são conhecidos”, sublinha, insinuando que o ex-líder do BES/GES “é uma pessoa quem tem muitas informações sobre operações muito delicadas e com intervenientes complexos”.
Aludindo também a outras penas do seu próprio processo, como a do ex-administrador do BPP Salvador Fezas Vital (condenado a 15 mil euros de multa, vs os seus cinco anos e meio de prisão), Rendeiro sinaliza que o que motivou a decisão contra si foi “o direito à resistência perante uma justiça injusta”. Relativamente a Paulo Guichard e às suas declarações que dão conta de que “fugir é um ato de cobardia”, diz que essa matéria não o preocupa, nem tem necessidade de refletir sobre ela.
Contudo, compara a sua fuga, “do ponto de vista filosófico”, com um gesto nobre, “como o suicídio” (harakiri) cometido “pelos samurais”. E repete o que já escrevera numa carta publicada no jornal Tal & Qual: “Liberdade ou morte”.
Sobre não assumir nenhum dos crimes de que está acusado pela justiça, o ex-banqueiro diz que “em termos jurídicos”, tem “apenas uma condenação simples” que ainda está sob verificação do Tribunal Constitucional, o que poderia significar que, se “por absurdo o apelo tiver êxito” — o recurso internacional que vai interpor — “não teria neste momento uma decisão transitada em julgado”. Na verdade, todas as decisões transitadas em julgado em Portugal, como Estado soberano, não têm apelo internacional. Uma das três condenações de Rendeiro, a pena de cinco anos e oito meses de prisão efetiva, pelos crimes de falsidade informática e falsificação de documentos, já está nessa fase.
“As cadelinhas”: os três amores de Maria com os quais não consegue competir
Rendeiro ataca ainda a justiça portuguesa, dizendo que ao não o “poder apanhar”, decidiu voltar as atenções para a sua mulher, Maria de Jesus Rendeiro. Mas, garante, isso não funcionará: “Se a ideia, ao atacar a Maria, é fazer-me regressar a Portugal, não terá qualquer êxito”.
Ao longo da entrevista, feita em colaboração com o jornal Tal & Qual, Rendeiro volta, aliás, a falar da sua mulher e do caso das obras de arte de que era fiel depositária sobre a qual já se pronunciara em declarações ao Sapo24. Maria de Jesus Rendeiro está neste momento em prisão domiciliária por suspeitas de crimes de descaminho, desobediência, branqueamento de capitais e falsificação de documentos pela venda de oito quadros e troca por obras falsas.
Rendeiro assegura que é “o responsável total sobre qualquer matéria relacionada com o alegado descaminho” de obras de arte, desresponsabilizando a mulher. Segundo disse, Maria de Jesus Rendeiro recusou fugir e sair de Portugal, porque “não gosta de viajar”, e é uma “pessoa que gosta do seu cantinho e da sua conchinha”, tendo “três grandes amores” com o qual o próprio João Rendeiro diz que “não consegue competir”: “As três cadelinhas, a Joana, a Clara e a Boneca”.
“Sinto-me responsável por tudo isto. A Maria está a sofrer por minha causa”, desabafa João Rendeiro, reforçando a sua opinião de que o Ministério Público “não tem uma única prova que ligue ao descaminho” das obras de arte por parte da sua mulher. E o ex-banqueiro voltou a explicar que Maria de Jesus Rendeiro ser fiel depositária foi “um lapso de um advogado” — que garante não ser José Miguel Júdice. “Foi uma falha involuntária e, para minha surpresa e surpresa da Maria, verificámos recentemente que afinal era ela a fiel depositária”, função que devia pertencer ao ex-líder do BPP.
Sobre o facto de Maria de Jesus Rendeiro ter ficado em prisão domiciliária devido a esse caso, o ex-banqueiro diz que “acusar a Maria de perigo de fugir” é um “absurdo”. Adicionalmente, ressalva que a mulher “não deve cumprir pena nenhuma, sou eu o responsável total”: “É a justiça da Idade Média.”
Acaba por agradecer aos “seus amigos e amigos de Maria” o apoio “que lhes têm dado” e deixar uma mensagem à “única pessoa que é verdadeira especial”, a mulher, Maria de Jesus Rendeiro.
O apartamento na Quinta Patino: “Pelos vistos, o meu motorista não tem direito a ser uma pessoa normal”
Na mesma entrevista, João Rendeiro foi questionado sobre a compra do apartamento por parte do seu motorista na Quinta Patino, em Cascais, para usufruto da mulher, Maria de Jesus Rendeiro. “Pelos vistos, o meu motorista não tem direito a ser uma pessoa normal”, atirou, referindo que o filho de Florêncio de Almeida, presidente da Antral, vendeu “um prédio por um milhão e meio de euros” e depois comprou o dito apartamento por “1,15 milhões de euros”, mas não explica porque passou a ser a sua mulher a usá-lo.
O ex-banqueiro confirma também que, em 2015, vendeu um conjunto de propriedades ao pai, Florêncio de Almeida por “um preço adequado”. “O senhor Florêncio de Almeida tem completa explicação para a natureza das operações que foram feitas e dá-las-á em sede própria”, indica apenas.
A Quinta Patino é um condomínio de luxo onde vivem vários milionários portugueses. A mulher de João Rendeiro continua a viver na casa e é lá que se encontrava a coleção de arte particular do ex-banqueiro.