Ao longo de vários meses, Pippo Russo, jornalista italiano e professor de Sociologia do Desporto em Florença, investigou a vida, os negócios e as estratégias do “superagente”. O resultado está condensado nas mais de 400 páginas de “A Orgia do Poder” (“A história nunca contada de Jorge Mendes, o agente português que se tornou o patrão do futebol mundial”), publicado agora em Portugal pela Planeta.
No livro, Russo, 47 anos, disseca o percurso de Mendes, 51, desde os tempos em que foi gerente da discoteca Alfândega, em Caminha, até à atualidade, em que é considerado o maior empresário do mundo e tem entre os seus cerca de 80 clientes alguns dos mais importantes jogadores e treinadores do futebol internacional — Cristiano Ronaldo, James Rodriguez, Ángel Di Maria, Diego Costa, José Mourino e Radamel Falcao incluídos.
O colombiano, atualmente no Mónaco, terá implicado em tribunal, soube-se esta quarta-feira, o próprio Jorge Mendes, num caso de alegada fuga ao fisco instaurado em Espanha. Em causa estará a ocultação, numa conta offshore, dos proventos recebidos pelo ponta de lança relativamente aos seus direitos de imagem durante os anos em que alinhou pelo Atlético de Madrid.
O Observador revela parte do capítulo, “O grande jogo”, dedicado aos grandes clubes do futebol internacional com que o “superagente” tem negócios e mantém relações estreitas: Manchester United, Mónaco, Atlético de Madrid, Valencia e Wolverhampton.
O grande jogo
Onde se enquadra o grande jogo de Jorge Mendes? Quais são os quadrantes geográficos e quais são os clubes de futebol que marcam o seu estatuto de homem mais poderoso do futebol global? Tudo o que foi descrito até este momento fala da ascensão e da consolidação de um sistema de poder e a ligação de tudo isso com o país de origem. Contudo, aquilo a que chamo «o grande jogo», o tabuleiro com peças grandes e casas estratégicas, é coisa de um nível superior. Divide‑se em dois grandes quadrantes globais, o europeu e o asiático. Os operadores que o formam têm uma dimensão e origem diferentes: contudo, são sempre clubes de futebol e operadores económicos com um peso grande. Cada um deles tem características e funções precisas, encontrando‑se sempre o superagente no seu centro. À sua volta, move‑se o mais oleado subsistema pertencente ao gigantesco sistema de economia paralela do futebol global. Porém, antes de começar a descrever este tabuleiro, é necessário olhar para as relações entre Jorge Mendes e os grandes clubes europeus, os que jogam nas principais ligas do Velho Mundo.
Em primeiro lugar, surgem os negócios com os dois grandes de Espanha, o Barcelona e o Real Madrid. As relações com os dois clubes ocorreram em momentos diferentes, mas ambos foram igualmente prósperos. Houve um período em que a ligação com o Barcelona era muito forte, em meados da primeira década do século xxi, e isso devia‑se essencialmente à relação privilegiada entre Jorge Mendes e o então presidente blaugrana Joan Laporta. É o período em que o Barça compra Ricardo Quaresma, Deco, o defesa mexicano Rafa Marquez. Todos eles pertencentes à equipa Gestifute. Também há quem atribua a Jorge Mendes a intermediação no negócio que leva Ronaldinho para a Catalunha. Quando a presidência de Laporta chega ao fim sem glória, entre polémicas sobre contas descontroladas do clube e as actividades de espionagem já referidas, abre‑se um período em que as relações entre o Barcelona e a Gestifute sofrem um interregno. Também porque Mendes continua a dar‑se com Laporta enquanto este se esforça por reconquistar a presidência blaugrana e a imprensa representa estas reuniões como um apoio da Gestifute à controversa personagem. No entanto, durante a janela de Verão de 2015, os negócios recomeçam. A Gestifute ajuda a concretizar a contratação do médio turco Arda Turan ao habitual Atlético de Madrid. No Verão de 2016, a reaproximação é oficial. Quem faz referência a isso é um título do jornal El Mundo: «O Barcelona e Jorge Mendes reconciliam‑se 13 anos depois graças a André Gomes.» Aqui, fala‑se da transferência do Valencia do médio da selecção nacional portuguesa, que também foi realizada por um valor claramente sobrestimado: 35 milhões de euros, mais 20 em bónus a pagar pelo cumprimento de alguns objectivos. Entre eles, também a irrealista atribuição da Bola de Ouro ao jogador. Os negócios no eixo Valencia‑Barcelona não se ficam por aqui. Nos últimos dias do mercado de transferências de Verão, o clube catalão também compra o avançado Paco Alcácer. Também ele cliente de Jorge Mendes. São mais 30 milhões que vão parar aos cofres do clube de Peter Lim. Além disso, o avançado espanhol vive uma fase feliz da sua carreira porque, além da transferência para o Barcelona, também ocorre o regresso à selecção depois de o ex‑seleccionador Vicente del Bosque o ter deixado de fora dos convocados para o Europeu de 2016. O novo seleccionador que decide voltar a chamá‑lo chama‑se Julen Lopetegui. O mesmo da dupla Bucero‑Mendes, passageiro numa secção do livro de Cuesta e Sánchez que começa com a seguinte citação em epígrafe: «O Jorge é energia pura.»
O período de rarefacção das relações com o Barcelona coincide, grosso modo, com o período em que a Gestifute realiza negócios estonteantes com o Real. A certo ponto, o clube merengue chega mesmo a estar colonizado pela Gestifute. Tudo começa no Verão de 2007 com Pepe, transferido do FC Porto por 30 milhões de euros. Dois anos depois, é realizada a transferência recorde de Cristiano Ronaldo, que chega do Manchester United por 94 milhões de euros. E quando, no Verão de 2010, o banco madridista é entregue a José Mourinho, as comportas abrem‑se. Naquele Verão, chegam Ricardo Carvalho, com 32 anos, proveniente do Chelsea, por oito milhões, e Ángel Di María do Benfica, por 25 milhões, mais 11 relacionados com bónus e incentivos. Mais: no Verão de 2011, José Mourinho pede o improvável Fábio Coentrão e o Real de Florentino Pérez satisfaz a pretensão, largando 30 milhões para o Benfica. A turbulência também aumenta, porque a relação entre o Real e José Mourinho é inconstante e os resultados não estão à altura das expectativas. Mas Mendes continua a ter uma grande influencia sobre as decisões madridistas. Chega mesmo a comprar casa na La Finca, um condomínio fechado muito exclusivo em Pozuelo de Alcorcón, na zona metropolitana madrilena. Um lugarzito onde as rendas podem chegar aos 17 mil euros mensais3 e onde moram inúmeros jogadores do Real e do Atlético. Este estado das coisas leva Gabriele Marcotti, credível jornalista italiano radicado em Inglaterra, a escrever nas suas colunas do Wall Street Journal que Jorge Mendes é o verdadeiro dono do Real sem nunca o ter comprado. Quem pensar que a leitura de Marcotti é exagerada, as provas chegam numa frase pronunciada por Florentino Pérez, no Verão de 2014, em resposta a quem lhe perguntava se Radamel Falcao iria ser contratado pelo Real: «Se contratar Falcao, devo colocar Mendes como presidente.» Apesar dos altos e baixos, os negócios entre a Gestifute e o clube merengue continuam e atingem uma nova fase significativa com a chegada do avançado colombiano James Rodríguez naquele mesmo Verão de 2014. O Real compra‑o por 80 milhões de euros ao Mónaco, que um ano antes o tinha contratado ao FC Porto por 45 milhões. Um percurso claramente mendesiano. James Rodríguez torna‑se o melhor marcador do Mundial no Brasil, mas o seu rendimento no Real é muito inferior ao esperado. Também por causa disso, além da complicada gestão da diva Cristiano Ronaldo e da má imagem deixada com a troca falhada de De Gea‑Navas, é que o clima entre o chefe da Gestifute e a Casa Blanca piora. E isto ocorre precisamente numa fase em que ocorre a reaproximação entre Jorge Mendes e o Barça. Agora, resta‑nos esperar pela próxima oscilação do pêndulo.
Continuando no trilho dos clubes europeus de topo, o chefe da Gestifute ganhou a reputação de manter uma relação muito boa com o Paris Saint‑Germain. Colocou no clube da capital francesa tanto Thiago Silva, como Di María e, durante o Inverno que uniu 2015 a 2016, manteve contactos muito frequentes com o presidente Nasser Al Khelaifi. Os comentadores dizem que, naquela altura, o superagente português está a desenvolver esforços para aumentar a sua influência sobre o clube parisiense. No centro deste cruzamento de interesses está a possibilidade de Cristiano Ronaldo deixar o Real Madrid para assinar o contrato mais chorudo da sua carreira pelo clube de Paris. O negócio não se concretiza. Pelo menos, não por enquanto. Contudo, entretanto, Mendes leva um novo treinador para o PSG. Trata‑se de Unai Emery, vencedor de três Ligas Europa consecutivas ao leme do Sevilha. Depois de ter vencido pela segunda vez a competição europeia, Emery não consegue resistir à força de atracção de Jorge Mendes e deixa o seu agente Iñáki Ibáñez para passar para a Gestifute. As coisas entre os dois não correm bem, tanto mais que, na Primavera de 2016, espalha‑se a notícia de uma ruptura pretendida por Emery. Mas é coisa passageira. A relação volta a entrar nos eixos e, em Julho de 2016, o treinador basco chega ao PSG graças à Gestifute. Se isto será útil à causa do seu agente, e se continuará a se‑lo, ainda está por ver. É necessário não esquecer que, no Verão de 2015, quando o Mónaco pilotado por Jorge Mendes tem pressa em alcançar receitas devido à qualificação falhada para a fase de grupos da Liga dos Campeões, o Paris Saint‑Germain está pronto a gastar 25 milhões para ficar com Kurzawa. A seguir, durante a janela de transferências de Janeiro de 2017, o PSG também contrata Gonçalo Guedes por 30 milhões de euros, mais sete em possíveis bónus. E a transferência reaviva as exigências do antigo agente do jogador, Paulo Rodrigues, que reclama uma percentagem do valor da transferência, por serviços anteriormente prestados ao Benfica e ao jogador e por direitos da agência que ainda considera válidos.
Continuemos no trilho das grandes ligas europeias, onde o caso italiano representa um caso estranho. Para Jorge Mendes, foi sempre tratado como um mercado secundário. É provável que isso se fique a dever ao facto de ele estar a trepar a escada do poder no sistema do futebol global precisamente na altura em que a força económica dos clubes italianos começa a diminuir. Facto assente é que a Serie A não é um território privilegiado para o superagente português. O período de maior intensidade ocorre com Mourinho no banco do Inter. É o auto‑intitulado Special One que quer no Inter um outro cliente da Gestifute, Ricardo Quaresma, no Verão de 2008. A operação é realizada por 24,6 milhões de euros, dos quais 18 vão para os cofres do FC Porto, que ainda fica com um jogador do Inter com o nome completo de Victor Hugo Gomes Passos, mas que se apresenta modestamente no mundo do futebol como Pelé. Havia chegado um ano antes ao Inter, proveniente do Vitória de Guimarães. De acordo com muitos sites, é cliente da Gestifute, mas não há uma opinião unânime sobre o assunto. Na troca com o Inter, o pequeno Pelé é avaliado em seis milhões. Apenas irá ficar seis meses no FC Porto, para depois ser emprestado. O seu último destino conhecido é o Anorthosis Famagosta, do Chipre. Falta apenas recordar que Quaresma revela‑se um dos maiores flops da era Moratti. Também Thiago Motta é cliente da Gestifute quando chega ao clube de Milão. Depois, muda de agente e junta‑se a Alessandro Canovi. Além disso, em Janeiro de 2008, ainda antes de Mourinho chegar, o Inter havia contratado Maniche. Em Janeiro de 2012 e, mais uma vez, sob pressão de um desinteressadíssimo Mourinho, o Inter está prestes a comprar um outro jogador agenciado pela Gestifute: Manuel Fernandes, que seria emprestado pelo Valencia. Seria. Isto porque o jogador apresenta‑se em Milão de muletas devido a uma fractura no perónio. Como é óbvio, não passa nos exames médicos e é enviado para trás. Um outro jogador que chega ao Giuseppe Meazza e que muito provavelmente tem ligações à Gestifute é Fredy Guarín, contratado ao FC Porto por 11 milhões de euros. O último da série é José Miranda, defesa central brasileiro que chega no Verão de 2015, proveniente do Atlético de Madrid.
As relações com os outros dois clubes que fizeram parte do grupo de pressão G‑14 e que, por isso, seriam interlocutores privilegiados para o superagente português, são esporádicas. Com a Juventus são realizados dois negócios de má memória. Um chega a ser mesmo desastroso, nomeadamente o que leva para Turim Jorge Andrade, no Verão de 2007. O defesa, já quase com trinta anos, vinha de uma lesão grave e, em Turim, volta a lesionar‑se logo em Setembro, falhando toda a temporada. Volta a lesionar‑se gravemente durante o estágio de pre‑epoca de 2008‑09, sendo definitivamente retirado da equação. Em Abril de 2009, é assinada a rescisão do contrato. Durante aquelas duas temporadas em que esteve inscrito na Juventus, Jorge Andrade acumula um total de quatro jogos. Balanço daquela transferência do ponto de vista da Juventus: dez milhões de euros, mais o valor dos ordenados. Concluída a rescisão do contrato, Jorge Andrade tenta regressar aos relvados em Málaga. Realiza um breve período de testes entre Julho e Agosto, mas é descartado. A sua carreira termina ali. A passagem de Tiago Mendes por Turim também é medíocre. Também ele chega no Verão de 2007, tendo sido pagos 13 milhões de euros pela sua contratação. Não se ambienta, sofre uma lesão, acaba à margem da equipa. Também no seu caso há a rescisão mútua do contrato, assinada no Verão de 2011. Saldo dos dois negócios realizados entre a Juventus e a Gestifute: 23 milhões de euros gastos em dois jogadores que se revelam inúteis para a equipa e com quem o clube rescinde o contrato. No Verão de 2016, fala‑se com insistência da ida de André Gomes para o clube italiano e, depois, da de Rúben Neves. O primeiro vai para Barcelona, o segundo fica no FC Porto.
A relação com o Milan também é quase inexistente. Tudo se resolve com a compra e venda de Thiago Silva, que, em Janeiro de 2008, chega ao Milan por dez milhões de euros, proveniente do Fluminense e que, no Verão de 2012, é vendido ao Paris Saint‑Germain por 42 milhões de euros. No Verão de 2016, o Gazzetta dello Sport publica um artigo que refere que Mendes e o grupo chinês Fosun estariam prontos para comprar o clube rossonero. Um dia depois, já não se fala do assunto. De resto, o superagente português realiza negócios de segunda categoria em Itália. Como por exemplo, o que leva para Verona (temporadas de 2014‑16) um Rafa Marquez já em fim de carreira, ou a já referida transferência de Wallace para a Lazio no Verão de 2016.
Continuando com o reconhecimento das grandes ligas, aquela que esteve durante muito tempo alienada das manobras de Jorge Mendes foi a Bundesliga. Também neste caso, tal como no italiano, a explicação poderá ser encontrada no ciclo económico de um movimento futebolístico nacional. A Bundesliga é, desde sempre, uma liga rica e economicamente equilibrada. Durante um longo período, o seu equilíbrio financeiro também se apoiou num nível contido das despesas no mercado de transferências de jogadores. Raramente os clubes alemães se deixam arrastar para leilões pela compra de jogadores. Contudo, na passagem entre a primeira e a segunda décadas deste século, também por aqueles lados começam a surgir valores elevados no mercado de transferências. A liderar este desenvolvimento está o inevitável clube mais rico e poderoso do futebol alemão: o Bayern de Munique. Por isso, não há nada de surpreendente que seja precisamente um negócio realizado com o clube bávaro a abrir a Jorge Mendes a fronteira alemã. A transferência em questão é a que leva Renato Sanches do Benfica para a Baviera, por um valor de 35 milhões de euros, que poderá alcançar os 80 dependentes da concretização de alguns objectivos. A ajudar a concluir as negociações surge Carlo Ancelotti, recem‑treinador do Bayern e amigo de Jorge Mendes. Abriu‑se uma nova fronteira para a Gestifute e os próximos anos dirão se continuará a ser atravessada. Ainda a propósito desta abertura da frente alemã para a Gestifute, há uma interpretação que é necessário ter em conta. Em Junho de 2016, conversei com uma importante personagem do futebol português (antimendesiano, ça va sans dire) a propósito da aquisição de Renato Sanches pelo Bayern. Depois de nos termos interrogado sobre qual o motivo que teria levado um clube alemão a realizar uma despesa assim tão vistosa, típica de clubes ingleses ou do duo Real Madrid‑Barcelona, chegamos à resposta: a perspectiva da Superliga europeia para o clube. Um projecto que está sempre latente, alimentado pelos clubes do antigo G‑14 e por outros que, com o decorrer dos anos recentes, atingiram uma dimensão que o mais radical defensor do projecto da Superliga europeia é Karl‑Heinz Rummenigge, que, depois de ter arrumado as chuteiras, se tornou um dos falcões de um futebol que se baseia essencialmente na força económica e mediática dos clubes. Presidente para o futebol do Bayern de Munique, Rummenigge também é presidente do executive board da European Club Association, o grupo lobista de clubes europeus na UEFA e na FIFA. Graças a esta função, Rummenigge foi eleito, em Setembro de 2015, para ser membro do comité executivo da UEFA, em conjunto com Andrea Agnelli, presidente da Juventus. «Rummenigge é obcecado pela ideia de constituição da Superliga, quer vender a alma ao diabo, apesar de atingir os resultados pretendidos. Para ele, Jorge Mendes, com os seus contactos ao mais alto nível tanto no mundo do futebol, como no mundo das finanças próximas do futebol, pode ser um aliado estratégico. Também assim é possível compreender os gastos exagerados do Bayern para ficar com Renato Sanches», afirma o meu interlocutor. Interpretação mais do que plausível.
Deixei para último a liga mais rica, a Premier League inglesa. Tomei esta opção porque é precisamente aqui que se encontra um quadrante do tabuleiro em que ocorre o jogo grande de Jorge Mendes. Contudo, antes de revelar qual é este quadrante, é necessário fazer uma breve descrição da relação entre o superagente português e os outros clubes que fizeram parte do G‑14 ou que assumiram uma dimensão tal que poderão vir a fazer parte dele. O primeiro deles é o Arsenal, cuja inexistência de relações com Jorge Mendes é tema de debate na internet. Há quem chegue a perguntar‑se: poderá ser a falta de contacto entre Arsène Wenger, técnico dos Gunners, e o superagente português que impede que o Arsenal consiga contratar certos jogadores? Parece‑me razão suficiente para encerrar por aqui o dossiê arsenalista.
Também são pouco relevantes as relações da Gestifute com o Liverpool. Já se falou de João Teixeira, turista pago durante quatro temporadas pelo Liverpool e depois impingido ao FC Porto com um grande suspiro de alívio. É o chefe da Gestifute que trata do seu regresso a Portugal, depois de ter tentado colocá‑lo, em vão, noutro local. Durante toda a janela de transferências do Verão de 2016, fala‑se da eventualidade de os Reds contratarem o brasileiro Anderson Talisca ao Benfica. Quem intermediaria a negociação seria Jorge Mendes que, como já foi anteriormente descrito, tomou de empreitada o mercado dos encarnados. Contudo, o jogador vai parar à Turquia, ao Besiktas, clube historicamente próximo da Gestifute.
Ainda há o Chelsea. Durante um longo período de tempo, fez parte do jogo grande mendesiano, foi mesmo um quadrante estratégico. A partir de 2004, o fluxo de jogadores da órbita Gestifute é constante. Os nomes já foram quase todos mencionados. Contudo, ainda é necessário acrescentar o de José Bosingwa, defesa lateral de origem zairense, por quem o clube de Roman Abramovich paga ao FC Porto, em 2008, e mais uma vez, um valor despropositado (20,5 milhões de euros), e o de Henrique Hilário, que chega a Londres em 2006 com 33 anos de idade, vindo do Nacional, e irá ser usado como terceiro guarda‑redes, depois de Petr Cech e Carlo Cudicini. Ficará no Chelsea durante oito anos. Hilário chega aos Blues a pedido de José Mourinho que, durante os dois períodos ao comando do clube londrino, faz alinhar um grande número de jogadores com selo Gestifute. Tal como ele. Além disso, ainda é apanhado em alguns casos controversos. Como, por exemplo, o que envolve o jovem Charly Musonda júnior, filho da ex‑gloria do futebol zambiano Charly Musonda e que é noticiado na Primavera de 2015. Nascido em 1996 na Bélgica, Charlie junta‑se às camadas jovens do Chelsea em 2012, proveniente do Anderlecht. No plantel dos Blues também é possível encontrar os seus dois irmãos, Lamisha e Tika. Considerado um talento de valor seguro, Charly quer jogar de imediato ao nível máximo, mas tem consciência de que, se ficar no Chelsea, a espera que o aguarda é longa. O seu agente, o belga Cristophe Henrotay, tenta coloca‑lo no Mónaco. Contudo, naquele momento, Mourinho opõe‑se e diz que o jogador lhe interessa. É uma tomada de posição bizarra, visto que o rapaz ainda nem sequer tinha jogado pela equipa principal. O facto é que, no final de 2014, o rapaz muda de agente e passa para a Gestifute. Mais uma vez, não me passa pela cabeça dizer que estes dois eventos tenham uma sequência causal. Tudo isto é casual. Charly também assina um contrato novo até 2019, mas isso não representa o avanço na carreira que o rapaz pretende. Com efeito, em Dezembro de 2015, o vínculo com a Gestifute já terminou e o rapaz junta‑se ao inglês Aidy Ward, outra personagem com um estilo muito despachado. Quando este livro é impresso, Charly Musonda júnior está emprestado ao Betis de Sevilha desde Janeiro de 2016. À margem de qualquer episódio ou consideração, fica um dado: no Verão de 2016, Chelsea e Jorge Mendes não fazem negócios. Com certeza é um sinal de que, nesta fase histórica, o clube de Roman Abramovich não faz parte da primeira linha do jogo grande mendesiano.
E, por fim, há o Manchester City. Clube de riqueza recente, graças ao dinheiro injectado pela família que governa os Emirados Árabes Unidos. Como já se viu, o superagente português colocou nos Citizens dois defesas centrais em dois anos: Eliaquim Mangala e Nicolás Otamendi, que perfazem um saldo de 85 milhões de euros. O primeiro é transferido em conjunto com a Doyen, o segundo é exclusivo da Gestifute. Poucos, mas muito caros. E um dos dois, Mangala, revela‑se um flop. Uma das primeiras consequências da chegada de Pep Guardiola ao banco do City é a partida do francês. Maus augúrios para o chefe da Gestifute no ano em que o antigo treinador do Barcelona tem de defrontar, num dérbi de um ano inteiro, o rival mendesiano José Mourinho, sentado no outro banco de Manchester? O tempo o dirá.
Os Citizens fecham a lista europeia de clubes de máximo nível com quem a Gestifute tem relações intermitentes ou em vias de desaparecer. (…)
Atlético de Madrid, o clube‑matriosca
O Atlético de Madrid é um caso de estudo. É‑o por vários motivos, a começar pelo desportivo, e isso deve‑se à vertiginosa melhoria de resultados iniciada em 2002‑03, temporada em que a equipa regressa ao escalão máximo depois de duas épocas na Segunda. É um crescimento constante, que leva os colchoneros a vencer duas edições da Liga Europa (2009‑10 e 2011‑12) e as edições correspondentes da Supertaça Europeia. Na temporada de 2013‑14, é altura de mais um salto qualitativo. O Atlético volta a ganhar La Liga ao fim de dezoito anos e chega à final da Liga dos Campeões, perdendo‑a no prolongamento num dérbi contra o Real Madrid e depois de ter estado em vantagem quase até ao final do tempo de descontos da segunda parte. A segunda final indesejável chega dois anos depois, novamente contra o Real. Os colchoneros perdem a Liga dos Campeões nos penáltis. Fica o facto de, no espaço de poucos anos, o Atlético ter‑se apoderado de um lugar na elite do futebol europeu.
O outro motivo pelo qual o Atleti se torna um caso de estudo é ser uma espécie de clube‑manifesto do papel que os fundos e os TPO/TPI exercem no futebol. Quando os actores da economia paralela e os seus defensores espalhados pelos meios de comunicação social pretendem demonstrar as suas vantagens, citam sempre os dois casos de sucesso desportivo: Atlético de Madrid e Sevilha. Claro que não são referidos os casos dos clubes que, ao trabalhar com fundos e TPO/TPI, atingiram níveis baixíssimos de rendimento desportivo, além de se terem endividado de modo irresponsável: o FC Porto, a partir da temporada de 2013‑14, o Sporting da temporada de 2012‑13, o Athletic de Bilbao precipitado para a Segunda, o Twente sancionado pela federação e que desceu na secretaria, sendo depois salvo em sede de recurso, o Santos afundado em dívidas. Quanto ao Atlético, desce de divisão em 1999‑2000, quando já tinha começado a fazer negócios com Jorge Mendes (Hugo Leal é contratado precisamente na temporada da descida e sai do clube no final da primeira passagem na Segunda, não contribuindo, por isso, para a subida), e regressa às vitórias na Europa antes de os fundos de investimento globais, como a Doyen e o Quality Sports Investments, surgirem. Seria mais correcto datar o salto dos colchoneros a partir do momento em que Diego Simeone assume o comando técnico. Nesse sentido, realmente interessante será ver o que irá acontecer ao Atleti quando el Cholo partir para outro sítio. De acordo com os relatos, Simeone é cliente da Doyen, à qual cedeu a gestão dos direitos de imagem. Sem qualquer sombra para dúvidas, o Atlético de Madrid é um clube que faz negócios com todos ou quase todos os operadores mais fortes da economia paralela do futebol global: Doyen, Pini Zahavi e os seus afilhados Kia Joorabchian e Fali Ramadani, Paco Casal, Gustavo Mascardi. Fica a faltar Mino Raiola e Jonathan Barnett, mas há que dar tempo ao tempo.
O principal motivo pelo qual o Atlético de Madrid é um caso de estudo reside no facto de ser um fenómeno desportivo‑financeiro altamente complexo e estratificado, uma espécie de matriosca dentro da qual se encontram todas as configurações possíveis do turbocapitalismo financeiro do século xxi. Analisemos, um a um, os níveis da matriosca.
O presidente e o filho do ex‑presidente – O presidente do Atlético de Madrid desde 2003 é Enrique Cerezo, designado pelo cessante e controverso Jesús Gil y Gil, que, por sua vez, tinha estado no cargo desde 1986. Esta passagem de poder também é fruto de uma aliança de longa data entre os dois. Há um momento de extrema importância, ocorrido a 30 de Junho de 1992. É o dia em que o Atlético assume a forma jurídica de SAD. Apetece dizer que acontece sempre algo de interessante quando um clube de futebol é transformado em SAD. Acontece que, com um único golpe, 94,5% das acções da sociedade ainda agora constituída vão parar às mãos de Gil y Gil e Cerezo, com quotas de 63% e de 31,5%, respectivamente. Diz‑se que, para as adquirir, nenhum dos dois gasta uma única peseta. A certeza é que é apresentada uma denúncia e que, onze anos depois (Fevereiro de 2003), a Audiencia Nacional emite as sentenças de condenação. A Gil y Gil é imposta uma pena de três anos e seis meses de prisão por burla e apropriação indevida, Cerezo é punido com um ano de prisão por apropriação indevida. Nem o filho de Gil y Gil, Miguel Ángel, sai ileso do processo: um ano e meio por burla. Os dois accionistas também ficam obrigados a devolver o conjunto de 236 056 acções. Um ano e meio depois, em Julho de 2004, o Tribunal Supremo dá parcialmente provimento ao recurso da defesa e declara prescrito o crime de apropriação indevida pelo qual Gil y Gil, o pai, e Cerezo tinham sido condenados em primeira instância. A decisão relativa ao recurso chega quase dois meses depois de Gil y Gil, o pai, ter falecido. Para trás, deixou uma extensa lista de casos judiciais.
Para Enrique Cerezo, os altos e baixos da transformação do Atlético de Madrid em SAD não são o único obstáculo colocado pela justiça. A quem pretender conhecer os restantes, peço que os procure, que isto não é o registo criminal. Mais importante do que isso é descrever a figura pública de Cerezo, que é um dos principais produtores cinematográficos espanhóis. Em 1998, assume o cargo de presidente da Entidad de Gestión de Derechos de los Productores Audiovisuales (EGEDA), a associação de produtores audiovisuais espanhóis, norte‑americanos e de um grupo de países sul‑americanos. É óbvio que, para ele, o futebol é uma outra forma de espectáculo e, nesse sentido, o presidente do Atlético de Madrid é um representante perfeito da transformação que está a tornar o futebol um pilar da economia do entretenimento. Além disso, o cargo de dirigente máximo colchonero permite‑lhe assumir um papel diplomático ideal para se mover entre primeiros‑ministros e chefes de Estado estrangeiros. É neste papel que, em Junho de 2016, Cerezo oferece uma camisola personalizada do Atleti ao presidente da República da Guiné Equatorial, Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, que, segundo a piedosa versão dada pelo jornal espanhol El Mundo, é «o mais antigo chefe de Estado de África», no poder há 37 anos, e ainda há pouco confirmado por voto popular, obtendo 99,2% num plebiscito. De acordo com as versões sem filtro, é um ditador que desfruta das vastas riquezas derivadas do petróleo de um país cuja população é extremamente pobre. Nada mal para o presidente, que se encontra em missão diplomática junto do tio Teodoro e que, naquela altura, mostra uma forte propensão para as relações internacionais. Presta particular atenção à vertente chinesa, destino de repetidas viagens no Verão de 2016. Em jogo estão os naming rights do novo Vicente Calderón, que foram discutidos com os chineses do Dalian Wanda Group. Entretanto, por entre a perturbação geral dos adeptos, é decidido em Dezembro de 2016 que será baptizado de Wanda Metropolitano. Contudo, os negócios privados do presidente Cerezo também foram um dos temas em discussão. Por exemplo, a venda, por um valor que oscila entre os 600 e os 700 milhões de euros, da Video Mercury Films, a empresa de distribuição cinematográfica que interessava ao Wanda Cultural Industry Group, uma divisão do Dalian Wanda Group. Já era uma hipótese, a fusão entre futebol e cinema através do Atlético de Madrid, discutida logo em Janeiro de 2015, quando o Dalian Wanda Group entra na composição accionista do Atlético. Mas o que é este Dalian Wanda Group? Vamos falar já disso.
O outro elemento importante desta peça da matriosca é Miguel Ángel Gil, filho do ex‑presidente agora defunto. Representa a continuidade da família Gil no interior do Atlético e, sobretudo, o maior aliado de Jorge Mendes. Esta aliança é confirmada na primeira edição (2010) dos Globe Soccer Awards, uma cerimónia ridícula organizada no final do ano no Dubai, durante a qual alguns nomes poderosos do futebol mundial trocam prémios entre si. Já lá chegaremos. Naquela ocasião, Gil júnior é considerado o «Melhor dirigente de clube do ano».
Peter Kenyon, o salvador que o salvado desconhecia – Se o leitor temia que tivesse desaparecido, pode ficar tranquilo: Peter Kenyon ainda está vivo e partilha o mesmo campo de batalha ao lado deles. Quando o deixámos, tinha acabado de chegar ao fim de uma breve experiência na 2ergo (Junho de 2013) e, em Outubro de 2014, voltamos a encontrá‑lo nomeado para o papel de consultor do Atlético de Madrid. Tem a tarefa de tratar das relações comerciais e da internacionalização do clube. Já sabemos que é grande amigo de Jorge Mendes. Também o é de Miguel Ángel Gil. Não é muito claro o papel de Kenyon no Atleti. Por outro lado, muito clara é a excelente imagem na imprensa que continua a ter. Quase em cima das festas de final do ano de 2015, pouco mais de um ano após a sua nomeação, o antigo CEO do Manchester United e do Chelsea é indicado pelo Financial Times como o responsável pelo «salvamento da situação financeira do Atlético». A comunicação social espanhola recebe a notícia com estranheza. A atitude é a de quem pergunta se saberão eles algo que nós não sabemos. O processo de saneamento estava em curso e os resultados desportivos de altíssimo nível já eram uma constante antes da chegada de Kenyon. Mas está tudo bem, cada um conta a história à sua maneira. A grande certeza é que, com Kenyon nos quadros do clube colchonero, chega um outro elemento ligado aos fundos Quality Football Ireland. Nos últimos anos, tal como comprovado pelos documentos publicados pelo Football Leaks, adquiriu percentagens de jogadores do Atlético. Falou‑se de Óliver Torres. Antes dele, foi a vez de Saúl Ñíguez, de quem são vendidos 40% do passe por 1,5 milhões de euros, e de Koke, de quem são vendidos 30% do passe, em 2013 por três milhões de euros. Esta última transacção é realizada para saldar uma dívida que o Atlético contrai em 2011 ao QFI, quando compra o avançado argentino Eduardo Salvio. É evidente que se trata de uma espiral de dívida e não de um saneamento. E para a gerir melhor, o clube decide trazer alguém que só se preocupa com as aparências.
Andrea Berta, o amigo italiano – Este é um caso bizarro. Andrea Berta é um antigo bancário da região italiana de Franciacorta, apaixonado pelo futebol. Um dia, decide abandonar o seu posto de trabalho seguro para seguir o chamamento da sua paixão. Depois de ter trabalhado no Parma e no Génova, chega ao Atlético em 2013. É trazido por Jorge Mendes, que, no Verão e 2016, quis levá‑lo para o Manchester United e, por isso, pede ajuda a José Mourinho. A manobra não se concretiza. No Verão de 2016, não há uma única manobra concretizada com José Mourinho.
Mister Wanda, o patrão do futebol – Em Janeiro de 2015, surge uma notícia surpreendente: o Dalian Wanda Group, conglomerado chinês, comprou 20% do Atleti por 45 milhões de euros. O encaixe financeiro é importante, o peso político e económico do novo aliado é mesmo decisivo. O grupo chinês é um dos mais fortes do mundo no sector da hotelaria, da venda a retalho e, sobretudo, daquela que é designada como economia do lazer e do entretenimento. Detém cadeias de salas de cinema (que instigam o interesse pessoal de Enrique Cerezo), parques temáticos já construídos ou em fase de projecto e um vasto complexo de actividades ligadas à cultura e ao turismo. O proprietário do Wanda chama‑se Wang Janlin e é dono de uma fortuna avaliada pela Forbes em 33,7 mil milhões de dólares, o que faz dele o homem mais rico do seu país e o 18.º no mundo. O senhor Wanda também tem uma paixão por compras relacionadas com o desporto. Não tenho tanta certeza de que seja um apaixonado pelo desporto e pelo futebol. Contudo, os negócios estão bem à vista de toda a gente. Antes de comprar um quinto do Atleti, tenta comprar o Valencia, vislumbrando o negócio do novo estádio, mas, como se irá contar na secção seguinte, essa corrida é ganha por Peter Lim. Naquele momento, Wang Janlin decide apontar baterias a Madrid, onde já tem interesses. Foi lá que comprou o histórico Edificio España. Contudo, de objecto de luxo da colecção, transforma‑se num obstáculo, porque a Câmara Municipal de Madrid não autoriza o fim que pretendia para o edifício. Contudo, o bilionário chinês centra a sua atenção na área onde deveria ter sido construído o Eurovegas, o bairro de jogos de azar imaginado pelo magnata norte‑americano Sheldon Adelson. A réplica europeia de Las Vegas deveria ter sido construída no município de Alcorcón, mas o negócio falha porque Adelson coloca exigências bastante audazes em matéria de (não) taxação e (inexistência) de direitos sindicais na futura área. O Dalian Wanda Group toma a decisão de recuperar a ideia, reduzindo a vertente do jogo de azar e potenciando a do imobiliário e do entretenimento. E entre tanta economia de lazer, não podia deixar de faltar o futebol. Os 20% do Atlético de Madrid são apenas uma etapa, à qual se junta o financiamento da cidadela reservada às equipas das camadas jovens. A operação obrigava a uma despesa de 10 milhões e o Wanda chega‑se à frente com 15, precisamente para fazer ver que tem intenções sérias. Mas a jogada que destrói os equilíbrios é efectuada em Julho de 2015, com a aquisição, por 1,05 mil milhões de euros, do colosso Infront. Em termos formais, é a maior agência de desenvolvimento e comercialização de tudo o que esteja relacionado com o sector do desporto e da comunicação e, informalmente, um poderoso e falado grupo de pressão. Adquirir um operador do género e coloca‑lo no centro de um conglomerado com raízes formadas no sector da economia do entretenimento significa lançar uma OPA ao futebol mundial. Mais, para vincar as suas intenções, em Julho de 2016 o senhor Wang Janlin entra no grupo dos principais patrocinadores da FIFA, um clube exclusivo que inclui a Adidas, a Coca‑Cola, a Gazprom, a Hyundai e a Visa. O homem mais rico do país que tem a segunda maior economia do mundo levou muito a sério a intenção de se tornar senhor do futebol global. E irá continuar a desempenhar este papel a partir da posição de importante accionista do Atlético de Madrid.
O clube dos clubes – Em 2014, o Atlético de Madrid compra o Atlético de Kolkata, franquia da recém‑criada Indian Super League. A jogada é explicada com a necessidade de internacionalização e conquista de novos mercados.
Ainda em 2014, o clube colchonero é dado como estando a aproximar‑se do Middlesbrough, que na altura joga na Football League Championship (segunda divisão inglesa), e nos meses anteriores tinha sido falado como futura aquisição de Peter Lim. Rapidamente se deixa de falar da parceria com o clube inglês, mas, durante o breve período em que é tema de discussão, vem ao de cima que por detrás das movimentações está a dupla formada por Peter Kenyon e Jorge Mendes. Os inseparáveis dos fundos Quality. Ambos são cortejados pelo proprietário do clube, Steve Gibson, ansioso por entrar no círculo que importa. Em Novembro de 2013, quando é necessário substituir Tony Pulis do comando da equipa, o Middlesbrough chama o espanhol Aitor Karanka. Tinha sido adjunto de José Mourinho nos tempos do Real Madrid e já tinha dado repetidas provas de fidelidade ao homem de Setúbal, mesmo quando Mourinho entrou em polémicas com o clube e com os líderes do balneário. No final da temporada de 2015‑16, Karanka leva o Middlesbrough para a Premier League e, na campanha seguinte de reforço da equipa, recebe dois jogadores do Valencia: Álvaro Negredo e Antonio Barragán. Ainda iremos falar sobre o Valencia daqui a pouco.
Desde Julho de 2016 que o Atlético de Madrid também é proprietário de 34,6% do Lens, clube francês da Ligue. Para quê? Não se sabe bem, ao contrário da identidade do seu parceiro nesta aquisição: a sociedade luxemburguesa Solferino, próxima do clube. A operação vê o fundo britânico Amber Capital juntar‑se também ao jogo. Além de outros investimentos, é accionista do Millionarios de Bogotá, clube no centro de intermináveis circuitos financeiros. De facto, em Setembro de 2016, ficamos a saber que o Lens e o Millionarios assinam um acordo de parceria e deste acordo faz parte a chegada a França dos jovens Nicolas Murcia e Jorge Rengifo. Nos primeiros dias de Novembro de 2016, o Millionarios forma uma outra parceria: com o Benfica, que envia à Colômbia um seu dirigente, António Carraça, para verificar no local o desenvolvimento das operações e para assumir o papel de director‑geral. São novas peças que formam o puzzle do jogo grande.
O Atlético de Madrid também esteve interessado num clube argentino, o Quilmes. Novamente: para quê? Não sei. Mas fico contente por dar a conhecer aos leitores o modo como o Quilmes se tornou o clube pioneiro da invasão dos fundos de investimento no futebol. Na Argentina, começam a aparecer nos primórdios dos anos 2000, por impulso do então presidente da federação de futebol (AFA), Julio Grondona. O Quilmes é um dos primeiros clubes a entrar na rede e quem assume o seu controlo é um fundo de investimento chamado Exxel, que imediatamente depois deita as mãos aos brasileiros do Vitória da Bahia e, sucessivamente, estabelece uma parceria de dez anos com o clube que se havia tornado o símbolo dos negócios obscuros dos terceiros: o uruguaio Deportivo Maldonado. Todas estas experiências duram pouco e, em 2006 o Exxel desaba, envolvido em casos judiciais. É óbvio que nada disto está relacionado com os dias de hoje e com o Atlético de Madrid, cujo interesse pelo Quilmes ainda deverá ter seguimento. Mas é sempre importante prestar atenção às lições dadas pela história.
A galeria dos jogadores comprados sem fim – O Atlético de Madrid é um modelo para as empresas que pretendem desafiar as hierarquias consolidadas. O Atlético de Madrid é uma história de sucesso no futebol mundial da primeira década deste século. O Atlético de Madrid é um exemplo de políticas de saneamento financeiro.
O Atlético de Madrid é tudo aquilo que poderão contar ao leitor enquanto os sucessos desportivos o suportarem. E agora que chegou alguém com o perfil económico e político de Wang Janlin, é muito provável que o clube colchonero se vá instalar definitivamente entre a elite do futebol mundial. E tudo isto será suficiente para colocar em segundo plano a roda‑viva de jogadores comprados e enviados para outros clubes, por motivos nunca explicados. Uma galeria muito ampla, que ameaça ficar cada vez mais cheia.