O novo CAM (Centro de Arte Moderna) promete estar em diálogo com a cidade de Lisboa e trazer o mundo para dentro de portas. O convite é à participação de todos para entrarem e saírem na nova casa da arte contemporânea quando quiserem e para se deixarem ficar o tempo que for possível, por dez minutos ou por duas horas. Há programação para escolher, a la carte mesmo, espaços gratuitos e reservas visitáveis como novidades. É muito maior, mais amplo, tem mais luz, é mais verde, mais acolhedor, mais agradável e tem mais arte. Custou 58 milhões de euros, valor primeiro noticiado pelo jornal Público, confirmado também pelo Observador — quando as contas iniciais apontavam para pouco mais do que 22 milhões.
A apresentação aos jornalistas ocorreu na manhã desta quarta-feira, 11 de setembro. No espaço agora renovado pelo arquiteto japonês Kengo Kuma, o presidente da Fundação Gulbenkian, António Feijó, deu as boas-vindas com história, acompanhado por Guilherme de Oliveira Martins, administrador, e de Benjamin Weil, diretor do CAM, e Ana Botella, diretora-adjunta. A ideia era dar a conhecer “a natureza e a dimensão” do que a Gulbenkian fez ao ampliar o seu espaço, “um acréscimo virtuoso” que permite agora a entrada no jardim a sul, pelo nº 2 de Rua Marquês de Fronteira.
E, começando por aí, pelo novo jardim ou extensão do anterior, são mais oito mil metros quadrados. O que o paisagista libanês, Vladimir Djurovic, fez foi prosseguir “o que teriam feito Ribeiro Telles e Viana Barreto se pudessem ainda fazê-lo”, como anuncia António Feijó. “Eu mesmo lhe perguntei: O que está a pensar fazer? E ele respondeu-me: Nada”, conta no seu discurso de apresentação. É que, segundo Djurovic, o que está subjacente em todo o Jardim Gulbenkian prefigura “o que é prática hoje no paisagismo mais interessante”. E assim, do velho se fez novo. São as tílias, os ciprestes, os pinheiros, o grande plátano, os lódãos e as olaias já existentes no antes chamado Jardim Vilalva, que estava sob a alçada da Fundação Eugénio de Almeida e que foi adquirido pela Gulbenkian em 2005, que tomam conta do espaço, onde se inscrevem agora também sobreiros novos e pedras diferentes, vários tipos de calcário, muitas plantas silvestres, e se enfatiza o percurso da água com a criação de mais um lago, por exemplo.
O jardim a sul desce suavemente desde a entrada até à nova fachada do edifício coberta por 3274 azulejos brancos, todos produzidos em Portugal, de três tons diferentes para realçar a plasticidade da gigantesca pala que dá corpo ao engawa, o alpendre à japonesa que será a partir de agora a imagem de marca do CAM. Esta suave descida reforça claramente o efeito cénico que o arquiteto japonês quis dar ao conjunto, um efeito de transparência ou de inclusão, que cria, contudo, uma barreira visual em primeira mão. É quando já estamos debaixo da estrutura que a simbiose se dá e que acontece a sensação de pertença ao exterior e ao interior em simultâneo. Uma espécie de espaço neutro, íntimo e público, luminoso mas privado, assim se torna o CAM. Nesse lugar de encontro, tanto apetece estar dentro como fora, e a harmonia entre natureza e arte tem razão de ser. Debaixo do engawa, ou debaixo da pala, o ambiente transforma-se, o branco exuberante dos azulejos passa ao conforto quente da madeira. O passaporte é o da interioridade. Uma força que vem de algo que ocorre entre a natureza ilimitada e os limites da edificação feita pelo homem, o bloqueio e a transparência, que, como conta António Feijó, já existiam na conceção do projeto inicial para o Centro de Arte Moderna, nem que fosse na cabeça do arquiteto Sommer Ribeiro, à data responsável pela direção da casa, agora com mais 900 m2 de área expositiva num total de 3779 m2 dedicados à arte contemporânea.
Uma direção agora assumida pelo francês Benjamin Weil em parceria com a espanhola Ana Botella. Centrado nos artistas, o novo CAM, diz Weil, será fiel à sua missão original de salvaguarda dos artistas emergentes nacionais, mas abraçará as necessidades dos novos públicos. O objetivo é que todos possam “viver o poder transformador da arte”. Com diferentes pontos expositivos, da nave à galeria da coleção, das reservas visitáveis à sala de desenho, da sala de som, do estúdio ao espaço projeto, o CAM oferecerá uma programação mais eclética e variada. Haverá uma programação para a arte sonora, haverá vídeos disponíveis on demand através de um ecrã tátil com 16 opções situado na H Box, uma sala de vídeo itinerante, haverá exposições de peso a partir de uma carta branca dada a um artista que além da sua obra selecionará trabalhos de artistas da coleção com os quais pretenda dialogar, na medida de duas cartas brancas por ano, e haverá exposições permanentes da coleção, haverá mais experimentação e apresentação de novos formatos de arte, e exposições, três por ano, de artistas emergentes ou pouco conhecidos em Portugal. Tudo isto permitirá “vários ritmos de visita que podem oscilar entre os dez minutos ou as duas horas”, explica o diretor do CAM, o que tem como finalidade que o público possa “incluir a experiência da arte na vida quotidiana”, e que possa entrar, estar e comprar bilhete se quiser, dependendo do seu tempo e dos seus interesses.
O espírito e a essência do novo CAM será o “da ligação, do intercâmbio e da colaboração”. Desse mood festivo fala Ana Botella, que acrescenta à união entre arquitetura, arte e natureza um quarto elemento, o público. A diretora adjunta do CAM apresenta o fim de semana de abertura do edifício, 21 e 22 de setembro, como uma festa e uma montra do que está para vir, ou seja, “uma manifestação de alegria”, com muitas conversas, performances e concertos, muitos artistas de diferentes contextos e disciplinas e que terá início com um diálogo entre Benjamin Weil e o arquiteto Kengo Kuma. “A esperança é a de que toda a gente sinta algo e volte para mais, que a intenção de viver o CAM perdure no tempo!” É por isso, frisa Ana Botella, que o elemento central da programação vai ser a participação. A diretora adjunta assume a integração do CAM na cidade como um ponto de honra, mas alude também à sua função agregadora e fala em colaboração com as mais diversificadas instituições artísticas, organizações cívicas e universidades locais e internacionais com a intenção de “partilhar a vitalidade da cena artística em Lisboa”.
Com um novo poço de luz, e mais do que um piso escavado por baixo da nave original, o CAM vai ter ainda um novo centro educativo, que terá por missão explorar o que as exposições e a programação for pondo em cima da mesa para se debater.
Para já, a primeira grande mostra em nome individual cabe a Leonor Antunes, a quem o CAM endereçou a primeira carta branca, que se consubstanciou em dois espaços, duas propostas, um só projeto, ou seja, nave e mezanino, o seu trabalho e a obra de artistas mulheres da coleção e não só. Trata-se de uma intervenção escultórica de grandes dimensões com várias peças suspensas do teto sobre uma enorme peça de cortiça colada ao chão e pautada por círculos espelhados. Um “espaço habitado, humanizado, sensorial, com as coordenadas do corpo”, como o descreve a curadora Rita Fabiana. “Da desigualdade constante dos dias de Leonor”, patente de 21 de setembro a 17 de fevereiro de 2025, a exposição retoma o título de um desenho de Ana Hatherly da Coleção do CAM, datado de 1972, o ano de nascimento de Leonor Antunes.
A mostra fala da “vulnerabilidade do gesto artístico e da condição do artista, e faz uma critica à subalternização e invisibilidade das artistas mulheres na historiografia dos museus e na história da arte”, a começar pela arquiteta e designer Sadie Speight, que colaborou com o primeiro projeto de arquitetura do CAM, concebido no início dos anos 1980 e assinado pelo galardoado Leslie Martin. A exposição põe ainda em destaque as paridades entre obras e artistas de diferentes gerações. Curiosa é uma exigência de Leonor Antunes, a de que a parede de fundo do mezanino se mantenha durante a exposição sem ser pintada e com as inscrições nela feitas pelos trabalhadores do CAM, numa simbiose entre o que é o espaço fechado e o que foi o espaço aberto.
Num piso mais abaixo, no Espaço Engawa, com vista para o interior do alpendre e para o início do novo jardim, Fernando Lemos (1926-2019), o fotógrafo lisboeta que se sediou em São Paulo, no Brasil, e um dos primeiros bolseiros Gulbenkian, é a figura central da mostra “O Calígrafo Ocidental”, patente até 20 de janeiro de 2025. São 209 obras, entre desenhos, fotografias e estampas japonesas da coleção do Museu Gulbenkian, que se juntam sob o signo do Oriente. As fotografias, cerca de 50, são inéditas e foram impressas pela primeira vez agora, numa colaboração do Instituto Moreira Salles, de São Paulo, onde a viúva do fotógrafo as depositou depois do seu falecimento.
Ainda num piso mais abaixo, surge a Galeria da Coleção, que apresenta “Linha de Maré”, a joia da coroa para quem visitar as exposições inaugurais e onde se reúne o que de melhor a arte contemporânea tem para mostrar no âmbito do CAM e das suas mais recentes aquisições. Uma única obra encomendada, a Gabriel Abrantes, um trabalho em vídeo intitulado “Bardo Loop”, que nos atira para uma cenário apocalíptico em que o mundo está destruído pela falta de cuidado do Homem em tratar o planeta e em tratar-se a si próprio e em que a consciência ética desapareceu em prol dos avanços tecnológicos e da vivência digital/virtual, marca uma das entradas da mostra. A exposição situa-se na relação dos artistas com o mundo natural e com a denúncia das ameaças ao planeta e exibe simultaneamente outras preocupações suas, começa com uma velha revolução, o 25 de Abril a comemorar 50 anos e segue para as revoluções e atuações urgentes em relação a nós mesmos também. Como diz Ana Vasconcelos, uma das três curadoras da exposição, ao lado de Helena Freitas e de Leonor Nazaré, revelam-se as “humanidades ecológicas que vêm substituir as ciências sociais e humanas”.
No fim da nova galeria está acesso às reservas visitáveis que pela primeira vez se abrem ao público. A novidade do CAM é uma sala adjacente à Galeria da Coleção onde vão estar 220 obras expostas, maioritariamente do núcleo modernista da coleção, com destaque para trabalhos de Amadeo de Souza-Cardoso, Almada Negreiros, Mário Eloy, Sarah Afonso, mas também muitas obras do núcleo de arte britânica da Coleção CAM. As reservas visitáveis, com 16 grades que se puxam, como nas tradicionais reservas sempre acontece, poderão mostrar, sob pedido e só às segundas-feiras, peças escolhidas a la carte e com antecedência.
Um restaurante, a Mesa do CAM, e uma loja com zero junk totalizam o novo espaço da Fundação Calouste Gulbenkian.
Todas as exposições terão entrada gratuita até dia 7 de outubro.