“Uma mão cheia de nada”. É desta forma que os mais céticos descrevem o jantar que juntou à mesma mesa vários dirigentes distritais do PSD na noite de quinta-feira e que tinha como mote apontar uma data para a realização de eleições diretas, acelerando a saída de Rui Rio. Não só não houve consenso em torno do calendário a sugerir, como ficaram evidentes as divisões que existem nas estruturas do partido e até entre apoiantes de Luís Montenegro, aquele que é, em teoria, o candidato em melhores condições de vir suceder a Rio.
Pedro Alves (Viseu), Paulo Leitão (Coimbra) ou Paulo Ribeiro (Setúbal), por exemplo, tentaram convencer os demais a fixar eleições internas já no final de abril e congresso em maio. Em contrapartida, Paulo Cunha (Braga), o grande apoiante de Luís Montenegro em 2020, sugeriu que era preciso respeitar o calendário de Rio, tal como Cristóvão Norte (Faro), que insistiu na necessidade de não afrontar o líder em funções. Acabou por vingar a última tese.
“Estão todos desorientados”, comenta um dos homens fortes do aparelho social-democrata. Tal como escreveu o Observador a 10 de fevereiro, Luís Montenegro queria ver tudo resolvido até à primeira quinzena de maio, encurtando assim em dois meses o calendário que Rui Rio assumiu para si próprio – deixar o trono da São Caetano até julho. Mas o ainda líder social-democrata tinha dito também outra coisa: se fosse vontade do partido despachar as coisas mais cedo, pois então que o propusessem.
Ora, era precisamente essa a expectativa que existia para o jantar de quinta-feira, dinamizado por Pedro Alves, líder da distrital do PSD/Viseu e diretor da campanha interna de Luís Montenegro, em 2020. Na véspera do Conselho Nacional que vai analisar os resultados eleitorais e que vai começar a discutir o futuro pós-Rio, existia a convicção de que seria possível encontrar uma base comum para obrigar a direção do partido a comprometer-se como uma data concreta. Não aconteceu.
Os comensais que se juntaram no Matilde Noca, restaurante nos Marrazes, Leiria, só conseguiram concordar num ponto: nesta altura, afrontar Rui Rio, ferido de orgulho depois das últimas legislativas, poderia ter um efeito perverso e imprevisível. Ninguém sabe exatamente como reagiria o líder do PSD (e os seus apoiantes) se os conselheiros nacionais aproveitassem a reunião do órgão máximo do partido entre congressos para lhe apontarem ostensivamente a porta de saída.
Foi precisamente isso que sugeriu publicamente Olégario Gonçalves, da distrital de Viana do Castelo, à saída do jantar. “Não propusemos datas [para as eleições diretas]. O presidente do partido já disse qual era o ‘timing’ dele, que seria até ao final de junho. Nós temos de marcar datas em função do que o nosso presidente acha por bem para ele próprio e para o partido”, começou por dizer.
“Vamos para o Conselho Nacional para que Rui Rio proponha uma data. Nós também vamos ver o que vai ser dito pelo próprio presidente e vamos analisar, mas penso que será esta a indicação das distritais e nós estamos e somos solidários com o presidente do partido”, declarou, admitindo que as distritais podem “fazer uma recomendação ao líder e à Comissão Política Nacional das datas a definir”.
À porta fechada, houve quem sugerisse que se as estruturas partidárias hostilizassem abertamente Rui Rio no Conselho Nacional estariam a dar argumentos ao líder social-democrata para fazer nova cruzada contra os alegados interesses instalados no partido e, no limite, convencer-se de que tem o direito e o dever de concluir o mandato de dois anos para o qual foi eleito. A ideia é permitir a Rui Rio que saia com a dignidade possível, de forma ‘soft’ e sem mais guerras internas.
Depois, existe a convicção de que as estruturas distritais ficaram particularmente desgastadas depois do confronto entre Rui Rio e Paulo Rangel, o que acentuou o anátema que existe sobre o papel dos homens do aparelho – voltar a entrar no ciclo de contagem de espingardas e na narrativa do voto útil versus voto cacicado será prejudicial a quem se apresentar a votos nas próximas diretas com o apoio da maioria das estruturas.
Nos bastidores do PSD, há quem suspeite que Rui Rio queira condicionar a escolha de vários cargos determinantes para o futuro do partido – conselheiros de Estado, líder e direção da bancada parlamentar, presidentes das comissões parlamentares, o próprio vice-presidente da Assembleia da República, representantes da Assembleia Parlamentar da NATO… — sem qualquer articulação com o sucessor. Daí a importância de ouvir Rui Rio a explicar o que pretende para o seu futuro no partido.
A estratégia, por isso, foi outra: não pôr nenhuma data no papel e obrigar Rui Rio a tomar a iniciativa de discutir um calendário à frente dos conselheiros nacionais. Porque, apesar de não ter sido possível chegar a uma posição concertada entre as distritais, estão a ser preparadas várias intervenções para forçar a discussão sobre o melhor calendário do partido. A ideia é ouvir o líder social-democrata a explicar o porquê de querer continuar até julho e para fazer exatamente o quê. Uma coisa é certa: Rio vai ser recordado de que, mais mês menos mês, o seu tempo chegou mesmo ao fim.
PSD. Distritais querem consenso com direção para ato eleitoral