Enviado especial do Observador à Rússia (em Bakovka, Moscovo)
Aos 34 anos, Masoud Shojaei podia ser reconhecido por estar a participar pela terceira vez numa fase final do Campeonato do Mundo pelo Irão. Aos 34 anos, Masoud Shojaei podia ser reconhecido por ter sido o primeiro a sagrar-se campeão na Europa depois do monstro sagrado do país, Ali Daei, quando alinhava no Bayern. Aos 34 anos, Masoud Shojaei podia ser reconhecido por já ter alinhado em Espanha e por continuar a mexer na bola como poucos por ali apesar da idade. Aos 34 anos, Masoud Shojaei é sobretudo reconhecido por ser um homem de causas. E é isso que faz dele um ícone no plano nacional.
Podemos recuar a 25 de dezembro de 2017 e juntar o plano desportivo e social num só: foi nesse dia que decidiu rescindir o vínculo que tinha com o Panionios, depois de uma primeira época muito positiva, sendo anunciado uns dias depois no AEK Atenas, onde se sagraria campeão quebrando um longo jejum de títulos no clube (e estando presente naquele jogo tão falado em que o presidente do PAOK Salónica entrou em campo com uma arma), com o pedido para usar o número 24 em memória de Hadi Norouzi, internacional de 30 anos que era capitão do Persepolis que morreu após um ataque cardíaco durante o sono. Mais de dois anos depois, o médio não esqueceu alguém que era praticamente da sua geração e desapareceu de forma súbita.
Nascido em Shiraz, Masoud cresceu entre Abadou e Teerão, cumprindo o percurso na formação ao serviço dos dois primeiros clubes que teria como profissional ainda no Irão: o Sanat Naft e o Saipa. Em 2006, era um dos jogadores mais novos da Team Melli no Campeonato do Mundo da Alemanha, que serviu de rampa para a primeira aventura fora do país, mais concretamente nos Emirados Árabes Unidos. A experiência correu tão bem que, dois anos depois, chegou à Europa tendo como porta a Liga espanhola e o Osasuna (havendo informações que davam conta também do interesse do Wolfsburgo e do Nápoles), onde jogou cinco anos antes de passar pelo Las Palmas. Mais uma vez, a seguir a um Mundial, mudou de ares: em 2014, depois de ter estado no conjunto orientado por Carlos Queiroz que esteve no Brasil, seguiu para o Qatar (Al-Shahania e Al-Gharafa). Ainda teve tempo de voltar a apanhar o comboio europeu e foi para a Grécia, onde esteve no Panionios antes de ser campeão no AEK Atenas tendo como companheiros de equipa Hélder Lopes e André Simões (Hugo Almeida saiu no Verão para o Hajduk Split).
Antes e durante este percurso, o médio foi sempre uma voz ativa em assuntos extra futebol, na defesa de um país cada vez melhor e mais evoluído. Em 2009, no momento mais quente do Movimento Verde Iraniano (que teve como génese os protestos e todas as manifestações nas ruas após o contestado triunfo do líder Mahmoud Ahmadinejad), disputou um jogo da qualificação com um pulseira verde, tendo também uma camisola por baixo da mesma cor para mostrar caso marcasse golo. Uns anos depois, numa entrevista à Radio Farda, falou sobre corrupção no futebol iraniano e teve de ir depor ao Comité de Ética. Em 2016, denunciou e pediu medidas para que se acabasse com o abuso sexual de menores. No ano passado, foi suspenso com o companheiro Ehsan Hajsafi pelo ministro dos desportos, Mohammad Reza Davarzani, depois de ter defrontado uma equipa israelita (Maccabi Telavive) na Liga Europa, ao serviço do AEK, mas acabou por regressar às opções de Carlos Queiroz. Hoje, é uma das principais caras no movimento crescente de apoiantes da entrada de mulheres nos estádios de futebol no país.
O “momento” acabou por acontecer numa receção após nova qualificação para a fase final do Campeonato do Mundo, por sinal um acontecimento relevante que contou com todos os meios de comunicação nacionais. Aí, Masoud voltou a abordar o tema com o presidente do Irão, Hassan Rouhani, e da forma mais singela possível, dando conta à maior autoridade do país que um dia gostava de poder olhar para as bancadas do estádio e ver a sua mãe, a sua irmã e a sua mulher a apoiá-lo. Essa episódio acabou por ganhar uma dimensão mundial, como se percebe em peças feitas em órgãos como a conceituada Four Four Two. Ainda assim, questionado nos primeiros dias na Rússia sobre o tema, preferiu adiar para depois do Mundial. “Somos uma família, uma nação quando estamos fora de campo. Falar do tema agora seria um desrespeito pela prova. Prefiro resolver os problemas dentro da nossa família e se tivermos a oportunidade de falar depois, é isso que faremos”, disse, citado pela Reuters.
O Globoesporte fez uma reportagem com algumas mulheres que lamentavam ter de fazer mais de 4.000 quilómetros até à Rússia para poderem ver um jogo de futebol com os seus heróis nacionais de chuteiras e o tema foi muito abordado aquando da estreia do Irão frente a Marrocos, mas houve um passo muito mais simbólico no estádio Azadi, em Teerão, onde as mulheres puderam entrar para assistir nos ecrãs gigantes do estádio ao jogo com a Espanha, num momento registado pelo Twitter oficial da própria Federação Iraniana de Futebol. E foi com Masoud que o Observador falou no dia a seguir a essa derrota com golo de Diego Costa, poucos momentos antes do treino, com “perguntas e respostas em espanhol, se não te importares”.
ورزشگاه آزادی، هماکنون! pic.twitter.com/02j1CiBPVq
— Team Melli IRAN (@TeamMelliIran) June 20, 2018
O que estás à espera do jogo com Portugal?
Mais um jogo muito difícil, porque é também uma equipa com bons jogadores como a Espanha, e que pode ser histórico.
O que faltou contra a Espanha para terem pelo menos feito um ponto?
Este é o nosso estilo de futebol, jogamos assim. Fizemos tudo o que podíamos, não nos faltou nada. Tivemos também um bocado de azar, um golo também anulado, porque sem isso podíamos ter conseguido chegar ao empate.
És também uma referência no Irão por defenderes a permissão de entrada de mulheres nos estádios de futebol. Porquê essa luta de forma tão apaixonada? Já mudou alguma coisa?
Sim, esse é um processo, vai necessitar de tempo. Nunca irá acontecer nada de um dia para o outro. Pouco a pouco teremos que tentar para resolver esse problema mas acredito que vamos encontrar essa solução no futuro para que as mulheres possam ir aos estádios de futebol.
E contares com a tua família, por exemplo.
Sim, também por isso. Seria um grande orgulho darmos esse passo.
Foste campeão da Grécia e estiveste num jogo onde um presidente rival entrou com uma arma em campo. Como é que se vive uma situação dessas? Como é esse Campeonato?
O Campeonato foi uma boa experiência, acho que é bom para todos os jogadores conseguirem ganhar o título. Esse dia em que ganhámos foi incrível, um sentimento especial que não esqueço e não consigo explicar. Quanto ao resto… aconteceu [risos]
Qual foi a importância do Mundial de 2006 para o resto da tua carreira?
Foi muito importante mesmo. Na altura tinha apenas 21 anos, foi uma experiência importante para conhecer todo o ambiente que gira à volta de um Mundial, como é especial, um mundo diferente. Quando se vive essa realidade, tudo o resto depois passa a ser diferente. Foi importante e percebi isso no outro Mundial em que estive, em 2014 no Brasil.
Como gostarias que te recordassem quando um dia deixares de jogar?
Sinceramente ainda não pensei nisso dessa forma mas são as outras pessoas que poderão dizer… Para mim vai ser um dia difícil, mesmo sabendo que um dia começas e outro dia terás de acabar. Acho que fiz a minha parte.