Um passeio no parque, com dois pequenos irritantes e um erro nas contas que poderia ter criado um enorme embaraço na recém criada Aliança Democrática. Na noite em que aprovou as listas de candidatos a deputados às próximas legislativas, Luís Montenegro conseguiu o equilíbrio difícil entre respeitar o aparelho social-democrata, renovar o elenco parlamentar e levar independentes para a Assembleia da República. O maior desiludido ia sendo mesmo Nuno Melo, mas a crise na coligação parece estar, para já, afastada.

O acordo entre os dois partidos estipula que o CDS tem direito, além dos lugares elegíveis em Lisboa (Paulo Núncio) e Porto (Nuno Melo), a três candidatos efetivos mais um suplente (Porto) e três efetivos em Lisboa. Acontece que o PSD se esqueceu de incluir estes lugares nas suas listas. Ora, como, mesmo em coligação, qualquer substituição tem de ser feita entre partidos – um deputado do PSD só pode ser substituído por um elemento do PSD, etc. – não tendo o CDS mais ninguém nas listas arriscava-se a perder o lugar.

Assim que os democratas-cristãos perceberam que o PSD não tinha cumprido à risca o acordo, entraram de imediato em polvorosa. Segundo apurou o Observador, quando percebeu o que tinha acontecido, Nuno Melo — que estava a apresentar a lista do CDS ao Parlamento — ficou furioso e entrou em contacto com a equipa de Montenegro para perceber o que acabara de acontecer. Do outro lado, no entanto, garantiu-se que tudo não passava de um equívoco e que as listas serão retificadas em breve – Hugo Soares, secretário-geral do PSD, está mandatado para o fazer e não precisa de convocar novo Conselho Nacional para alterar a composição da lista de deputados.

Apesar de parecer um pormenor, existe um argumento de peso para o CDS (e para o PPM, que também lavrou o seu protesto junto dos homens de Montenegro): no caso de existir um governo à direita, Nuno Melo precisa de ter gente nas listas em condições de substituir elementos do partido que venham a deixar o Parlamento para se mudarem para o Governo. Para o PPM, que dificilmente elegerá qualquer deputado, a coisa era ainda mais esdrúxula: uma vez que não foi indicado mais ninguém em nome do PPM, se por qualquer motivo Gonçalo da Câmara Pereira fosse eleito e depois tivesse de abdicar do mandato, não haveria ninguém do partido para o substituir. Com a promessa da correção, tudo acabou bem entre os três partidos da nova AD.

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Independentes: grupo dos nove bem posicionado

Na estratégia de despartidarizar (nos limites do possível) a imagem da coligação e abrir a bancada do PSD à sociedade civil, Luís Montenegro tinha prometido integrar independentes nas listas. E cumpriu. Não colocou apenas dois ou três nomes nas listas — o líder do PSD privilegiou figuras com alguma notoriedade pública e conhecidos, nessa presença pública, por atacarem as políticas de António Costa em várias áreas setoriais.

Eduardo Oliveira e Sousa — antigo presidente da CAP que foi um dos líderes de confederações patronais mais críticos do Governo de António Costa e que atacou fortemente a ministra da Agricultura em várias intervenções públicas — é o cabeça de lista por Santarém. Alexandre Homem Cristo, investigador especialista em educação (também colunista do Observador), foi muito crítico das políticas de educação dos ministérios liderados por Tiago Brandão Rodrigues e João Costa. Na área da Saúde, Miguel Guimarães, que não deu descanso ao Governo durante a pandemia, é o cabeça de lista pelo Porto, cidade onde está instalada a Direção Executiva do SNS.

Nas outras áreas profissionais, Luís Montenegro fez escolhas de nomes que tivessem um currículo inatacável nas respetivas áreas de atuação: na Economia, há João Valle e Azevedo, um doutorado da Universidade de Stanford que é diretor do Banco de Portugal, ou Óscar Afonso, economista e diretor da Faculdade de Economia do Porto; na área da justiça, as apostas são as advogadas Rita Júdice e Ana Santos.

Numa altura em que os conflitos dominam o contexto internacional, Luís Montenegro escolheu Liliana Reis, que além de professora universitária na área das Relações Internacionais é presença assídua na televisão a comentar a atualidade internacional (correspondendo também ao critério de notoriedade pública). Para representar os mais jovens e o ensino superior, Luís Montenegro escolheu Ana Gabriela Cabilhas, que foi presidente da Federação Académica do Porto.

Rioístas: Coelho Lima afastado, Malheiro em lugar elegível

Era uma das questões a acompanhar nestas listas de candidatos a deputado: existiria ou não uma purga em relação aos rioístas. Em rigor, não se pode dizer que tenha existido: Salvador Malheiro, primeiro vice e antigo kingmaker de Rio, Carlos Eduardo Reis, um dos mais importantes operacionais do rioísmo e diretor de campanha de Jorge Moreira da Silva, e Isaura Morais, igualmente vice-presidente de Rio, mantiveram-se nas listas em lugar teoricamente elegível.

Em contrapartida, José Silvano, Hugo Carvalho, João Montenegro, Isabel Meireles, Sofia Matos, Paulo Mota Pinto, Ricardo Sousa, da fação oposta de Montenegro em Espinho, e, talvez o nome mais relevante deste grupo, André Coelho Lima, acabam por deixar o Parlamento.

André Coelho Lima, vice-presidente de Rui Rio, ficou de fora da lista de candidatos a deputados. O homem de Guimarães não foi indicado pelas estruturas, mas havia ainda a hipótese de ser repescado pela direção do partido. Salvador Malheiro intercedeu por ele junto da direção, mas a equipa de Luís Montenegro entendeu que não fazia sentido ir contra a vontade do aparelho local. Não aconteceu. Ricardo Araújo, líder da concelhia de Guimarães, ficou com o lugar.

A Oeste aconteceu também algo de novo: depois de décadas a ser a indicação da distrital de Lisboa Área Oeste e a integrar o lugar destinado a essa estrutura no círculo de Lisboa, o antigo vice-presidente da AR, Duarte Pacheco, está fora das listas de deputados. Era deputado há mais de 30 anos, desde os tempos de maioria absoluta de Cavaco Silva. O descontentamento de alguns militantes pela não renovação do deputado que representa a distrital aliado ao facto de Duarte Pacheco ter estado ao lado de Rui Rio acabou por ser fatal.

De resto, de acordo com as contas da Agência Lusa, dos atuais 76 deputados do PSD, cerca de 30% estão nas listas da Aliança Democrática (AD) aprovadas nesta segunda-feira à noite em Conselho Nacional em lugares elegíveis, tendo como referência os resultados das legislativas de 2022.

São pouco mais de 20 os deputados do PSD que se recandidatam às legislativas antecipadas de 10 de março em lugares elegíveis, aos quais acrescem cerca de uma dezena em lugares dificilmente elegíveis ou como suplentes.

Tutti frutti e o caciquismo

Há deputados que, pelos processos em curso, podem ser problemáticos na legislatura que se aproxima. O nome mais complicado é Luís Newton: o presidente da junta de freguesia da Estrela é suspeito no caso Tutti Frutti e até já pediu para ser arguido, desejo que a justiça não aceitou conceder. O desenrolar desse processo pode ser um problema futuro (a menos que tudo seja arquivado). Além disso, do ponto de vista ético, Newton tem tido várias polémicas como o Huaweigate ou casos de cacique que foram, inclusivamente, noticiados pelo Observador. Do ponto de vista da imagem pública, Newton também enfrentou recentemente várias notícias a associá-lo ao alegado traficante de droga Heitor Brandão.

Carlos Eduardo Reis — que conseguiu manter-se em lugar elegível — é igualmente referido no processo Tutti Frutti, mas também nem sequer foi ouvido pela justiça. São ambos deputados cujo percurso está dependente do andamento deste caso judicial. No plano ético, e não tanto judicial, Salvador Malheiro também teve problemas relacionados com casos de caciquismo, como foi também noticiado pelo Observador.

As câmaras órfãs de autarcas

Ao mesmo tempo, o PSD tem outro problema para gerir. O partido precisa de recuperar câmaras nas autarquias de 2025, mas também precisa de não perder. A antecipação de eleições leva a que os autarcas em fim de mandato tenham de deixar a autarquia aos seus “delfins” mais cedo do que contariam. Isso pode levar a sucessões apressadas que levem o partido a perder essas autarquias.

Uma coisa é certa: se assumirem o lugar de deputados, previsivelmente as câmaras de Ovar (Salvador Malheiro), Vagos (Silvério Regalado), Santa Maria da Feira (Emídio Sousa), Bragança (Hernâni Dias), Valpaços (Amílcar Castro Almeida) ou Câmara de Lobos (Pedro Coelho) vão ficar sem presidentes de câmara.

Não houve oposição, só incómodo no Algarve e na Guarda

O Conselho Nacional foi um passeio no parque para Montenegro: de cerca de 70 conselheiros só houve dois votos contra e duas abstenções. Além disso, com o supersónico Miguel Albuquerque a gerir os trabalhos, esta foi, provavelmente, a reunião do órgão máximo entre congressos para aprovar as listas a deputados mais rápida na história do PSD.

O único momento de tensão aconteceu quando Luís Soares, líder da jota da Guarda, questionou a escolha de Dulcineia Moura para cabeça de lista. Para este dirigente social-democrata, o facto de ser mulher de Carlos Condesso, líder do PSD naquele distrito, terá sido determinante para escolha. Na resposta, Hugo Soares, secretário-geral do partido, fez uma intervenção a defender a honra da candidata, chegando a ler o currículo de Dulcineia.

Inicialmente, Dulcineia Moura, doutorada pela Universidade da Beira Interior, docente no Instituto Superior de Ciências Empresariais e do Turismo e coordenadora-executiva da associação Territórios do Côa, foi escolhida como número dois da lista aprovada pela distrital da Guarda, a seguir a Rui Ventura. No entanto, o autarca de Pinhel acabou por ser excluído na sequência de uma acusação do Ministério Público que o indiciou por 31 crimes de peculato.

Durante a tarde também foi divulgada uma carta com a posição de todas as 16 concelhias da distrital do Algarve a “expressar o desagrado” por o líder do partido “não escolher Cristóvão Norte como cabeça de lista pelo círculo eleitoral de Faro”. Na missiva, as concelhias faziam críticas diretas à escolha de Miguel Pinto Luz. As concelhias consideravam “politicamente inaceitável” a escolha de “um candidato sem residência ou ligação afetiva à região”.

À entrada do Conselho Nacional, Cristóvão Norte disse aos jornalistas que era o presidente do partido que escolhia os cabeças de lista e desvalorizou a carta, sugerindo que não chegou sequer a ser entregue. Não negou nem confirmou, no entanto, a existência da carta. Cristóvão Norte acabaria por ser colocado no segundo lugar das listas, atrás de Miguel Pinto Luz. A pressão das concelhias não surtiu, assim, qualquer efeito.