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Dezenas de advogados moçambicanos concentraram-se esta manhã no local do homicídio, em Maputo, de Elvino Dias, advogado do candidato presidencial Venâncio Mondlane, e Paulo Guambe, mandatário do Podemos, partido que o apoia, perante apelos contra o “acobardamento” da classe, 19 de outubro de 2024, Maputo, Moçambique. PAULO JULIÃO/LUSA
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Advogados moçambicanos concentraram-se esta manhã no local do homicídio, em Maputo, para prestar homenagem às duas vítimas

LUSA

Advogados moçambicanos concentraram-se esta manhã no local do homicídio, em Maputo, para prestar homenagem às duas vítimas

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"O crime hediondo" em Moçambique: seis perguntas sobre a "emboscada" que "mancha" as eleições presidenciais

Homens ligados a Venâncio Mondlane foram alvo de uma "emboscada" — e há versões distintas. Homicídio está a ser lido dentro e fora de Moçambique como "tentativa de silenciar" candidato presidencial.

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“Um crime hediondo”, um ato de violência “brutal” que deixa uma “mancha indelével sobre as eleições”. Dentro e fora de Moçambique, repetem-se os pedidos para uma investigação rápida e isenta aos homicídios de Elvino Dias, advogado do candidato presidencial Venâncio Mondlane, e de Paulo Guambe, mandatário do Podemos, o partido que o apoia. O crime está a ser lido como uma “tentativa de silenciar” Venâncio Mondlane.

A polícia moçambicana confirmou que as duas vítimas foram alvo de uma “emboscada” feita por homens armados contra a viatura onde seguiam com uma terceira pessoa, uma mulher de 24 anos também ela baleada (mas que está fora de perigo). No entanto, também fala numa “discussão devida a assuntos conjugais”.

O candidato presidencial contraria a versão da polícia — e aponta o dedo às “forças de segurança”: “Foram as forças de segurança que cometeram este grande crime. Temos provas”, declarou Venâncio Mondlane esta tarde em Maputo onde disse que o regime tem “sangue nas mãos”.

O homicídio aconteceu a dias de serem conhecidos os resultados oficiais das eleições gerais de 9 de outubro que, com base nos resultados preliminares, mantêm a Frelimo como o maior partido — um resultado que a candidatura de Mondlane contesta alegando “fraude” com base nos resultados das atas e editais da votação que estavam a ser processados pela sua candidatura. O que se sabe destes assassínios? As seis perguntas.

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Quem são as vítimas?

Uma das vítimas é Elvino Dias, advogado do candidato presidencial Venâncio Mondlane. Era também assessor jurídico da Coligação Aliança Democrática, a formação política que inicialmente apoiou aquele candidato à Presidência da República de Moçambique. Porém, a Comissão Nacional de Eleições (CNE) do país viria a rejeitar a inscrição da candidatura para as eleições gerais de 9 de outubro.

Em alternativa, Mondlane foi apoiado pelo partido Povo Otimista para o Desenvolvimento de Moçambique (Podemos). Paulo Guambe, a outra vítima mortal, era o mandatário nacional das listas às legislativas e provinciais.

No Facebook, Mondlane lembrou o amigo e “advogado do povo“, Elvino Dias, que era agora visto como uma figura essencial para o próximo passo que, muito provavelmente, seria recorrer para o Conselho Constitucional dos resultados oficiais. Os números deverão ser conhecidos em poucos dias e até ao momento têm colocado o Podemos em segundo lugar — um resultado que é contestado pelo partido.

O que se sabe sobre o duplo homicídio?

Elvino Dias e Paulo Guambe foram baleados mortalmente na noite de sexta-feira, no centro de Maputo. Não se conhece a identidade dos autores do crime.

Tudo aconteceu na Avenida Joaquim Chissano. Fontes no terreno citadas pela Lusa dão conta de uma “emboscada” feita por homens armados que intercetaram o carro em que ambos seguiam e contra o qual dispararam vários tiros. A polícia moçambicana acrescentou que uma terceira ocupante ficou ferida, uma mulher de 24 anos que seguia nos bancos traseiros e que foi baleada nos membros superiores. Neste momento, não corre perigo de vida.

Advogado de Venâncio Mondlane e mandatário do Podemos mortos a tiro em Maputo. Polícia confirma “emboscada”

“Foram abordados e bloqueados por duas viaturas ligeiras de onde desembarcaram indivíduos que, munidos de armas de fogo, fizeram vários disparos que provocaram ferimentos e a morte dos indivíduos”, explicou à Lusa o porta-voz da Polícia da República de Moçambique (PRM) da cidade de Maputo, Leonel Muchina.

Em conferência de imprensa, Muchina referiu que as vítimas tinham estado a conviver num mercado de Maputo, onde “supostamente” se deu uma “discussão derivada de assuntos conjugais”. “As vítimas estiveram, momentos antes do sucedido, a confraternizar no mercado conhecido como Pulmão, na zona de Malhangalene, onde supostamente houve uma discussão derivada de assuntos conjugais, de onde, posteriormente, teriam sido seguidos”, afirmou. O jornal moçambicano O País escreve que os atacantes tiveram com as vítimas “uma breve conversa” tendo depois disparado várias vezes contra o carro.

O porta-voz da polícia diz que as autoridades tomaram conhecimento das mortes depois das 23 horas de sexta-feira. A polícia de Moçambique está a investigar o caso e pediu a mandatários de partidos políticos, cabeças de lista e “outras figuras” para evitarem locais “expostos e suscetíveis de ocorrência de crimes”. Nas redes sociais chegaram a circular vídeos das vítimas e do carro que parecia ter sido atingido por mais de duas dezenas de tiros.

O Hospital Central de Maputo confirmou que os corpos chegaram ao hospital com vários ferimentos de bala. A mulher de 24 anos apresentava “lesões sugestivas de ferimento por arma de fogo”.

Que eleições foram estas?

As eleições gerais de 9 de outubro incluíram as sétimas eleições presidenciais, as sétimas legislativas e as quartas eleições para assembleias e governadores provinciais.

Venâncio Mondlane era o candidato nas eleições para a Presidência da República apoiado pelo Podemos. Além de Mondlane, concorreram Daniel Chapo, apoiado pela Frente de Libertação de Moçambique (a Frelimo, que está no poder desde 1975), Ossufo Momade, apoiado pela Resistência Nacional Moçambicana (a Renamo, atualmente o maior partido da oposição) e Lutero Simango, apoiado pelo Movimento Democrático de Moçambique (MDM, até aqui a terceira força parlamentar). O atual Presidente de Moçambique, Filipe Nyusi, da Frelimo, já não concorreu uma vez que atingiu o limite de dois mandatos.

Mondlane é deputado desde 2015, tendo iniciado o percurso na política ativa pouco antes, em 2013. Antes disso, destacou-se como comentador televisivo e colunista. Desfiliou-se em maio da Renamo, após ter sido impedido de concorrer à presidência daquela força política numa divergência com a direção.

Apesar de ter sido apoiado pelo Podemos, não é membro daquele partido, tendo apenas firmado uma aliança para o apoio à sua candidatura presidencial e para a candidatura do partido às legislativas.

Quais os resultados já conhecidos?

Uma semana e meia após as eleições, ainda não há resultados finais. As regras ditam que a CNE tem de anunciar os resultados oficiais nos 15 dias após o fecho das urnas — dado que o sufrágio aconteceu a 9 de outubro, isso significa que o prazo vai até 24 de outubro. Depois, é o Conselho Constitucional que proclama os resultados.

Os anúncios públicos feitos até ao momento pelas comissões distritais e provinciais colocam em primeiro lugar a Frente de Libertação de Moçambique (a Frelimo, que está no poder) e o candidato presidencial que esta força política apoia, Daniel Chapo, com mais de 60% dos votos. Já a Renamo, até aqui o segundo maior partido, terá tido “o pior resultado de sempre”, de acordo com o investigador João Feijó, do Observatório do Meio Rural, citado pelo Público na semana passada.

Venâncio Mondlane contesta o primeiro lugar atribuído à Frelimo, apoiando-se no que diz serem as atas e os editais originais da votação. Aliás, logo no dia após as eleições, declarou-se vencedor nas presidenciais com base nos resultados das atas e editais da votação que estavam a ser processados pela sua candidatura. A candidatura tem um centro de contagem paralela, tal como já tinha feito em 2023 quando concorreu à autarquia de Maputo — também reclamando a vitória que não foi confirmada oficialmente.

Esta quinta-feira, Mondlane garantiu mesmo que após o anúncio dos resultados das eleições gerais vai recorrer ao Conselho Constitucional com as atas e os editais. Essa posição foi criticada, por exemplo, pelo escritor angolano José Eduardo Agualusa, que há vários anos vive em Moçambique. “Não me parece correto que ele tenha proclamado a vitória antes de haver resultados definitivos e que tenha, inclusive, ameaçado com a subversão da Constituição e do processo eleitoral”, defendeu em entrevista à Lusa. Ainda assim, reconheceu que “sem dúvida que é um dos grandes vencedores, porque ninguém estava à espera, um homem que aparece sem ter uma carreira de anos na política, sem ter sequer um partido e teve que se associar a outro e depois consegue estes resultados”, comentou.

O Podemos, entretanto, tem denunciado a existência de um alegado plano combinado entre a Frelimo e a Renamo para viciar os resultados eleitorais. Albino Forquilha, presidente do partido, disse esta semana, segundo alguns órgãos de comunicação social moçambicanos, que há “ordens superiores” para manter a Frelimo no poder e dar votos artificiais à Renamo para que se mantenha como a segunda maior força política (e Ossufo Momade continue como líder da oposição).

Mondlane convocou os moçambicanos para uma greve geral de forma a protestar contra o que disse ser uma “fraude” eleitoral — e repetiu o repto este sábado. A Procuradoria-Geral da República moçambicana voltou a intimar o candidato a abster-se de “agitação social e incitação à violência” e diz que o político cometeu o crime de desobediência ao declarar-se vencedor nas eleições gerais. A 11 de outubro, Mondlane tinha expressado que há “riscos de violência (…) muito elevados”. Pelo país têm sido registadas manifestações de apoio ao candidato, que a polícia tem tentado dispersar. Já foram feitas detenções.

Venâncio Mondlane declara-se vencedor das eleições para Presidente de Moçambique

O que se tem dito dentro de Moçambique?

Dentro de Moçambique, a Ordem dos Advogados reagiu ao que descreve como um “crime hediondo”, garantindo que vai acompanhar a investigação e que “é difícil dissociar a profissão de Edelvino Dias da morte”. A Ordem tinha pedido na sexta-feira à CNE a divulgação de todas as atas de apuramento dos votos das eleições gerais do dia 9, para garantir a “credibilidade” dos resultados. E defendeu que as eleições gerais vieram demonstrar que Moçambique enfrenta “desafios gigantescos” na consolidação da sua democracia representativa.

Também no Facebook, o líder da Renamo Ossufo Momade disse repudiar “este ato de violência brutal que resultou na perda irreparável de dois cidadãos que, de forma distinta, contribuíam para a promoção do Estado de Direito Democrático em Moçambique”. E pediu uma “investigação rápida e rigorosa”.

O coordenador da Rede Moçambicana dos Defensores de Direitos afirmou, por sua vez, que o assassinato de Elvino Dias é um “crime de Estado” e um ataque também ao candidato Venâncio Mondlane”. “É uma tentativa de silenciar Venâncio Mondlane e o povo moçambicano que está a dizer que chega de injustiça eleitoral” e “se está a preparar para segunda-feira lutar pacificamente pela justiça eleitoral”.

A ativista social moçambicana Graça Machel, viúva do primeiro Presidente de Moçambique, Samora Machel, defendeu que não se pode “fazer de conta que não aconteceu nada“. “Aconteceu sim, e toca-nos a nós, aquelas pessoas que nunca vão passar um 19 de outubro em plena alegria”, afirmou numa cerimónia em Maputo, em que se recordava o 38.º aniversário da morte de Samora Machel, que aconteceu a 19 de outubro (de 1986).  A partir de agora, “temos mais duas famílias que vão chorar connosco”, acrescentou Graça Machel, uma das figuras influentes na sociedade moçambicana.

Para o escritor Mia Couto, a emboscada é um crime “contra a nação inteira” e avisou que o próximo Presidente irá governar um país em “ruínas”. Várias outras organizações têm condenado o duplo homicídio.

Como está a reagir a comunidade internacional?

Em Portugal, o Ministério dos Negócios Estrangeiros português condenou os assassinatos. “O povo moçambicano exerceu legitimamente o seu direito de voto. Fazer jus à sua maturidade cívica implica garantir o caráter pacífico e ordeiro do processo subsequente”, lê-se numa publicação no X. Marcelo Rebelo de Sousa “acompanha o Governo” e também expressou a sua “preocupação” com o sucedido.

Em declarações esta segunda-feira, em Madrid, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel, disse que o Governo está a acompanhar “com grande preocupação” a situação em Moçambique e apelou à contenção de todas as forças políticas e autoridades do país. “Estamos a seguir a passo e passo, com grande preocupação”, declarou o ministro.

“É fundamental para Moçambique que o processo eleitoral corra bem e que dele resultem autoridades legítimas e respeitadas por todos”, acrescentou o ministro português, que falava aos jornalistas em Madrid, onde se reuniu com o homólogo espanhol, Jose Manuel Albares, e com os ministros da Defesa de Portugal e Espanha, Nuno Melo e Margarita Robles.

Já o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros João Gomes Cravinho, que liderou a Missão de Observação Eleitoral da CPLP em Moçambique, disse à Lusa que não é possível dissociar o homicídio de Elvino Dias e Paulo Guambe do processo eleitoral. Cravinho condenou o crime, considerando que “contribui para adensar as múltiplas dúvidas existentes sobre o processo eleitoral ainda em curso” e que representa “uma mancha indelével sobre as eleições“.

Também a UE condenou o assassinato e apelou a uma investigação “imediata, exaustiva e transparente”. “A UE apela à máxima contenção de todos e ao respeito pelas liberdades fundamentais e pelos direitos políticos. Além disso, é crucial que sejam tomadas medidas firmes de proteção de todos os candidatos neste período pós-eleitoral”, lê-se ainda. A Missão de Observação Eleitoral da União Europeia continua no país a avaliar o processo eleitoral.

Também a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) manifestou “indignação e profunda preocupação” em relação à situação em Moçambique. Numa publicação no Facebook, Adalberto Costa Júnior, o presidente da UNITA, afirmou que “a Direcção da UNITA condena, nos termos mais veementes possíveis, este ato macabro que ensombra toda a sociedade moçambicana”. “Neste ato, perdeu todo o continente africano e todos os que pelo mundo fora lutam pela democracia, pela liberdade e pelo progresso das populações.”

A UNITA demonstrou solidariedade “com todas as organizações moçambicanas e internacionais defensoras da democracia, da transparência eleitoral e dos direitos humanos que se estão a juntar ao clamor do povo moçambicano e exigem que a verdade eleitoral seja absolutamente respeitada”.

(Atualizada às 14h05 de 21 de outubro com mais informação)

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