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A ascensão de Camilla e Kate, e a queda de André, o duque de York. A relação cada vez mais tensa entre os irmãos William e Harry, e a chegada e a partida de Meghan Markle, figura que veio desafiar o mantra de Isabel II — após a morte de Diana, a monarca proclamou que “nunca mais” haveria outro membro da família cuja popularidade global ofuscasse e ameaçasse a monarquia.
Todos estes capítulos fazem parte do novo livro da conceituada biógrafa real Tina Brown, que chegou a ser editora da revista Tatler, da Vanity Fair e da The New Yorker. A publicação de “The Palace Papers: Inside the House of Windsor – the Truth and the Turmoil” é esperada a 26 de abril. É o resultado de dois anos de trabalho e de conversas que a autora teve com mais de 120 pessoas intimamente ligadas aos membros seniores da realeza britânica. É também uma espécie de continuação do bestseller “The Diana Chronicles”, de 2007. Nas suas páginas estão detalhes daquela que é uma das famílias mais famosas do mundo, desde a morte da “complicada e sedutora” Diana até ao afastamento do “emocionalmente carente” príncipe Harry.
William e Harry, uma relação fraternal “muito má”
Que as relações entre os irmãos estão inegavelmente tensas já os tabloides britânicos tinham deixado a descoberto, mas em entrevista ao The Telegraph Tina Brown mete o dedo na ferida: a relação fraternal está “muito má”. “Foi-me dito que, de momento, não há absolutamente nada a acontecer entre eles.” William e Harry, conta, eram muito próximos até o último abandonar o exército — a estrutura militar era essencial para o filho mais novo de Carlos e Diana, tido como “o príncipe mais carismático”, por uma questão de identidade. Ainda que a “princesa do povo” tivesse insistido que os dois rapazes fossem tratados de igual forma, a verdade é que eles “nunca seriam os mesmos”. Na opinião de Brown esse foi o problema. “William tinha esse grande destino pela frente, ele sabia quem era.” O mesmo não se pode dizer do irmão.
A biógrafa real fala num príncipe Harry “muito inseguro, frágil e temperamental” que não chegou a lidar com a morte da mãe quando era apenas uma criança — e quem esquece a imagem dele a caminhar atrás do caixão de Diana? Apesar de “adorar” Kate Middleton, as coisas mudaram em abril de 2011 com o casamento real que projetou os duques de Cambrigde enquanto “o casal perfeito”, deixando Harry para trás. O afastamento de Harry é entendido por Tina Brown como uma grande perda não só para a firma, mas para o irmão William. “Um dos seus amigos próximos disse-me que toda a gente fala sobre o quanto Harry precisava de William, e ele precisava, mas William também precisava de Harry”, assegura, lembrando que apenas Kate e Harry podem ser honestos com o herdeiro da coroa britânica. “Harry podia provocar o irmão e trazê-lo de volta à terra. William dependia disso.”
Num excerto do livro publicado na Vanity Fair, a autora analisa também como William e Harry foram danos colaterais na “guerra fria” estabelecida pelos pais e descreve como os dois anos de diferença entre os irmãos foram fulcrais para as diferentes perspetivas. Se Harry idolatrava a mãe, embora não a compreendendo bem, William era o oposto — estava até a par da sua vida amorosa; sabia que os media faziam a vida negra a Diana e que, ao mesmo tempo, ela estava em conluio com eles. William, atualmente pai de três e herdeiro da coroa, era em adolescente o grande confidente de Diana, que o descrevia como “o meu pequeno velho sábio”.
Harry e Meghan, o casal “viciado em drama”
Tina Brown mostra-se empática com Meghan Markle e reconhece algumas das dificuldades que a duquesa de Sussex terá tido aquando da entrada para a família real britânica, no entanto, acredita que ela e Harry são “viciados em drama”, tal como conta em entrevista ao The Telegraph. “Penso que para uma mulher que teve uma carreira muito visível nos EUA, uma mulher profissional de 35 anos, lidar com o palácio deve ter sido um verdadeiro pesadelo”, argumenta. Brown reconhece ainda que a duquesa ter-se-á sentido muito sozinha — até pela falta de diversidade racial e social na firma —, mas não deixa de apontar: Meghan deu 20 meses aos deveres reais, Diana cedeu 16 anos.
As revelações feitas pelos Sussex a Oprah Winfrey, uma mediática entrevista que aconteceu há sensivelmente um ano, abalaram a família real. Segundo Brown, William ficou desgostoso com o “ataque” de Meghan Markle a Kate Middleton quando a primeira contou à apresentadora norte-americana que dias antes do casamento real, em maio de 2018, foi a duquesa de Cambridge que fez chorar a noiva e não o contrário. O desagrado de William teve que ver com o facto de Kate não poder responder. No entanto, a autora esclarece que nada se compara com o quão “furioso” ele vai ficar assim que o livro de memórias de Harry chegar ao mercado. Livro esse que tem potencial para tornar o Jubileu de Platina em mais um “annus horribilis” — não que Harry deva tecer análises menos felizes da rainha ou de Kate, ainda que Carlos, Camilla e, quem sabe, William não possam esperar o mesmo cuidado.
Harry, diz Brown, “é tão emocionalmente carente que foi completa e totalmente dominado por Meghan e toda a sua personalidade mudou”. “É uma coisa muito triste para muitas pessoas. Meghan parece corresponder a uma grande necessidade de Harry e parece que eles estão numa poderosa codependência”, acrescenta sobre a relação que, ao começo, julgou-se ser poderosa o suficiente para modernizar a monarquia. A biógrafa admite questionar-se sobre o rumo do casamento e especula que talvez o príncipe acorde e “se aperceba que tem estado a viver no Goop” — numa referência direta ao site de lifestyle de Gwyneth Paltrow — “e saia dali para fora e vá para o pub ver os amigos”.
Brown acredita ainda que, caso Meghan tivesse sido menos impaciente, poderia ter mudado algumas coisas. Mas o facto de Harry ter sido tão “catastroficamente rude” e de ter negociado a saída de “cabeça quente” não ajudou à situação, pelo que está agora a pagar o preço, mas não é o único. “Porque Harry e Meghan teriam sido um trunfo incrível para a Commonwealth”, diz Brown. Considera ainda que a batalha dos Sussex contra os media britânicos é “uma causa perdida”. E se William e Kate acalmam-se muito um ao outro, no casamento dos Sussex a mensagem predominante é “Nós contra o mundo” — para Brown, isso “é um desastre”.
André, duque de York. O “idiota útil” de Jeffrey Epstein
No livro “Palace Papers”, citado pelo The Telegraph, o príncipe André é descrito como tendo um vazio na personalidade, motivo pelo qual “ria-se mais alto e gabava-se tanto” — também aqui o facto de ser o segundo filho terá deixado as suas mazelas. Tina Brown escreve que Jeffrey Epstein, controverso investidor norte-americano condenado por abusar sexualmente de menores e que viria a morrer na prisão, “habilmente explorou” o “sentimento de indignação” de André. Ainda que tenha empurrado o filho de Isabel II para negócios, mulheres, aviões e para o “brilhante mundo de Nova Iorque”, em privado Epstein comentava como André era um idiota, um “idiota útil”. Segundo a autora, o milionário confidenciou a um amigo que levava o duque de York a mercados estrangeiros obscuros onde os governos eram obrigados a recebê-lo e onde se fazia passar por um consultor de investimentos do príncipe para negociar acordos com pessoas, também elas, obscuras.
Para Ghislaine Maxwell e Jeffrey Epstein, o príncipe André era fácil de “entreter e saciar”. Com o tempo, o trio — tratado no livro pela alcunha “os Três Mosqueteiros da Luxúria” — haveria de fazer aparições em conjunto em Ascot, em Sandringham e até no Castelo de Windsor.
A ligação do duque de York a Epstein saiu cara à família real britânica. Em meados de fevereiro, depois de vários meses marcados por um frenesim mediático, era notícia que André chegava a acordo no valor de 14,3 milhões de euros com Virginia Giuffre, a mulher que o acusava de abuso sexual quando ainda era menor de idade e alegada vítima da rede sexual de Epstein (parte do dinheiro acordado terá sido pago pela rainha). Em entrevista ao jornal já citado, Tina Brown diz que este caso é “totalmente grotesco” e que foi angustiante para a rainha que está a caminho dos 96 anos (data celebrada a 21 de abril). “Francamente, se os nossos filhos podem matar-nos, os dela assim o farão”, chega a comentar. “Aqui está esta mulher notável e idosa que está a reunir todas as suas forças para passar pelo Jubileu de Platina e este balde de sujidade esvazia-se sobre a sua família.” O problema de André é difícil de resolver, diz Brown, que comenta ainda como a perspetiva deste regressar à vida pública muito provavelmente “choca” tanto Carlos como William. Não obstante, na primeira aparição pública da rainha em cinco meses, a propósito de uma cerimónia religiosa em homenagem ao duque de Edimburgo, André fez questão de acompanhar a monarca à entrada e à saída da igreja para toda a gente ver e para toda a lente fotográfica registar.
Em “Palace Papers”, a jornalista reserva palavras pouco afáveis para descrever o príncipe, tido como uma pessoa que acredita ser mais inteligente do que o que realmente é, além de exibir uma combinação de “autoconfiança arrogante e ignorância incontestável”.
Diana, a princesa de Gales. “Astuta, sedutora e a jogar um jogo duplo”
Também Diana, para sempre conhecida como a “princesa do povo”, é parte integrante deste livro. Contrariamente ao que se possa pensar, e ao escândalo que rebentou anos após a sua realização, ela não se arrependeu da entrevista que deu ao programa “Panorama” da BBC, em 1995. Num excerto do livro publicado pela Vanity Fair, a autora descreve um encontro com o empresário britânico Gulu Lalvani que teve um envolvimento romântico com Diana antes desta morrer no verão de 1997, em Paris. É precisamente Lalvani quem confirma que Diana não tinha quaisquer arrependimentos em relação à entrevista que fez correr muita tinta, deixando até claro que dissera exatamente o pretendido diante das câmaras. “Ela ficou satisfeita com a entrevista”, confirmou Lalvani. “Ela não tinha uma palavra má a dizer sobre Martin Bashir”, continuou, referindo-se ao jornalista que conduziu a conversa e que abandonou o cargo na BBC antes de serem conhecidas as conclusões do inquérito interno à forma como a entrevista foi obtida. Lalvani assegura ainda que a “princesa do povo” achava que a participação no “Panorama” tinha cumprido o seu propósito — e tinha razão, com sondagens de opinião a confirmarem o apoio do público após a emissão da mesma e momentos antes do mediático divórcio.
No livro, Tina Brown faz ver o seu ponto de vista e recusa subscrever a teoria de que Diana era uma mulher vulnerável, vítima de manipulação mediática, como já antes foi defendido pelo príncipe William. A autora admite até que considera essa versão dos factos “ofensiva”, falando antes da princesa de Gales como uma mulher de recursos. A privacidade de Diana foi invadida várias vezes por opção própria, com o objetivo caprichoso de provocar ciúmes aos homens da sua vida. A autora destaca aquela que considera ser a fotografia mais inesquecível tirada pelos paparazzi, que deixa em evidência o famoso beijo entre a princesa de Gales e Dodi Fayed na ilha de Córsega para explicar que foi a própria quem avisou o fotógrafo italiano Mario Brenna para ali estar — a ideia, segundo Brown, era mandar uma mensagem para o homem por quem ela estava realmente apaixonada, Hasnat Khan. A relação de Diana com os media não é tema do qual Tina Brown fuja, referindo-se até à “clássica e autêntica” Diana como “astuta, sedutora e a jogar um jogo duplo”. “A câmara era a atração fatal de Diana e a sua arma mais potente — a fonte de tanto poder com o preço de tanta dor. Ela estava sempre a jogar com essas probabilidades”, lê-se em “Palace Papers”.
Isabel II e o “maior colapso nervoso nacional” em stand by
“Acho que o país terá o maior colapso nervoso a nível nacional quando a rainha morrer”, assegura Tina Brown sem grandes rodeios ao The Telegraph, recordando que o reinado de Isabel II, que recentemente ultrapassou a marca icónica dos 70 anos, é mais duradouro do que o da rainha Vitória. E é por comparação que tece a sua opinião: “O dilúvio de luto depois de Vitória foi extraordinário e isso foi na era pré-media. Perder a rainha será um golpe devastador”.
Príncipe Carlos, o futuro “avô da nação”
Ao contrário do que se possa pensar, Brown é mais otimista do que muitos em relação ao futuro do príncipe Carlos na condição de rei. Carlos, diz, pode vir a tornar-se “o avô da nação”, considerando-o uma pessoa “autêntica” e cujas paixões encontram razão de ser nos tempos atuais. Em causa está o conhecido interesse do primogénito de Isabel II pelo ambiente e pela sustentabilidade, uma batalha que tem funcionado como cartão de visita há vários anos e à qual William se juntou mais recentemente, tecendo, inclusivamente, duras críticas ao investimento feito no turismo espacial em detrimento do cuidado com o planeta. Brown garante até que a preocupação de Carlos face às alterações climáticas não resulta de “coisas fabricadas pelo Palácio” e acredita que Camilla tem sérias hipóteses de se transformar numa “rainha-mãe instantânea”. “Ela tem muito charme e naturalidade e eles têm esse vínculo incrível como casal.” Ainda sobre o papel de Carlos enquanto futuro e provável rei, Brown afirma que ele terá de modernizar a monarquia mesmo que se considere uma “figura retro”.
Naturalmente que ter William e Kate no trono é motivo para gerar “mais entusiasmo”, mas Brown considera que será mais fácil se algum peso da mudança recair sobre Carlos e não diretamente sobre os ombros dos Cambridge. Porque depois de um “líder poderoso”, como Isabel II, talvez seja melhor “um período de transição” antes da chegada de “outro líder carismático”. “Se a transição não continuar até Carlos ter 101 anos, acho que vai ficar tudo bem.”
Carlos e Camilla, e a rotina “implacável” que despertou empatia por Diana
Camilla é descrita por Brown como uma “encantadora de cavalos”, capaz de entender o atual marido na perfeição e dona de uma “inteligência emocional de amante incrível”. “Amor duro”, expresso de forma calorosa e com humor, faz parte dos ingredientes da relação oficializada em 2005 — só mais recentemente, aquando do Jubileu de Platina, é que a monarca expressou o “sincero desejo” de que Camilla venha a ostentar o título de “rainha consorte”. O desenvolvimento desta relação após o polémico divórcio de Carlos e Diana não foi recebido de igual forma por William e Harry — se, por um lado, o filho mais velho já aceitou a posição de Camilla de uma forma mais madura, por outro, Harry “não a suporta” e não quer que ela ascenda — “Ele está muito zangado por isto estar a acontecer”, diz a autora.
A forma como Camilla interage com Carlos, segundo a biógrafa real, faz lembrar a maneira como a rainha-mãe tratava Jorge VI, pai da atual monarca: “Ela era capaz de o controlar sem que ele soubesse que estava a ser controlado”. Camilla, por seu turno, “estabiliza Carlos de uma forma que é muito saudável para ele”. “Ele é um homem muito mais relaxado quando está perto dela e ela fá-lo rir. É uma mulher engraçada. E ela partilha todos os interesses e os amigos dele”, coisa que não acontecia com Diana.
No livro, Brown escreve que a posição de “consorte não oficial” não foi tarefa fácil, ainda que durante algum tempo Camilla conseguisse ver o lado positivo de não estar casada com Carlos: sobretudo porque detestava voar, falar em público, arranjar-se e receber atenção mediática, tudo exigências da realeza. No lado oposto, a rotina de Carlos era implacável e pontualidade não era o forte de Camilla — a exigência era tanta que, segundo uma das amigas à época, a atual duquesa da Cornualha chegou a sentir empatia para com os múltiplos descontentamentos de Diana.
Em 2004, numa altura em que a ambivalência da posição de Camilla se estava a tornar “insustentável”, um dos assessores mais seniores do palácio, Sir Michael Peat, recuou na missão inicial de impedir a ascensão de Camilla e começou a defender o seu casamento com Carlos. Pressões internas à parte, a gota de água terá acontecido por ocasião de um casamento dos van Cutsem (estão entre os amigos mais antigos da família real), quando Camilla foi informada pela matriarca Emilie van Cutsem que se sentaria longe de Carlos na igreja. Em protesto à humilhação da amante, o príncipe de Gales deu uma desculpa para faltar ao evento e pediu Camilla em casamento a 31 de dezembro, com um anel de noivado da coleção da rainha-mãe. A cerimónia civil aconteceu a 8 de abril e Emilie van Cutsem não foi convidada.