O telefone de Paul Romer tocou uma e outra vez. Era manhã de segunda-feira, bem cedo (ainda mais cedo pela diferença de fuso horário), e o professor da Stern School of Business, da Universidade de Nova Iorque, achou que era “spam“. Não atendeu nem à primeira nem à segunda vez que o telefone tocou. Foi só quando percebeu que a chamada vinha da Suécia que retornou o contacto, esteve em fila de espera até conseguir falar com alguém que lhe explicou que não lhe queriam vender nada — queriam dar-lhe um prémio Nobel da Economia (a ele e a outro norte-americano, William Nordhaus, da Universidade de Yale, que dedicou a carreira a estudar as relações entre a economia e as alterações climáticas). Essa é a chamada que, defendem os premiados, ninguém pode ignorar.

Em poucas ocasiões o chamado prémio Nobel da Economia — em rigor, o Prémio de Ciências Económicas em Memória de Alfred Nobel — terá coincidido de forma tão certeira, quase parecendo coreografada, com o tema que estava, nesta manhã de segunda-feira, no topo da atualidade mediática. Não, o tema de investigação premiado pela Real Academia Sueca das Ciências não estava relacionado com o apoio político da pop star Taylor Swift a um congressista pró-Kavanaugh, que fazia manchete da Fox News. A pesquisa premiada estava, sim, relacionada com outro tema: o alerta das Nações Unidas de que o mundo tem cerca de 12 anos para evitar a catástrofe ambiental que espera a Humanidade caso nada seja feito, de forma urgente.

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Esse é um perigo que há várias décadas concentra a atenção de William (mais conhecido por Bill) Nordhaus, um professor de Yale que criou modelos que são a base do que se chama “contabilidade verde” — uma disciplina que sublinha o papel dos custos ambientais, que tendem a ser desprezados pelos indicadores económicos tradicionais, incluindo o todo-poderoso Produto Interno Bruto (PIB). Desde a década de 70 que Nordhaus avisa os responsáveis políticos de que os seus modelos económicos, as suas estratégias de desenvolvimento e a sua definição do que é “prosperidade” tendem a não levar em consideração o impacto sobre as questões climáticas.

Em concreto, Nordhaus, hoje com 77 anos, foi um dos primeiros a defender a aplicação de uma taxa do carbono, na linha do “imposto” que entretanto foi criado em várias partes do mundo para desincentivar o consumo de combustíveis fósseis e reduzir a emissão de gases com efeito-estufa.

A contribuição de Nordhaus foi, também, técnica: criou modelos computorizados que se tornaram ferramentas essenciais para calcular os impactos ambientais — como o DICE, sigla sugestiva para definir o Dynamic Integrated Climate-Economy. A sigla “DICE” também remete para o jogo dos dados, uma imagem que Nordhaus usou para ilustrar os riscos que a Humanidade corre em matéria ambiental.

Em 1993, Nordhaus avisava que “a Humanidade está a jogar aos dados, a arriscar a sua sorte, na relação com o ambiente natural, através de uma multiplicidade de intervenções — injetando na atmosfera gases vestigiais como os gases com efeito-estufa ou químicos que libertam ozono, promovendo enormes alterações sobre o uso da territórios como a desflorestação, eliminando várias espécies [animais] nos seus habitats naturais ao mesmo tempo que criam espécies transgénicas em laboratório, e acumulando armas nucleares suficientes para destruir as civilizações humanas”.

William D. Nordhaus, à direita do Presidente Bill Clinton numa fotografia tirada em 2000, na Casa Branca (Foto: PAUL J. RICHARDS/AFP/Getty Images)

William Nordhaus tem um perfil discreto — não se explicou porquê, mas não esteve disponível (como esteve Romer) para intervir, ao telefone, na conferência de imprensa da entrega do prémio Nobel, nesta segunda-feira. Nascido em Albuquerque, Novo México, William tem um irmão — Robert, ou Bob — que participou na elaboração do principal pacote legislativo da Administração Obama na área do ambiente: o chamado Clean Air Act.

O "timing" perfeito da Academia Sueca

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Além do relatório da ONU, este prémio Nobel da Economia — o 50º da história — foi entregue na manhã em que passou à segunda volta das eleições presidenciais no Brasil um candidato que prometeu que, caso venha a ser eleito, não deixará de entregar “um centímetro” da floresta Amazónica à exploração mineira. Num discurso em Mato Grosso, no ano passado, Jair Bolsonaro criticou a proteção que existe aos chamados terrenos indígenas do Amazonas, que “são obrigados a viver como animais num zoo” quando, na realidade, gostavam de ter “eletricidade, televisão, Internet e namoradas loiras“.

Bob tem uma mente mais legislativa, mais pragmática. William, ou Bill, define-se como um “economista académico” e revelou, num perfil traçado em 2014 pelo The New York Times, que tem “muitas ideias malucas” que gosta de partilhar com o irmão, Bob, para perceber se são assim tão malucas.

“As ferramentas que criou permitem simular como é que a economia e o clima iriam co-evoluir no futuro, introduzindo vários pressupostos alternativos relacionados com o funcionamento da natureza e da economia de mercado, incluindo diferentes políticas relevantes”, assinalou a Real Academia Sueca das Ciências, salientando a importância dos “modelos quantitativos simples mas dinâmicos” cuja criação Nordhaus liderou.

Malucas ou não, a realidade é que muitas das ideias de William Nordhaus entraram não só nas políticas públicas como, também, na investigação científica que se faz sobre este tema — designadamente o estudo que foi divulgado este domingo por um grupo de 91 especialistas (de 40 países) que integram o Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas da ONU. O trabalho é considerado o mais importante relatório de ciência climática desta década.

Segundo esse documento, “manter o aquecimento global abaixo de 1,5°C significa uma diminuição das pessoas expostas a ondas de calor, chuvas fortes, secas, tempestades e inundações”. Mas a margem não é muita: o aquecimento climático está, neste momento, 1°C acima dos níveis pré-industriais e pode atingir 1,5ºC já entre 2030 e 2052. Como referem os autores do relatório de 400 páginas: 0,5ºC “fazem toda a diferença”.

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Num texto mais recente, de finais de 2016, Nordhaus mostrou-se pessimista perante a probabilidade de os países mundiais conseguirem cumprir as metas do Acordo de Paris — é “improvável” que esses objetivos sejam cumpridos, lamentou, porque as iniciativas políticas necessárias tardaram e continuam a tardar. O texto foi revisto em setembro de 2017, perto do momento em que Donald Trump colocou os EUA à margem desse mesmo acordo internacional para as alterações climáticas.

Apesar de não ser a área primordial de investigação de Paul Romer, o homem que foi economista-chefe do Banco Mundial colmatou a ausência de Nordhaus e respondeu às questões dos jornalistas sobre o estudo que acabara de ser divulgado. “O problema que temos hoje é que as pessoas pensam que proteger o ambiente vai ser tão difícil e tão oneroso que preferem ignorar o problema e fingir que não existe”, lamentou.

Romer alertou, porém, para o possível lado mau de serem divulgados estudos como este. O efeito sobre a psique humana pode ser o contrário do esperado: em vez de ser uma chamada de atenção e um incitamento à ação, estes alertas podem levar as pessoas a sentirem-se apáticas e desamparadas, alerta Romer, defendendo que, para que as coisas mudem, não é preciso um esforço grande. Basta um pequeno esforço.

“Quando começamos a tentar reduzir as emissões de [dióxido de] carbono, somos apanhados de surpresa ao perceber que não era assim tão difícil quanto antecipávamos”, argumentou Paul Romer, em teleconferência, rematando que “os seres humanos são capazes de fazer coisas extraordinárias quando se mentalizam de que é preciso fazê-las”.

Paul Romer tem uma longa carreira académica ligada a Stanford e à New York University (Stern Business School). (FOTO: Slaven Vlasic/Getty Images)

Com uma longa carreira académica, interrompida apenas por uma passagem fugaz pelo Banco Mundial (como vice-presidente e economista-chefe), Paul Romer defende a ideia de que os países têm, de facto, capacidade para gerar prosperidade (sustentável) na medida em que podem definir políticas públicas “localizadas”, ligadas à inovação e às qualificações técnicas, criando os incentivos certos para tirar o máximo partido do progresso tecnológico.

Numa TED Talk recente, que lhe reforçou a notoriedade pública, Romer partiu do exemplo de uma fotografia de um grupo de jovens nigerianos que têm um telemóvel no bolso mas que estão a fazer os trabalhos de casa sentados num passeio, na rua, a aproveitar a iluminação pública que existe na zona do aeroporto. Romer pergunta: “Como é que uma tecnologia tão recente como os telemóveis existe no bolso destes jovens, quando uma invenção com mais de 100 anos — como a eletricidade — não existe nas suas casas?”.

A resposta a esta questão ilustra na perfeição a forma como as “regras” que um Estado define, os incentivos que cria para as empresas nos vários setores, têm um papel fundamental no desenvolvimento.

Por outras palavras, uma das ideias que Romer defende — no âmbito da sua “teoria do crescimento endógeno” — é que os governos não podem atribuir exclusivamente a fatores externos aquilo que de bom e de mau acontece nos países que governam. Na TED Talk, Romer dá o exemplo de como a China criou um conjunto de cidades à imagem de Hong Kong, com regras próprias e onde, hoje, se concentra boa parte da produção de riqueza do país. Um exemplo? Schenzhen, onde, provavelmente, o smartphone que o leitor tem no bolso foi fabricado.

Este é um exemplo do que Romer chama de “cidades charter” que, um pouco como os voos charter, permitem às autoridades nacionais criar pólos específicos de atração de investidores e populações — quase como “países dentro dos países”. O académico chega a atirar para o ar a ideia de que Raúl Castro deve livrar os EUA do “pequeno problema de relações públicas” que se criou na Baía de Guantanamo e Cuba deve perguntar ao Canadá se não quer ajudar a transformar aquela região numa espécie de “Hong Kong cubana”, um dínamo económico que não compromete o resto do país com esta ou aquela política pública mas que pode ter um efeito eletrizante para aquele local, beneficiando, depois, todo o país.

O prémio Nobel para Romer surge numa altura em que o percurso pessoal e profissional de Romer tem sofrido alguns solavancos. Ao fim de 15 meses no cargo, o académico demitiu-se do Banco Mundial (no início deste ano) depois de ter dado uma entrevista ao The Wall Street Journal onde deu a entender que as inclinações políticas dos técnicos do banco estavam a ter uma influência indesejável na elaboração dos rankings mundiais sobre os países onde é mais fácil ter negócios. Em causa estava a descida do ranking protagonizada pelo Chile — mesmo moderando os seus comentários, depois, as críticas de Romer ao staff do Banco Mundial fizeram com que não tivesse condições para continuar no cargo.

Romer voltou para a universidade, mas também aí não tem tido medo de fazer alguns inimigos. No início de 2016, criticou a generalidade dos macroeconomistas (presume-se que Nordhaus não seria um dos visados) por se terem afastado do mundo real. “Ao longo de mais de três décadas, a ciência macroeconómica esteve em recuo”, criticou o professor da Universidade de Nova Iorque, lamentando que os académicos cada vez mais “ignorem os factos” e se refugiem em modelos “matematizantes” que Romer considera pertencerem à esfera do “pós-verdade”.

Romer nunca colaborou diretamente com Nordhaus, ou seja, o prémio deste ano não foi partilhado pelo facto de dois ou mais investigadores dividirem méritos numa dada área de pesquisa. Ainda assim, como explicou a Real Academia Sueca das Ciências, Nordhaus e Romer integram “a mesma agenda”. Sob prismas diferentes, ambos adoptam uma visão de longo prazo para a macroeconomia e destacam a importância do desenvolvimento sustentável para o progresso das sociedades.

Nobel da Economia. Porque fazemos coisas que sabemos serem más para nós?