Desde o anúncio, ainda nesse distante mundo pré-covid, da famigerada “reunion” de “Friends” que tenho recebido mensagens (mais intensas nos últimos dias) pelos diversos – alguns dirão demasiados – meios que a tecnologia coloca ao nosso dispor para incomodar… perdão, para aceder aos nossos amigos (não era um trocadilho) e conhecidos:
“OMG Friends vai voltar!”
“Já viste que estão a fazer um filme de Friends?!”
Qual Fátima Campos Ferreira, o meu papel tem sido o de moderar as expectativas em relação a isto, tanto as deles como as minhas.
Como alguém que começou a ver “Friends” no início da adolescência (e sobreviveu à bizarra tentativa da RTP 2 de dobrar a série em português do Brasil), um bom bocado mais jovem que as personagens no ecrã e, ainda hoje, mais velho que qualquer um dos seis no último episódio, regresso com frequência àquele confortável universo. A minha relação com o grupo chega já ao quarto de século. Muito mudou o mundo desde 1994, quando a série se estreou e partilhava a grelha da NBC com outros gigantes da televisão como “Seinfeld”, “Mad About You” e “ER” (sucedendo ao também mítico “Cheers”).
[o trailer da reunião de “Friends”:]
https://www.youtube.com/watch?v=AXdjMa7fo_8
Para aqueles de nós para quem “Friends” não é uma mera série, mas sim um guia formativo e formador de como navegar os complicados vintes, raramente nos interessa alimentar debates sobre a qualidade televisiva ou comparações com as melhores tele-dramaturgias da história. “Friends” não é “Sopranos” e nós sabemos. Raramente tentamos convencer os outros a ver citando os prémios que ganhou (seis Emmys e dezenas de nomeações) ou as séries que inspirou quase diretamente (“ah, gostas de How i Met your Mother?”). Na verdade, e ao contrário de outros evangélicos de séries (experimentem, por diversão, dizer a alguém que nunca viram “Breaking Bad”), poucas vezes o fã de “Friends” tenta impingir a sua crença aos ateus – vivemos no conforto de saber o que a série nos dá e somos capazes de competir por horas em citações com outros membros da nossa congregação.
Isto porque podem pegar num qualquer episódio solto e achar graça aleatória a alguns momentos, mas não é esse o propósito da experiência de “Friends” – é o crescer e acompanhar aquelas personagens durante uma década chave das suas vidas. É ver a Monica a ser organizada, o Joey a ser tonto, a Rachel a ser vaidosa, o Chandler a ser sarcástico, a Phoebe a ser adoravelmente estranha e o Ross a ser Ross semana após semana – ou aos oito episódios por dia nesta abençoada era de binge-watching. É também pensar qual deles é mais parecido connosco e o que isso significa para a nossa vida – mais tarde preencher um quizz do Buzzfeed (com o mesmo algoritmo que nos diz que tipo de queijo seríamos se fossemos um lacticínio) e ficar frustrado com o resultado quando nos calha o Gunther.
Também não contem connosco para introspeções muito profundas sobre se a série envelheceu bem ou não – há muito conteúdo e personalidade da viragem do século bastante mais problemático aos olhos de 2021, mas coisas como a insistência do Ross para o filho não brincar com bonecas ou a sua implicância com o famoso “male nanny” são ligeiramente desconfortáveis. Also, já estive em Nova Iorque e nem toda a gente lá é branca e heterossexual. Claramente, não é pela representatividade que a série vai ficar para a história.
Desde o final da série, em 2004, que nos resta rever e citar pela milionésima vez as falas impregnadas nos nossos cérebros da mesma maneira que o Pavlov educava os seus animais de estimação; ou, em alternativa, acompanhar as francamente estranhas carreiras que os nossos amigos seguiram.
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Qual deles teve o melhor percurso pós-“Friends”?
Matthew Perry (Chandler Bing): protagonizou algumas comédias televisivas nada memoráveis – “Mr. Sunshine”, “Go On” e o remake de “Odd Couple” e não tem nenhum crédito no IMDB desde 2017. Ainda assim, esteve em bom nível na única temporada do ignorado, mas muito recomendável, “Studio 60 on The Sunset Strip”, de Aaron Sorkin.
Courtney Cox (Monica Geller): aguentou durante seis temporadas o inconsequente “Cougar Town”, não tendo na filmografia mais nenhum papel de relevo além da sua participação na saga “Scream”, que começou em 1996.
Lisa Kudrow (Phoebe Buffay): fez aqueles dois filmes em que era psicóloga do DeNiro a ser mafioso e que genuinamente ninguém se lembra se tinham graça ou não. Está naquela fase em que aparece diversas vezes em papéis secundários e nos obriga a largar o telemóvel e perguntar em voz alta “’pera, esta é a Phoebe? Ah que giro”.
Matt LeBlanc (Joey Tribbiani): manteve o seu papel de Joey no spin-off do mesmo nome e que tratamos como aquele tio racista – ignoramos e se nos perguntarem fingimos que nem sabemos o que é. Por outro lado, numa grande demonstração de versatilidade, interpretou-se a si próprio no muito interessante e digno de ser descoberto “Episodes”, uma série ainda menos prática de googlar que o próprio “Friends”.
David Schwimmer (Ross Geller): diz-me a internet que interpretou um antepassado das Kardashian numa série sobre o OJ Simpson em que contracenou com as proeminentes sobrancelhas do John Travolta.
Jennifer Aniston (Rachel Green): até por exclusão de partes, parece ser a vencedora deste pequeno exercício. Após uma coleção de comédias mornas, o seu recente “Morning Show” da Apple TV+ com Reese Whiterspoon (que já tinha sido irmã da Rachel em dois episódios de “Friends”) e Steve Carell talvez seja o produto de maior relevância envolvendo um dos seis do grupo.
Então e isto agora é um episódio especial, é uma continuação, é um filme?
Com lançamento marcado para esta quinta-feira, 27 de maio, na HBO Max e conjuntamente na nossa HBO Portugal, “Friends – The Reunion” é, não obscuramente, isso mesmo – uma reunião. Além dos seis principais e de alguns outros atores da série como Elliot Gould, Christina Pickles (pai e mãe dos Gellers), James Michael Tyler (Gunther) ou Maggie Wheeler (Oh my God Janice), o especial vai também contar com um grupo peculiar de convidados. Sabem aquele jogo em que se escrevem nomes de celebridades aleatórias em papéis e se colam na testa, cabendo a cada concorrente descobrir quem “são” através de perguntas? Parece que alguém pegou nos tais papelinhos no final de um serão de jogatana e convidou as celebridades ao acaso para participar desta “Reunion”.
David Beckham, BTS (sim a banda de K-Pop), Malala Yousafzai, Justin Bieber, Kit Harrington (o Jon Snow que supostamente nada sabia), Cara Delevingne, Lady Gaga, Cindy Crawford, Mick Jagger e Tiger Woods – destes nomes só há dois que inventei mas se tivessem de adivinhar pela lógica quais eram seria impossível (foram os dois últimos). Confesso que tenho tanta curiosidade em ver os nossos seis amigos juntos novamente como em perceber o que a Malala tem a partilhar sobre a série.
Expectativa é tudo na vida.
As comédias americanas sempre nos venderam as reuniões de liceu após anos de distância como eventos bastante desconfortáveis e em que se chega à conclusão que é melhor olhar para o futuro do que para o passado (aliás, a nossa Lisa Kudrow já o dizia desde o seu divertido “Romy and Michele’s High School Reunion” de 1997).
Do que o trailer e outros materiais promocionais deixam perceber, teremos grandes doses de nostalgia com o grupo a voltar ao estúdio onde passaram dez anos em apartamentos e coffee houses cenográficas, trocando histórias e memórias e recriando algumas da cenas mais icónicas que os fãs se lembrarão melhor que os próprios (incluindo o jogo criado pelo Ross e que determinou a troca de apartamentos da Monica e Rachel com o do Joey e Chandler e o momento em que a Phoebe descobre que a Monica e Chandler se estão a enrolar). É o meio termo possível e provavelmente sensato entre o “nada” e um hipotético regresso ou continuação da série numa era em que os estúdios e serviços de streaming tentam cada vez mais escavar os seus arquivos de propriedade intelectual em busca de conteúdos que possam requentar. Das raras vezes que corre bem, temos um “Cobra Kai”, na maioria das vezes temos um “Transformers 9” (ainda vamos ver em que lado do espectro cai o “Top Gun 2”). Um regresso desse tipo para uma série com a fan-base e impacto cultural de Friends viria com uma expectativa (e um custo) praticamente impossível de compensar, pelo que é melhor nem desejarmos uma coisa nesse caminho.
Ainda assim, ao fim de dezassete anos (pouco menos que o anterior título do Sporting) sem qualquer conteúdo novo deste universo, uma reunion é o melhor que podemos ter.
De entre as coisas que ficaremos a saber é a opinião de cada um deles sobre a questão mais polémica dos dez anos da série – estavam, afinal, o Ross e a Rachel “on a break”? Tal como no ecrã, parece que também entre eles a conclusão não é unânime.
Outra especulação provável de acontecer é a dos atores em relação ao futuro e envelhecimento das suas personagens, depois de as deixarmos naquele último episódio.
A reunion é também, não nos iludamos, uma ambiciosa jogada de marketing por parte da HBO Max, que terá pago a cada um dos seis atores principais mais de dois milhões e meio de dólares pela sua participação (compreendo, também só voltava a ver alguns dos meus ex-colegas por valores dessa ordem). O serviço de streaming espera certamente uma subida de novos clientes daqueles que não querem perder o evento exclusivo e, banhados pelo revivalismo, decidam manter a sua subscrição para voltar a Central Perk e rever os seus 236 episódios e mais de 80 horas de televisão. Vale lembrar que a HBO Max adquiriu os direitos da série, que anteriormente tinha feito sucesso na Netflix, por uma verba de 425 milhões de dólares.
Não vos posso prometer que isto vai ser incrível, mas a quem for realmente fã da série (quem não for nem está convidado) posso garantir que vamos ter muitos risos e choros, tanto deles como nossos (confesso que quase chorei só no trailer).
Ah e botox, muito botox.
Pedro Silva é comediante, DJ e claramente demasiado apegado a “Friends”