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Discípula da palavra, escrita e cantada, Rita Vian podia ter terminado o seu álbum de estreia, Sensoreal, com qualquer uma à sua escolha. Ela, que por várias vezes afirmou em entrevistas e conversas como dá tanto trabalho burilar o texto até resultar naquilo que a satisfaz, na representação genuína das suas ideias e sensações. A cantora lisboeta optou por dois vocábulos que sozinhos já têm força; juntos são uma montanha de sentido: “Tentar sempre”.
Esse não só é o nome da última das 12 canções deste disco, repetido pela artista como um mantra sobre o acompanhamento esparso da viola de Manel Ferreira e o baixo de Chico Rebelo. É uma máxima que tem seguido em vida e que a levou até este projeto, editado esta sexta-feira, 20 de outubro.
Noutra das canções de Sensoreal, Temos Tempo, Rita Vian ensaia outra frase marcante, “viver é um tentar acumulado”. É esta procura que a tem motivado a ser artista, a semente plantada pelas sessões a cantar fados com a família durante a infância cresceu e brotou numa das artistas mais entusiasmantes a despontar em Portugal. “O tentar já é fazer, tentar sempre é fazer sempre. É importante saberes que vais estar nessa endurance, que vais estar sempre nessa roda”, conta ao Observador no abrigo de um café em Lisboa, perante a tempestade que começou a assolar o país de norte a sul.
A cantora de 32 anos dispensa apresentações para quem vai seguindo a cena independente nacional, mas façamos um breve resumo: depois de molhar os pés nas águas do showbiz ao participar numa edição da Operação Triunfo, Rita Vian fez parte dos Beautify Junkyards durante alguns anos até lançar-se numa carreira a solo. Ouvimo-la a recordar Amália Rodrigues em Carmen, canção de Mike El Nite, em 2018, antes de lançar os singles Diágonas e Sereia. As atenções estavam voltadas, e o seu EP CAOS’A, de 2021, despertou tamanho interesse que a artista passou os últimos dois anos em concertos por Portugal.
[ouça “Sensoreal”, o álbum de Rita Vian, através do Spotify:]
Todo esse percurso desembocou aqui, em Sensoreal, título que, apenas ouvido, esconde o seu real sentido, o do sentido real. “Falam-me muitas vezes que as minhas letras são muito palpáveis, que a pessoa consegue perceber onde está, há uma escrita muito tátil, muito fácil de perceber e de criar uma empatia porque falo muito sobre mim, sobre os meus pensamentos, sobre o interior, sobre a saúde mental, sobre tudo isso”, explica Rita Vian.
A ideia de fazer este jogo de palavras partiu daí, de uma passagem para o “senso real em vez do senso comum”. A artista continua: “É o sentido da realidade de cada um, não um senso comum na ideia de que todos nós temos o mesmo bom senso, mas sim de que todos nós temos realidades muito diferentes e que talvez isso seja mais importante de compreender, porque quando conhecemos alguém, nunca sabemos nada sobre essa pessoa e devemos ter isso em conta quando nos encontramos em vez de achar que vivemos todos no mesmo universo ou que vivemos todos na mesma cidade e tivemos a mesma história ou o mesmo trajeto. Vem um pouco daí, dessa compreensão da diferença”.
[“Animais”, o primeiro single do ábum de Rita Vian:]
Por outras palavras, é uma busca de sentido naquilo que é experienciável e que talvez não sejamos capazes de transmitir, falíveis que somos enquanto criaturas dependentes da linguagem. É o captar de pormenores da vida quotidiana que ninguém pensa em pôr em texto até tornar-se absolutamente claro que fazê-lo pode criar pontes de empatia com os outros.
“Canto sobre a minha perspetiva e unicamente sobre ela, será sempre subjetiva para qualquer pessoa. No entanto, de certa forma, se fizeres uma canção de amor, estás a tentar apanhar pensamentos e sentimentos que às vezes são indizíveis mas têm de ser ditos… Agora, neste novo disco, tenho um interlúdio que é o Estás a Ouvir-me. É uma música bastante simples, na verdade, é um desabafo sobre quando estou sozinha em casa e é como se eu estivesse a falar com alguém que espero que me esteja a ouvir”, revela, antes de citar outro exemplo, a canção Trago, de CAOS’A. “‘Se vires que não consegues avançar, toca na minha mão sem ninguém notar’. São coisas sensoriais, mas são momentos que tu conheces, que nos acontecem a nós e que supomos que acontecem a toda a gente, mas na verdade não sabemos, porque ninguém fala sobre esse secretismo da intimidade. Acho que às vezes é libertador ter esse momento de dizer tudo o que digo quando estou sozinha”, afirma.
Captar pormenores e diálogos tidos sem pretensões de serem ouvidos por uma terceira parte, tem sido uma das fontes de inspiração de Rita Vian, desde os tempos em que trabalhava como empregada de mesa. “Não é uma questão de estar a ouvir a conversa das outras pessoas, mas sim de observar, de ser um mero observador sem julgamentos, sem qualquer tipo de agenda, simplesmente estares presente e ouvires o que as pessoas à tua volta estão a dizer. Às vezes é muito interessante porque absorves as coisas que elas estão a passar, tentas perceber se dizem coisas parecidas com o que tu dirias, sejam amigos ou namorados ou o que for. E isso é algo que me intriga muito, ‘roubar’ esses pequenos pormenores e perceber se são parecidos ou não”, adianta.
Todo este processo encerra-se numa frase que funciona quase como um manifesto para Rita Vian e para este Sensoreal, proferida várias vezes em Animais, faixa que abre o disco e que foi lançada como primeiro single: “chamam-lhe mente criativa, mas tudo o que eu digo existe”.
Rita Vian, a cantora. E Rita Vian… a rapper?
Em Temos Tempo, canção guiada por uma leveza quase etérea de teclas cintilantes antes de ser amarrada ao chão por um beat, a cantora declara: “É nas palavras que me hidrato” e “alimentei-me do vocabulário no prato”. Apesar da sua persona artística poder ser mais identificada com o fado pelo timbre delicado da voz — ora dorido, ora jubilante —, Rita Vian evitou desde cedo ser facilmente rotulada com canções que iam buscar muito à eletrónica contemporânea e ao hip-hop. Em Sensoreal, decidiu baralhar ainda mais quem a encarava como uma espécie de neofadista ao ter vários momentos onde a melodia vocal dá o lugar à destreza das rimas.
Tanto em Animais como em Podes Ficar — que é praticamente uma música boom bap — ou Ir Embora, a artista entra em jogos de palavras e rimas internas algures entre o rap e o spoken word. Quem a conhece, não estranha, porque Rita Vian é há muito fã deste género musical. “Acho que somos um conjunto de experiências e de amores que juntamos. Inevitavelmente, a maneira como eu escrevo às vezes vai lá parar”, declara.
“São músicas em que sinto que consegui expor exatamente a história que eu queria. E depois, o ritmo faz-me quase não pensar no que estou a dizer. Não é um processo consciente quando estou a cantar ao vivo, porque é muito eu. Então estou ali, são das músicas que me deixam mais feliz em palco e mais, neste caso, desconcentrada”, revela. Abraçar as influências do hip-hop deu-lhe uma completude que a faz quase dissociar do que está a fazer e tornar-se um veículo de onde emergem as palavras. Essa experiência, conta, já foi sentida nos vários concertos onde deu a conhecer alguns destes temas antes de Sensoreal ser lançado. “São momentos em que eu dou por mim a cantar para as pessoas ou a cantar para o Manel [Ferreira], que está a tocar viola, ou até de olhos fechados. E a música é muito rápida e há muitas coisas para dizer e eu não estou nem aí. Estou só exatamente onde eu devia estar.”
Questionada se chegou a temer esta escolha de primeiro single poderia alienar parte do seu público por demonstrar este seu lado de forma tão assertiva, a cantora responde com um “antes pelo contrário”. “Se esta é a minha identidade, ela terá o seu público. Se me sinto tão bem no Animais, se me sinto tão bem em determinadas canções, essas são as que vou lançar. Principalmente sendo o meu primeiro disco, convém eu ser fiel a esse trajeto. Porque tarde ou cedo, tudo o que foi, é e será. Até podemos tomar trajetos em que as coisas são mais catchy, mais dentro do que está a acontecer, mais isto ou mais aquilo, mas o que eu sou, serei, e essa conclusão chegará. Vejo muito as coisas assim, não como um momento isolado no tempo, mas como um percurso. Prefiro dar essa chicotada já e começar assim num disco maioritariamente co-produzido e direcionado por mim, do que outra coisa qualquer”, diz.
O tom com que profere estas palavras não é defensivo, é de orgulho pelo percurso que fez. Ainda que admita que Animais foi uma escolha audaz para apresentar Sensoreal, acrescenta que esta é uma abertura a um novo patamar para si e que não resultaria se não fosse o primeiro contacto dos ouvintes com o novo projeto. “Senti muita identidade e senti-me muito realizada naquela música de forma global, é como se eu tivesse chegado a mais uma purga ou a mais um momento em que eu me vejo refletida numa canção. E para mim foi como abrir de portas”. Ora, se o momento é de escancarar a entrada e declarar a presença, não pode ser feito em bicos de pés.
Um regresso e a marca de um velho conhecido
Desengane-se, no entanto, quem ache que Sensoreal apenas se fica por esta novidade. Desde a toada sensual, de amor proibido, em Tua Mão, com uma batida a roçar o techno, até ao jazz despido de Vida a Dois, este álbum pode ser considerado uma súmula do percurso que Rita Vian tem feito para alargar horizontes musicais.
Apesar de ter chegado a ingressar em cursos de formação musical, a artista — tal como os seus pais, que aprenderam a tocar instrumentos de ouvido —, seguiu um caminho autodidata. “Sempre que estive numa escola, senti-me um pouco bloqueada, então acabei por sair sempre. Agora estou mais numa pesquisa pela produção”, declara, munindo-se de uma MPC com a qual produziu várias das canções sozinha. Mas mesmo nos momentos de total autonomia, Rita Vian contou sempre com o apoio de alguém que lhe deu a mão logo no início, quando decidiu lançar Diágonas e Sereia. “Tive sempre ao meu lado o Benji Price, que agora vai pelo nome de João Maia Ferreira, que acompanhou comigo o disco para juntar todas as peças e para que tudo fizesse sentido. Ele acabou por produzir inteiramente uma música, a Cuido de Mim e co-produziu comigo a Animais e a Estás a Ouvir-me, informa.
João Maia Ferreira, que é também responsável pela mistura e masterização de Sensoreal, sucede assim a Branko, que produziu CAOS’A. A escolha, afirma Rita Vian, fez-se muito pela necessidade de ter alguém com disponibilidade, não só no sentido literal, como emocional. “Para tu fazeres uma coisa que vai a tantos sítios, precisas de alguém que tenha essa elasticidade que é dizer ‘João, eu vou andar num ir e vir com coisas’. Tinha de ser uma pessoa que tivesse essa endurance”, explica. No fundo, um amigo. “Houve uma vez em que cheguei com uma música que tinha escrito inteira no dia anterior à noite e disse-lhe ‘João, liga-me o piano, senta-te aí’ e fiz o Temos Tempo. A música já estava feita. Eu fiz o piano, disse a letra para o microfone e depois fiz lá uma batida — o João esteve lá a juntar todas as peças. Tem de ser alguém que tu que tu conheças”, afirma.
Além dos nomes já citados — Manel Ferreira na viola e Chico Rebelo no baixo —, a lista de créditos de Sensoreal inclui também João Gomes no piano e Conan Osíris nas percussões. A inclusão dos quatro músicos no álbum é fruto de uma maior maturidade artística de Rita Vian, que chegou com as canções escritas ao estúdio e decidiu que cada um destes intérpretes seria a pessoa indicada para tocar as partes que tinha idealizado. Por exemplo, o dedilhado que vai acelerando no final de Ir Embora foi por si cantado para um iPhone. “Procurei muito por um guitarrista que fizesse aquele dedilhado específico e depois encontrei o Manel, que acabou por fazer exatamente isso e ficou aquela ‘pista de atletismo'”, revela entre risos.
Já na lista de produções, além de João Maia Ferreira e da própria artista, participam o rapper nacional Kidonov, o brasileiro Rose Juam e Mucky, conhecido principalmente por trabalhar com a cantora iraniano-neerlandesa Sevdaliza. Ao contrário do que aconteceu em CAOS’A, Branko não assina qualquer participação neste disco — o que não significa que a sua presença não se faça sentir ao longo das 12 canções.
“Tanto o Rose Juam como o Mucky foram contactos do Branko. Ou seja, existe esta presença, não é um disco totalmente sem ele, até porque seria impossível. A relação que eu criei com o Branko é daquelas que vão durar para sempre”, revela.
Um passado que continua a ser inesperado
Como já tinha afirmado no início desta conversa, Rita Vian decidiu chamar Sensoreal ao seu álbum de estreia, em parte, por rever-se na ideia de que a sua escrita é reveladora do que lhe vai na cabeça. No entanto, aqui parece expor-se ainda mais do que em projetos passados, com as suas ânsias e desejos a parecerem mais cruas e menos metafóricas. “Este é um álbum mais pessoal, mais perto e talvez mais empático, mais de experiência”, assume. “Talvez por ser-me mais fácil ver-me, de certa maneira. De desabafar mais quanto à minha vida pessoal. Acho que é um bocado mais aberto, nesse sentido”, sugere. O segundo single, Cuido de Mim, por exemplo, destila essa vontade de aproximação:
“Porque eu cuido de mim
Vê lá se cuidas de ti
Só vamos conseguir estar se também for para ti claro
Que interessa é que cuides de ti”
Se antes as suas músicas pareciam cantos de sereia prontos a enfeitiçar-nos através da sua voz, esta mantém aqui essa qualidade, mas assume-se mais terrena, mais carnal. “Houve uma vontade de me expor nesse sentido. Um bocado a ideia de uma certa libertação. Apetece-me escrever, apetece-me cada vez mais estar no palco e dizer exatamente o que me está a acontecer ao longo do processo. É um percurso que acho que tenho vindo a percorrer de me aproximar mais”, conta.
Sensoreal é também um álbum a pender entre um desejo de permanência e uma vontade de fuga. Se Vida a Dois e Temos Tempo apontam para o primeiro, Deixa-me e Ir Embora claramente denotam o segundo. “Eu acho que é realista, não é? Até um só dia pode ter esses dois pensamentos. Às vezes queres estar sozinha, às vezes queres estar acompanhada, às vezes queres estar fechada em casa, às vezes queres correr daqui para fora e ir para um sítio que não conheces. Isso não foi pensado, só reparei no fim e é ainda mais verdadeiro por isso. Acho que somos inconstantes, é uma incerteza o que nos vai acontecer amanhã ou para a semana. E é bom viver bem nessa inconstância e não querer ter a certeza que estamos exatamente onde deveríamos estar ou com a pessoa que devíamos estar para sempre. Acho que é bom ter essa fluidez que é para vivermos um bocado mais em paz com o que acontecer”, diz.
Numa conversa anterior com o Observador, Rita Vian declarou preferir “escrever coisas que sejam complicadas e que resolvam sentimentos, mais do que os evidenciam”. Desde então, nada mudou nesse processo, mas a cantora acrescenta que, não obstante a melancolia a que várias vezes se presta a sua voz, tem procurado um lado “menos lunar e mais solar” da canção.
Essa busca reflete-se sobretudo numa das canções mais surpreendentes do álbum, Deixa-me, cujo ritmo afoito e acelerado lembra uma sonoridade do fado trazida na última década por nomes como Ana Moura ou os Deolinda. No entanto, as razões para esta música existir são bem mais profundas.
A infância de Rita Vian a cantar fados a capella com a sua família em Tomar é já conhecida por quem tem acompanhado o seu percurso, mas há formas como o passado ainda se intromete no presente de forma sub-reptícia. A artista dá por si a lembrar-se de uma amiga da sua mãe, a Gigi, a cantar o Malhão ou de quando ouvia Nascer Outra Vez dos Ritual Tejo na rádio da cozinha na casa onde morava, em Massamá; a lembrança mais inesperada, contudo, surgiu no ano passado, quando começou inconscientemente a cantar a Aldeia da Roupa Branca, popularizada por Beatriz Costa.
“Eu e a minha mãe estávamos em Tomar e eu andava pela casa e pela rua a cantar ‘ai, rio, não te queixes. Ai, que o sabão não mata. Ai, que até lava os peixes. Ai, deixa-os cor da prata’. E andava com isto, enquanto fazia coisas, arrumava a casa, etc…A minha mãe do nada diz ‘que giro, estares a cantar isso, era o que a vossa avó vos cantava o dia todo, para vos adormecer e para irem brincar’. De repente caiu-me a ficha”, revela Rita Vian.
O mais surpreendente não foi estar a cantar a música, foi fazê-lo sem nunca ter ouvido a versão original ou pelo menos não lembrar-se de fazê-lo. “Nem era daquelas canções que eu sabia que a minha mãe me tinha ensinado. Eu simplesmente conhecia-a, mas não sabia porquê. Estava gravada na hard drive. E são coisas que tu não sabes como é que acontecem, porque normalmente tens as memórias da pessoa que cantou determinada canção”, continua.
Deixa-me inscreve-se nesse imaginário guardado no subconsciente, segue aquela frase tão portuguesa do “quem canta, seus males espanta”. O refrão — “então deixa-me, se voltar a ver-te um dia, é porque o destino o queria” — saiu-lhe à primeira no estúdio. A sua cadência tradicional, afirma, vai buscar inspiração “àquele cancioneiro muito despreocupado, muito do dia-a-dia, muito de ouvir o aspirador e a pessoa a cantar por cima. De teres a tua mãe a escrever na sala e a cantar ou murmurar qualquer coisa. Foram sempre as referências dela e da minha avó e acabaram por ficar inevitavelmente gravadas no meu cérebro. E não é alguma coisa que eu alguma vez vá apagar, vai sempre fazer parte daquilo que eu faço”, conclui.
Uma questão de liberdade
A forma como a tradição casa com a produção e a sensibilidade modernas das suas músicas traz a conversa a um tema que tem marcado a cultura nacional: a ponte entre o antigo e o novo que tem marcado a música portuguesa e que se tornou evidente no trabalho de artistas como a própria Rita Vian, Pedro Mafama ou Conan Osíris. A controvérsia, porém, é que mais artistas têm abraçado essas influências, havendo quem se pergunte se isso se faz de amor pelo passado ou de revivalismo oportunista.
“Fico contente que as pessoas procurem, que o presente tenha uma parte do caminho. Acho que uma pessoa desafiar-se a inventar a pólvora seria um pouco menos consciente do que aceitar a herança histórica que tem e que viveu a vida toda. Portanto, para mim nem sequer é um processo consciente estar a fazer parte desse grupo que tem determinados nomes. Acho que todos fazemos parte do mesmo país”, defende.
Ir beber à herança cultural portuguesa não é uma questão de escolha ou de oportunidade, mas sim um porto de abrigo artístico. “É um alívio ter encontrado o sítio exato onde queria estar”, confessa. “Em todos os momentos irão acontecer coisas assim, haverá alguém que finalmente verá o seu espaço artístico refletido em alguma coisa e sentirá uma certa representatividade de alguma parte. Acho que essas pessoas vão todas chegar-se à frente quando existir essa oportunidade. Quero cantar muitas palavras, quero cantar em português, quero trazer essa voz que tem essa herança da minha avó e da minha mãe e faço-o natural e inconscientemente. Não olho para esse aglomerado e não é por repúdio, é porque não vou por aí”, conclui.
Rita Vian prefere então focar-se em si e no caminho que tem feito — e os resultados têm sido positivos. A artista vai dar o concerto oficial de estreia para Sensoreal a 7 de dezembro no Lux Frágil, em Lisboa, mas esteve antes no primeiro dia do festival Iminente, também na capital, para um primeiro ensaio com as suas músicas novas. “Acho que foi um daqueles concertos de que nunca me vou esquecer, porque foi apresentá-lo sem o disco ainda estar cá fora. Foi atirar-me aos lobos na Praça do Comércio. É algo que me está um bocado no sangue, essa coisa de guerrilha, de desafio, tenho muito essa energia. Obviamente que não estou a dizer que sou muito corajosa, estou a dizer que quando surge esse momento, há uma alucinação que felizmente nasce em mim para me salvar de fugir do palco, de correr para casa e enfiar-me debaixo de um cobertor. Porque as duas coisas são possíveis à mesma escala. Mas surge ali um momento de ‘espera aí, vamos estar aqui uma hora a apresentar um disco que ainda não saiu, vou alucinar’. Corri para o palco e foi das vezes que me senti mais livre”.