Vencedores

Jerónimo de Sousa

À moda do PCP, a saída de Jerónimo foi relativizada – o partido encara as trocas de líder como uma “troca de tarefas”, como dizia um dirigente ao Observador, e prefere falar mais em políticas e conteúdos do que nos protagonistas das mesmas. Ainda assim, sendo a despedida de Jerónimo um marco histórico, o partido lá mostrou carinho ao líder cessante como pôde, isto é, com vários minutos de aplausos longos durante o seu discurso e, depois, à despedida. Dos principais dirigentes do PCP, só mesmo Paulo Raimundo agradeceu – usando palavras e não apenas aplausos – o “empenho de Jerónimo”, mas foi visível a emoção do partido nesse momento. Jerónimo, que fez questão de puxar diversas vezes o seu sucessor para o abraçar e erguerem juntos os punhos no ar (saberá o valor de uma boa fotografia num momento de transição e, desejavelmente para o PCP, de união do partido), conseguiu controlar o processo da sua sucessão e forçar a saída no timing que quis. Deixou a pasta a Raimundo de forma discreta, mas contando com o carinho do partido… à maneira do PCP.

Paulo Raimundo

Se havia dúvidas sobre se o nome do sucessor de Jerónimo era consensual, a votação não podia ter sido mais expressiva: 100% na votação, entre os 128 membros votantes do Comité Central (que tem 129 membros). Só faltou um voto, o do próprio, que – à semelhança do que fazia Jerónimo – saiu da sala no momento da votação. Quando foi anunciado como secretário-geral teve não só um aplauso, mas também assobios de aclamação – quase de claque. Na primeira intervenção que teve, não comprometeu. Jerónimo quando foi eleito já tinha 30 anos de Parlamento, enquanto de Raimundo havia pouco mais do que um registo mediático de um discurso no Campo Pequeno quando o partido fez 101 anos. O novo secretário-geral arrancou aplausos quando disse que podiam “esperar sentados” aqueles que esperam a morte do PCP e mostrou qualidades discursivas quando ironizava sobre os que dizem frases como “isto está difícil para todos”. Está em modo de PJEC, Processo de Jeronimização Em Curso. E está a passar com distinção. Até com uso de um provérbio à Jerónimo: “Não é com gasolina que se apaga fogo”. É um estilo Jerónimo-Jerónimo: inspirado em Jerónimo de Sousa, contra a Jerónimo Martins (num ataque permanente ao grande capital).

Vladimir Putin

A coreografia estava bem montada para que fosse um dos slogans da conferência (como tinha sido na Festa do Avante!) e foi referido em várias ocasiões: “Paz, sim; Guerra, não”. Mas o entendimento que o PCP tem do conflito da Ucrânia não mudou uma linha e está muito longe daquele que é o entendimento do mundo ocidental. Vladimir Putin pode dizer que tem apoiantes da posição russa sobre a Ucrânia do Cabo da Roca até aos Urais porque em Portugal há um partido irredutível no ataque à NATO e na defesa da linha da Federação Russa. Há uma parte do discurso de Jerónimo de Sousa que podia ter sido escrita por Sergey Lavrov. No seu discurso de despedida, o secretário-geral disse que a Guerra na Ucrânia se insere na “estratégia militarista dos EUA e da NATO”. O PCP – tanto no discurso de abertura de Jerónimo como no de encerramento de Paulo Raimundo – exige mesmo o “fim da instigação da guerra” por parte da EUA, NATO e UE e a abertura de “vias de negociação” com a Federação Russa. A solidariedade, manifestada pelo PCP, não foi para com o ocupado povo ucraniano, mas para com “os povos que resistem ao imperialismo” (leia-se a Rússia e os autoproclamados Estado pró-russos do Donbass). A dialética do PCP nesta matéria parece extraída da estratégia diplomática internacional do Kremlin.

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Karl Marx

Não há lugar para dúvidas: numa altura de crise profunda para o PCP, os principais dirigentes do partido apressaram-se a prevenir quaisquer tentações de alterar ou descafeinar a base ideológica do partido. Essa discussão, a propósito das mudanças que o PCP deve, ou não, fazer no seu discurso e nas suas políticas – tendo em conta o rumo seguido por outros partidos comunistas da Europa, que acabaram por abandonar a base marxista-leninista – é recorrente, mas Jerónimo de Sousa calou qualquer potencial debate sobre o assunto, logo na sua primeira intervenção. Dizia o líder cessante que o PCP não pode esquecer-se da sua identidade, que “corajosamente”, contra “ventos duros”, continua a defender. Curiosamente, a conferência foi encerrada precisamente no mesmo tom: coube a Francisco Lopes, outro dos dirigentes de topo e com maior influência do PCP, fazer uma intervenção final a recordar o caráter marxista-leninista do partido e a sua “identidade operária”. Karl Marx morreu em 1883, mas segue bem presente na cabeça, e nas práticas, dos comunistas portugueses.

Vencidos

António Costa

António Costa bem tentou começar o dia com uma nota de aproximação ao seu antigo parceiro preferido, publicando um tweet em que desejava felicidades a Paulo Raimundo e fazia mesmo votos de uma “ação comum”. Mas isso é, no mínimo, improvável nesta fase: no atual contexto de dificuldades económicas, o PCP quer colocar-se a 100% no papel de oposição e apagar a memória da geringonça ou, como se diz no léxico comunista, da nova fase da vida política nacional. Agora, a fase do PCP é outra: o partido passou parte dos dois dias a malhar no PS, colocando-o no mesmo saco da direita e até “costas com costas” com PSD, IL e Chega. A geringonça chegou a ser defendida – como uma “decisão corajosa”, disse João Oliveira – mas sempre como se fosse uma espécie de recordação muito longínqua. Agora, o caminho é de “luta” – ao contrário do que Costa costumava dizer nos tempos da geringonça, quando citava Jorge Palma a Jerónimo de Sousa e a Catarina Martins, a esquerda já não tem “estrada para andar”. Pelo menos, junta.

Arménio Carlos

Pode parecer ingrato considerar vencido alguém que conseguiu furar a harmonização coletiva pró-Paulo Raimundo após a escolha do novo secretário-geral, mas o antigo secretário-geral da CGTP personifica os comunistas-que-se-entusiasmaram-pouco-com-Paulo-Raimundo. Não é que Arménio Carlos tenha feito uma crítica à escolha, mas ao dizer que o nome “surpreendeu a generalidade dos militantes” e que “havia outras alternativas dentro do partido”, permitiu leituras de que aquela não seria a sua escolha. A surpresa — que Jerónimo também tinha admitido ter existido no Comité Central — não se materializou em contestação ou ruturas — que se viram num outro período, como aquele que culminou à expulsão de renovadores comunistas. Se Paulo Raimundo não era a escolha de Arménio Carlos, é provável que tenha que levar com ele muitos anos como secretário-geral.

Carlos Brito

Os renovadores comunistas querem mudar o PCP, mas o PCP não muda. Carlos Brito — histórico militante comunista afastado por defender a renovação do partido — considera que o partido deve ter uma projeção para fora e não ser virado maioritariamente para dentro. Esta conferência mantém, no entanto, o partido fechado sobre si próprio, descartando uma versão PCP 2.0 e mantendo o PCP como um dos partidos comunistas mais ortodoxos da Europa. Na visão do PCP, mudar seria condenar o partido. O que garante a sua sobrevivência, acreditam os comunistas, é manter a linha marxista-leninista e de defesa de uma sociedade socialista. Carlos Brito disse também, em declarações à TSF, que Paulo Raimundo é uma “figura muito apagada”, mas o Comité Central (que integrou até 2002) parece discordar. Os militantes também consagraram o novo secretário-geral. Com entusiasmo. A renovação comunista vai ter de esperar.

Ouça aqui o episódio do podcast “A História do Dia” sobre o perfil de Paulo Raimundo.

Paulo Raimundo “é solução” para o PCP?