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KIMMY SIMÕES/OBSERVADOR

KIMMY SIMÕES/OBSERVADOR

Os vencedores, os vencidos e o congelado do Congresso do PS

António Costa venceu, Marta Temido surpreendeu, Mariana Vieira da Silva encolheu, o PCP quase desapareceu (tal como o BE) e Pedro Nuno Santos emudeceu. Os altos e baixos de um Congresso.

Os vencedores

António Costa

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Em voz alta ou aos sussurros, o congresso do PS passou largas horas a debater quem poderá ser o sucessor de António Costa quando o líder do PS decidir ir para casa, ou para a Europa. Podia ser um sinal de fragilidade, mas o secretário-geral transformou-a numa demonstração de força. Primeiro, sentou na sua mesa os quatro candidatos mais falados, mostrando assim que todos estão ao mesmo nível e que, portanto, nenhum se aproxima dos seus calcanhares — do quarteto, o único que parece ter percebido a mensagem foi Pedro Nuno Santos, que se refugiou na rebeldia possível, chegando atrasado ao Congresso com uma tshirt vestida, como um filho que desafia a autoridade paterna à mesa das refeições. Depois, António Costa foi ao outro lado do palco buscar Marta Temido e transformou-a numa possível concorrente do quarteto, oferecendo-lhe o cartão de militante em palco e dizendo à Rádio Observador que “sim, pode ser sucessora daqui a dois anos, já tem tempo de militância suficiente para se candidatar”.

Arrumados estes assuntos de intendência, o líder do PS transformou-se em primeiro-ministro e começou a distribuir milhões. O discurso de encerramento do Congresso foi uma longa conta de somar. Um dos membros do último governo PSD/CDS ficou famoso pela frase “Qual é a parte do ‘Não há dinheiro’ que não percebem?”. António Costa não terá de a repetir. Agora, dinheiro há.

Ana Catarina Mendes

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Decididamente, este Congresso do PS não foi um local acolhedor para quem gosta de exercícios de retórica: no final de cada discurso, os militantes aplaudiam mais por simpatia e solidariedade do que por entusiasmo ou concordância. Apesar de tudo, houve algumas excepções — e uma dessas excepções foi Ana Catarina Mendes. A líder parlamentar e eventual candidata a sucessora tocou em todos os pontos que agradam ao povo socialista: atacou a direita da “austeridade”, criticou a esquerda que “teve medo de partilhar o risco de gestão desta crise”, acenou com “a maior vitória de sempre do PS nestas eleições autárquicas” e elogiou, hiperbolicamente, a prestação do partido no Governo. Por tudo isto, recebeu muitas palmas e, assim, manteve uma luz acesa na cabeça dos militantes.

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Recusando falar sobre a sucessão de António Costa, e fazendo um esforço hercúleo para pôr os socialistas a falar sobre o país e não sobre o partido, Ana Catarina Mendes representou, mais uma vez, o papel de adulta na sala.

Fernando Medina

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Fernando Medina não tinha outra hipótese: a um mês das autárquicas, precisava de se concentrar exclusivamente em Lisboa. Por isso, para manter estatuto e relevância, tinha de fazer com que Lisboa se transformasse numa espécie de símbolo de tudo o que é mais importante na política. E foi isso mesmo que fez: segundo defendeu, as autárquicas são, precisamente, as eleições “onde se conseguem ver as diferenças de projeto entre o PS e a direita”. Ou seja: o que está em causa não é apenas saber quem é mais qualificado para tapar os buracos nas estradas, mas sim quem está mais bem preparado para, no PS, enfrentar “a direita” (ou, com maior dramatismo, “a direita mais radical no país”).

A mensagem de Fernando Medina foi clara para quem a quis entender: não se considera apenas mais um autarca.

Marta Temido

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Foi o nome mais citado, mais elogiado e mais aplaudido de todo o Congresso. É significativo que António Costa tenha dito que “sim, pode ser sucessora, daqui a dois anos”. Mas é mais significativo ainda que, quando lhe fizeram uma pergunta sobre o assunto, tenha dito que “não descarta completamente” a hipótese. A task force do plano de vacinação tem um contra-almirante, mas o PS, como referiu António Costa tem, em Marta Temido, o “comandante supremo deste combate à pandemia”. Quanto tempo durará esta popularidade da ministra da Saúde no PS? E o que quererá (ou poderá) Marta Temido fazer com ela? Não é preciso apressar as respostas: temos dois anos para perceber.

Os vencidos

Mariana Vieira da Silva

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Até sexta-feira era a primeira-ministra em exercício e a quem Costa confiou a chave do palácio enquanto foi de férias. Mas o chefe voltou e a ministra não conseguiu descolar-se do papel de adjunta do chefe. Apresentou a moção de António Costa sem alma ou entusiasmo, mostrou ter menos capacidade discursiva do que alguns dos outros potenciais sucessores do atual secretário-geral e confirmou que não tem apetência para galvanizar uma sala de militantes partidários. A sala do briefing do Conselho de Ministros, na rua Gomes Teixeira, em Lisboa, é muito mais a sua praia do que a arena do Congresso. A nadadora é no Congresso um peixe fora de água.

O mais diferente que conseguiu dizer como soundbite mais inovador no discurso foi que “só o PS tem António Costa”. Percebe-se que, para Mariana Vieira da Silva, o PS só faz sentido com António Costa. Enquanto o atual secretário-geral for líder, ela terá todo o poder que quiser. Quando o líder meter os papéis para a reforma, terá mais dificuldades em afirmar-se. O capital acumulado com este Congresso é quase nulo, apesar de ter algo importante: a simpatia (e talvez a preferência) de António Costa. É a preferida do chefe, mas está longe de ser a preferida do partido. Portimão confirmou isso.

PCP e BE

António Costa está mais tranquilo do que nunca relativamente aos parceiros e isso é sempre uma pequena derrota para PCP e BE. O primeiro-ministro regista a crítica permanente dos partidos à esquerda do PS (“fazem discursos todos os dias a criticar o Governo”), mas desvaloriza-as, dizendo que com eleições autárquicas é “momento de marcar as diferenças”. Jerónimo de Sousa ainda o provocou durante o sábado, classificando a preocupação do primeiro-ministro com a precariedade como um “choro” de lágrimas de crocodilo em que ninguém acredita. Costa não foi na cantiga e absteve-se de contra-atacar. Está confiante na aprovação do Orçamento e que, de uma forma ou de outra, os parceiros (em particular o PCP) hão-de aprovar o Orçamento para 2022. Costa tem sempre um trunfo a utilizar se as coisas correrem mal: a alternativa ao PS ter condições para governar é a direita poder chegar ao poder. Além de tudo isso, os congressistas quase não falaram da esquerda (nem bem, nem mal), o que significa que PCP e BE não tiveram publicidade gratuita.

Daniel Adrião

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Daniel Adrião já foi três vezes candidato à liderança do PS, mas nunca conseguiu mais do que resultados pouco expressivos. Apesar disso, com mais ou menos dificuldade, conseguiu formar listas alternativas à Comissão Nacional e submeter a sua moção a votos. Desta vez foi absorvido pelas listas de António Costa, desistiu da moção e as suas tropas minoritárias integraram a mesma candidatura à Comissão Nacional que o líder do partido. Passou de irredutível anti-Costa a figura que abdicou de ir a votos para que as listas apoiadas por António Costa tivessem resultados mais expressivos. Se perder o filão de anti-costismo pode perder a pouca atenção mediática que tem. Mais um adversário que Costa colocou no bolso.

O congelado

Pedro Nuno Santos

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Pedro Nuno Santos entrou no Congresso mais ou menos na posição em que entrou: é o mais bem posicionado no aparelho para avançar, mas há uma ideia generalizada de que o ministro das Infraestruturas é, de longe, mais popular no PS do que no país. No último congresso, em 2018, falou, lançou os foguetes e apanhou as canas, não escondendo que queria muito ocupar a sua cadeira de sonho: o cargo de secretário-geral do PS.

Desta vez ficou calado, mas criou impacto pelo silêncio. Como se não bastasse não fazer declarações, protagonizou um dos momentos do Congresso: foi chamado ao palco e não estava na sala, não se submetendo à avaliação do aplaudómetro do Congresso. Chegou atrasado e com um outfit descontraído, num momento que até o primeiro-ministro acabaria por comentar: “Não sei se teve um furo ou adormeceu”. Pedro Nuno Santos acabaria por desvalorizar o comentário do chefe: “O secretário-geral é um brincalhão”.

É certo que o ministro viu aparecerem duas novas sucessoras para o pós-Costa (Mariana Vieira da Silva e Marta Temido), mas sabe que, no limite, só disputam espaço com Fernando Medina ou Ana Catarina Mendes. Para já, ninguém come do arroz de Pedro Nuno Santos: o aparelho. Por outro lado, está condicionado por Costa e sabe que só pode avançar quando o atual líder sair. Está, portanto, congelado politicamente, como todas as suas ambições.

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