Os vencedores

Inês Sousa Real

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

A queda que Inês Sousa Real deu dias antes do Congresso podia ser um mau presságio, mas não foi. A nova líder conseguiu discursar duas vezes no púlpito, deu as entrevistas que tinha em atraso e, como cereja no topo do bolo (que também foi de aniversário, já que fez anos), ainda teve o Governo representado quase ao mais alto nível no seu discurso de encerramento. Com Duarte Cordeiro (o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares que negociará o próximo Orçamento) a ouvir da primeira fila, Sousa Real assumiu-se como líder de um partido fundamental no processo de negociação do OE para 2022. E o Governo, desconfiado do Bloco de Esquerda, dá esse estatuto ao PAN, com Duarte Cordeiro a manifestar o desejo de manter a “cultura de diálogo” e “linhas abertas”. Se correu bem para fora, também não correu mal para dentro. Apesar das divisões internas, do ‘familygate’ e de este ser um momento sensível para o partido devido à mudança de líder, Sousa Real não baixou o nível ambição e disse que ia a votos nas próximas legislativas para “ser Governo”. Já no domínio do improvável disse que o objetivo final é mesmo o PAN um dia liderar um Governo. Mesmo que ninguém acredite nisso, galvanizou a sala e foi entronizada como uma líder consensual. A frieza dos números diz o mesmo: foi eleita com 87% dos votos. O que podia correr mal neste fim de semana, não correu assim tão mal. Pelo menos para já, passou no teste.

Bebiana Cunha

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Entrou para o Parlamento há menos de dois anos e rapidamente percebeu que não era a número dois da bancada, já que André Silva escolheu Inês Sousa Real. Mas o mundo “PANtástico” (expressão de Bebiana neste congresso) mudou. Nas estruturas do partido, Bebiana Cunha manteve a sua influência e mostrou ser o rosto mais forte da “corrente Norte”, sempre coadjuvada pelo marido Albano Lemos Pires. Ainda alimentou a hipótese de poder ser a sucessora de André Silva na liderança do PAN, mas a balança caiu para o lado de Inês Sousa Real. Ficou claro no Congresso que é ela a número dois do partido, uma espécie de “vice-rainha do Norte”. Durante os trabalhos foi uma das cabeças de cartaz e arrancou sempre muitos aplausos em cada intervenção. Sai do Congresso com um poder formal muito forte: como líder parlamentar é ela que decide quem fala em cada debate, incluindo Sousa Real. Obviamente que será tudo concertado com a líder, mas obriga a essa conversação permanente. Não é uma liderança bicéfala, mas Sousa Real não pode ignorar Bebiana Cunha nas suas decisões. Bebiana fica na linha da frente para a sucessão da liderança que agora começa e nem disfarça essa ambição: em entrevista ao Observador admitiu que “as portas estão abertas” a esse desafio, caso se coloque no futuro.

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António Costa

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Se António Costa tiver estado a seguir o congresso do PAN em direto, de certeza que o seu sangue gelou pouco depois das 20h30 de sábado. A essa hora, foi apresentada uma moção que, se fosse aprovada, proibiria a celebração de acordos com partidos que tenham medidas antagónicas às do PAN. Como rapidamente alguém chamou a atenção, isto impediria que fosse aprovado qualquer Orçamento de Estado de outro partido, nomeadamente do PS. Albano Lemos Pires, da direção, resumiu o que estava em causa desta forma: “A aprovação desta moção significa basicamente que podemos fechar as luzes, fechar as portas, o PAN acabou”. A frase também poderia ser esta: “A aprovação desta moção significa basicamente que podemos fechar as luzes, fechar as portas, o governo de António Costa acabou”. Sem o PAN, o PS ficaria refém das exigências e dos caprichos do Bloco de Esquerda. Depois de uma discussão acalorada, os congressistas decidiram que a moção seria reescrita para manter a margem de manobra da direção. Para António Costa, isso quer dizer que tudo está bem quando acaba bem.

Rui Rio

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Neste momento, António Costa pode resistir às exigências do Bloco de Esquerda porque a abstenção do PAN, em conjunto com a abstenção do PCP, é suficiente para o Orçamento do Estado passar. Mas o que acontecerá se tivermos uma situação semelhante à direita? E se Rui Rio precisar da abstenção do PAN para viabilizar um Orçamento sem ceder às exigências de André Ventura? O líder do PSD não tem de se preocupar. Neste congresso, ficou decidido que o PAN não é de esquerda nem de direita — o que quer dizer que tanto pode ajudar um governo do PS como um governo do PSD. Rui Rio, que há uma semana recusou enviar uma delegação ao congresso do Chega, tem mais alguns votos para juntar à sua aritmética.

Os vencidos

Luís Teixeira

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Num Congresso quase sem oposição, o delegado Luís Teixeira — antigo candidato do PAN à câmara municipal de Setúbal — conseguiu provocar dissabores na corrente hegemónica da atual direção ao forçar que o primeiro dia ficasse marcado pela discussão das relações familiares nos órgãos de cúpula do partido. Só por isso podia ser vencedor, mas em termos práticos foi um tiro de pólvora seca. Luís Teixeira não conseguiu convencer os delegados de que a sua proposta não era ad hominem e especialmente dirigida a Bebiana Cunha (e ao seu marido, Albano Lemos Pires) e a Inês Sousa Real (e ao seu marido, Pedro Soares). De Albano Lemos Pires, Luís Teixeira ouviu até acusações de perseguição política e referências às “leis de Nuremberga” (que Albano Lemos Pires disse evocar por ser judeu). O antigo candidato a Setúbal lutou até ao fim, tentou justificar imprecisões da moção (que, a ser aprovada, impedia que cônjuges fizessem parte do mesmo órgão, mesmo que fossem de listas diferentes), mas o Congresso votou e a moção foi clamorosamente derrotada. Teve apenas 12 votos, enquanto a moção da direção teve 103.

Cristina Rodrigues

Deputada não inscrita Cristina Rodrigues

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

A deputada não-inscrita disse que só voltaria ao PAN no dia em que Inês Sousa Real e Bebiana Cunha saíssem do partido. Depois deste Congresso, o mais provável é que já não volte. As fações do Porto (liderada por Bebiana) e de Lisboa (de Sousa Real) pacificaram-se e, juntas, conseguiram controlar tranquilamente o Congresso e o partido. Cristina Rodrigues vê as suas ex-colegas de bancada eleitas em 2019 a subirem na hierarquia: Sousa Real é líder do partido, Bebiana Cunha é líder parlamentar. Ambas vão continuar a gozar de mais protagonismo no Parlamento, enquanto Cristina Rodrigues continua com os tempos de intervenção limitados e com data de saída: de 2023 não passará. A sua voz (e a do eurodeputado dissidente Francisco Guerreiro) ainda contava quando o assunto era PAN, mas agora a página virou definitivamente. A única ligação ao partido passa a ser o seu epíteto: “Ex-PAN”. É uma ex que não volta.

Tauromaquia

ANTONIO COTRIM/LUSA

O aviso foi feito por Inês Sousa Real na noite de sábado, em entrevista ao Observador. Na negociação sobre o próximo Orçamento, o PAN vai exigir ao PS mais medidas relacionadas com a tauromaquia ou a proibição das touradas na RTP é suficiente? “Para o PAN nunca será suficiente. Só iremos dar o processo por concluído no dia em que se abolir esta forma anacrónica de divertimento em que se procura elevar a tortura de um animal numa arena a cultura”. É o tema que mais mobiliza os militantes do PAN. No seu discurso de abertura do Congresso, André Silva já tinha recebido aplausos com a frase “Não conseguem juntar mais que 20 pessoas numa manifestação: 7 cavaleiros, 6 matadores, 3 bandarilheiros, 2 emboladores, o Chicão e o Ventura”. Os defensores da tauromaquia têm, portanto, um adversário poderoso: António Costa jamais preferirá uma tourada a um Orçamento.

Bloco de Esquerda

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

O sonho do BE é ter “a esquerda à esquerda do PS” unida, de mãos dadas, pronta a forçar António Costa a fazer todas as concessões. Mas há dois problemas. O primeiro já se conhecia: o PCP não está nada inclinado para frentismos. O segundo foi confirmado neste fim de semana: o PAN nem sequer se considera “de esquerda”. Numa demonstração de boa vontade, o Bloco enviou Luís Fazenda ao encerramento do congresso em Tomar, mas as amabilidades não substituem as realidades políticas: se depender do PAN, o governo poderá viver até ao fim da legislatura sem precisar do BE para nada.

O Principezinho

André Silva

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

André Silva abandonou o congresso ao início da tarde de sábado para que todos se pudessem concentrar na sua sucessora. Mas, mesmo saindo, não desapareceu. No final dos trabalhos, foi apresentado um voto de louvor em que o antigo líder era comparado, poeticamente, ao Principezinho. E onde, depois de uma longa hagiografia, se proclamava: “Ao abdicar da vida pública mostra um altruísmo singular”. A moção foi aprovada por unanimidade e aclamação, com todos os congressistas a aplaudirem de pé. Mas esta história não é assim tão simples. Antes de deixar a liderança, André Silva envolveu-se numa polémica com os fundadores do partido, que o acusaram de, num processo de “palhacização”, ter transformado o PAN numa “anedota inofensiva”. Além dos fundadores, a chamada “corrente Norte” (por ter a sua influência no Norte do país) impôs uma divisão de poderes à nova líder: Inês Sousa Real (que é absolutamente fiel a André Silva) fica à frente do partido enquanto Bebiana Cunha fica à frente do grupo parlamentar. De resto, Albano Lemos Pires, que além de ser da direção é marido de Bebiana Cunha, não teve nenhum problema em afirmar este domingo ao Observador que André Silva “prejudicou o partido” ao dizer, depois das europeias, que o PAN não estava preparado para ser governo. Ou seja: ao contrário do que indicam as palmas, o Principezinho não é unânime no partido.