É quinta-feira à hora de almoço e, apesar de não haver espetáculos a decorrer no Coliseu do Porto, há pessoas e conversas por todo o lado. As vozes mais jovens pertencem aos 150 alunos do Balleteatro que, desde setembro, estão em residência artística no espaçoso edifício e ali têm aulas e ensaios, em salas que antes estavam desaproveitadas. À direita, mesmo antes de se entrar na sala principal, está a decorrer o último de três dias de entrevistas de emprego para o novo Hard Rock Café Porto, que alugou aquele espaço para o efeito.
“O Coliseu do Porto é um sítio feliz“, diz Eduardo Paz Barroso, em entrevista ao Observador, ao passar pelo bar do Coliseu, onde algumas bailarinas fazem alongamentos no chão. Há dois anos, nada disto existia: bar, espetáculos em espaços mais pequenos, alunos e muitas novas salas para eles ocuparem. Os contratos passaram a ser feitos em regime de contratação pública, sem que os estatutos a isso obriguem. As mudanças são visíveis desde que o professor catedrático e ex-diretor do Teatro Nacional São João assumiu a presidência da Associação Amigos do Coliseu, em outubro de 2014. Nos 18 anos anteriores, o Coliseu foi presidido por José António Barros. No final de 2014, o passivo era de 480 mil euros.
A entrada de Eduardo Paz Barroso levou a uma alteração dos estatutos, que tornou o cargo profissional, com um salário de 2800 euros brutos, o que obriga também a uma prestação de contas mais apertada. O primeiro relatório de contas da era Paz Barroso foi divulgado esta semana: 128 espetáculos em 2015, mais 24 do que em 2014, e alguns deles de produção própria. No total, mais de 223 mil pessoas assistiram a espetáculos, o que representa um aumento de 35 mil pessoas face ao ano anterior. O passivo diminuiu para os 442 mil euros e o prejuízo foi reduzido em 60% — 34 mil euros, contra os 86 mil euros de 2014.
“Modernizar os métodos de trabalho e de negócio, mobilizar colaboradores, alterar mentalidades e fazer ruturas” foram algumas das receitas usadas pelo novo presidente. Chamou gente mais jovem, convidou programadores e artistas para que criassem projetos de raiz. Em breve, a emblemática sala de espetáculos, que em 2017 comemora 75 anos, vai ter um novo site e um sistema de bilhética mais moderno.
“O Coliseu não pede nada a ninguém, porque não está numa atitude de pedir nem de reivindicar“, esclarece Paz Barroso, quando questionado sobre o que foi falado com o novo ministro da Cultura, Luís Castro Mendes. Mas há duas coisas que o presidente gostava que acontecessem: ver o Coliseu entrar na lista de apoios do Estado, tal como Serralves ou a Casa da Música, e ver o edifício ser alvo de obras de requalificação. Há paredes com humidade, tinta descascada e já chegou a chover no interior.
Vendo os resultados de 2015, o Coliseu continua a dar prejuízo. É possível inverter a situação? O Coliseu pode dar lucro?
É impossível mudar tudo de um dia para o outro. Se pensarmos numa lógica estritamente empresarial, foi feita aqui uma recuperação extraordinária, de redução do prejuízo na ordem dos 60%. O objetivo mais imediato é o break-even e estamos próximos. O lucro? Ainda que tímido, também é possível. Mas chamo a atenção para uma coisa extremamente importante: temos um edifício desgastado, que acusa o peso da idade, e que terá, mais cedo do que muitas pessoas imaginam, de entrar num processo de requalificação.
Como é que conseguiu chegar a este resultado?
A primeira razão passa pelo aumento de atividade, que se deve a uma relação que não foi apenas restabelecida, mas foi fortalecida e reelaborada com parceiros, que são os agentes, promotores e os próprios artistas portugueses. Uma das coisas que hoje faz parte da vida do Coliseu é conversar com os artistas, eles têm de estar e viver o Coliseu como algo que faz parte da sua vida. Do ponto de vista da recuperação económica também há uma questão importante, que tem a ver com os stakeholders. E há aqui papéis essenciais. O acordo com o município do Porto, para quem realizamos um conjunto de projetos, é vital para termos meios para termos trabalho. Numa outra escala, com a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e a do Porto temos também um acordo, ao abrigo do qual realizamos um espetáculo destinado aos utentes das misericórdias, sobretudo às do Norte.
Esses apoios privados não existiam antes.
Não. Surgiram pela primeira vez quando a direção a que eu presido assumiu funções. Sem esta convergência… O Coliseu do Porto é muito forte pela sua história, pela sua memória e pelo que está a fazer mas, financeiramente, é muito frágil. Um economista olha para a página 72 [do Relatório e Contas] e conclui: “isto é muito bonito mas, basicamente, está a pagar o custo de operação”. O Coliseu está a crescer mas precisa destes empenhos para poder existir, de instituições que prestam serviço público e que representam a sociedade. O que é importante é termos todos presente que esta é uma recuperação lenta. Que ao fim de um ano foi extraordinária, mas que vive de uma conjugação destes contratos-programa.
Quando assumiu funções disse que um dos seus objetivos era tirar a palavra “do” e chamar-lhe Coliseu Porto. Mas ele ainda lá está.
Vamos lá ver. Há um “do” arqueológico, que é o que está lá em cima na torre, e depois há o “do” da comunicação, e esse caiu. Nós temos aqui um capítulo sobre o rebranding em que dizemos que caiu o “do” pelas mesmas razões que expliquei há um ano. Caiu porque o Coliseu é uma espécie de heterónimo pessoano do Porto, é um dos nomes da cidade, tal como Serralves, por exemplo. Tendo outras dificuldades, porque não tem o seu orçamento abastecido pelo orçamento do Estado, como acontece com instituições como Serralves ou a Casa da Música, mas que também têm outro tipo de encargos, a verdade é essa. A Casa da Música tem uma orquestra, por exemplo.
Eu disse ao ministro [da Cultura] anterior, e agora ao embaixador Luís Filipe Castro Mendes, que conheço de longuíssima data e que muito admiro, que o Porto não é só Serralves e a Casa da Música. Se há coisa que é Porto, Porto, é o Coliseu. Desde logo porque nós movimentamos espetáculos em que a nossa lotação é da ordem das 2500 pessoas. Quando falamos, também o fazemos em nome dos nossos espectadores, e isso dá-nos muita força.
O que é que o Coliseu pede ao Ministério da Cultura?
O Coliseu não pede nada a ninguém, porque não está numa atitude de pedir nem de reivindicar. Está numa atitude de querer fazer. O que queremos é fazer parte dos projetos do Ministério da Cultura, nomeadamente para o Porto. Há uma questão sobre a qual poderia falar, mas não em sede do Coliseu, que me interessa muito, e para a qual o ministro e o secretário de Estado Miguel Honrado são sensíveis e competentes. Nós olhamos para o Porto e não se trata de uma cidade qualquer. E há uma questão que é os equipamentos nacionais, até pela minha própria ligação ao Teatro Nacional. O Coliseu quer ficar ligado a um dos projetos importantes do Estado e dos equipamentos nacionais, numa área que é, neste momento, a grande ausência que existe no Porto, relativamente à qual o Coliseu tem um passado: esse dossier é a ópera.
Temos de trabalhar com o Teatro Nacional de São Carlos, indiscutivelmente. Somos o equipamento vocacionado para isso. Na Assembleia Geral disse que temos estado a fazer, há cerca de um ano, um trabalho técnico muito humilde, muito persistente, mas agora é necessário que o sr. ministro e o sr. secretário da Cultura se capacitem mesmo de que não faz sentido haver um grande orçamento para o Teatro Nacional de ópera e isso estar confinado a Lisboa. Aliás, a Companhia Nacional de Bailado, honra seja, tem feito já algum trabalho com o Rivoli Teatro Municipal.
O que é que está a faltar para essa ponte acontecer?
Eu não queria adiantar muito sobre isso, porque estaria a revelar detalhes de dossier técnico e financeiro, mas acho que o que falta, claramente, é vontade política. Não é tanto uma questão financeira. Com vontade política isso pode-se fazer. Depois, o Estado contribui para o Coliseu através de um plano de atividades que nós apresentamos, via DGArtes, e que é aprovado, ou não, e que nos permite realizar atividades de programação cultural própria. Porque um dos erros do passado do Coliseu era estar estritamente focado numa dinâmica de aluguer. Era uma sala que se alugava, ponto final.
Temos projetos próprios, por exemplo as Jam Sessions, que este mês vamos pôr a funcionar através de uma parceria com a ESMAE. As Jam Sessions têm custos e, se não for uma parceria com o Estado, como é que vamos poder fazê-las? E a opção é: ou o Coliseu está de portas fechadas, não tem bar, não tem Jam Jessions, o jazz não interessa nada e não é educativo, e as pessoas que acham isto respondem pelas suas ideias, ou — coisa que obviamente eu entendo — isto tudo é essencial e o Coliseu pode desempenhar aqui um papel. Então vamos ter com o parceiro Estado para nos ajudar a pôr em prática um projeto destes. E este é simples, mas temos outro na área da música alternativa, das bandas de garagem. Para o ano também fazemos 75 anos e queremos montar um programa mínimo. Como é que vamos concretizar esse programa? Algum apoio do Estado era expectável, para podermos levar este projeto adiante.
Os projetos que apresentaram à DGArtes para este ano totalizam que valores?
150 mil euros. É um projeto modesto, mas que para nós é essencial. Entrou em funções um novo Governo e estou à espera de notícias, mas já estamos a meio do ano e eu não posso ficar à espera para pôr as atividades a funcionar. Pelo menos as de menor risco, como as Jam Sessions. O Coliseu todos os anos se candidata, tal como qualquer estrutura artística. E está dependente das aprovações. Se algum sr. ministro ou alguma sra. ministra achar que o Coliseu não é importante, ou não gostar do presidente do Coliseu… O que eu quero dizer é que não está nada regulamentado.
Ambiciona ver essa incerteza mudar? Isto é, ter sempre um valor do Estado, tal como Serralves e a Casa da Música.
É absolutamente essencial. O Estado é um stakeholder do Coliseu. Se o Estado se retira, no mínimo isso é escandaloso. Mas o Coliseu precisa de toda a gente, do Estado, do mercado, de apoios mecenáticos. Precisa da garantia, por exemplo, de que o município do Porto desenvolve projetos que permitem viabilizar uma das nossas maiores criações, que é o circo, e onde temos evoluído de forma muito significativa em termos de qualidade artística. Mas, imagine, se o município do Porto entende que o circo do Coliseu não tem interesse e não nos compra circo, a quem é que vamos vender os espetáculos? É um cliente, por assim dizer, de extrema importância. Só é pena que os outros municípios não sigam o exemplo da Câmara do Porto, nomeadamente os da Área Metropolitana.
O Conselho Metropolitano do Porto é um dos stakeholders do Coliseu, mas diz-se impedido pelos seu estatutos de o apoiar financeiramente. Há alguma evolução, no sentido de solucionar este impasse?
Isso não evoluiu. Mas isso podia ser solucionado, por exemplo, se houvesse o mínimo de interesse em cada município de estabelecer relações com o Coliseu. E que são fáceis de estabelecer, adquirindo circo, por exemplo. No ano passado foi um circo muito bom e este ano vai ser extraordinário, do ponto de vista da qualidade, temos em termos de comparação o circo de Monte Carlo. Escolhemos uma trupe que vai fazer aqui dois números espetaculares, e que entretanto foi selecionada para o festival de Monte Carlo já de 2017.
Rui Moreira disse na altura que era preciso perceber se o Conselho Metropolitano do Porto podia apoiar financeiramente de alguma forma. E que, caso não pudesse, teria “de entender que deixa de ser um dos principais stakeholders“. Isto já foi há mais de um ano e a situação mantém-se.
O que ele voltou a enfatizar aqui, numa conferência de imprensa em que esteve presente, foi que a Área Metropolitana tem de olhar de outra maneira para o Coliseu, de uma maneira mais proativa. E eu estou completamente de acordo com isso, e digo-o com à-vontade porque sou nomeado pela Área Metropolitana. Das duas uma: ou encontra uma forma de ultrapassar esses constrangimentos, ou encontra uma forma mais criativa e ágil de, através dos municípios per se, nem que sejam alguns deles, estabelecer uma relação de contiguidade e de colaboração com o Coliseu. Nós podemos proporcionar muitas coisas à Área Metropolitana. Ironicamente, temos um projeto agora que, na prática, é indiretamente feito com a Área Metropolitana de Lisboa.
Há um ano dizia-me que o edifício tinha vários espaços mais pequenos que podiam ter outras utilidades e aproveitamentos, que “estavam desativados por aparente falta de interesse”.
Hoje o Coliseu está aproveitado ao centímetro! Nomeadamente por causa do Balleteatro, que está em residência artística. E isso permite múltiplas conjugações. Por exemplo, a masterclass do Raimund Hoghe, que no sábado atua integrado no festival Dias Da Dança. Por causa da residência, e como o Coliseu faz parte do DDD, porque não fazer uma masterclass dele cá? E vamos fazê-lo na sala 2, onde o Balleteatro também trabalha normalmente.
Hoje o Coliseu é um sítio feliz, no sentido de ter vida própria. O Balleteatro faz parte desta energia e mostra como uma cidade que privilegia a cultura da sua independência tem a capacidade de pôr as pessoas a falarem umas com as outras. As estruturas artísticas no Porto conversam umas com as outras e eu acho que essa é uma das grandes responsabilidades de uma autarquia.
E em relação a obras mais estruturais, o que é preciso?
Uma profunda requalificação. Estamos a falar da infraestrutura, fundamentalmente coberturas, que têm tido remendos para impedir que chova no interior. A torre também se tem vindo a deteriorar. A direção tem feito tudo para fazer um trabalho tecnicamente bem sustentado para, nos limites daquilo que é possível, criar os instrumentos que permitam depois aceder aos mecanismos que permitam dar resposta às necessidades. Estamos a falar de valores imensos, cerca de dois milhões de euros.
Que mecanismos são esses?
Eu penso que passam por financiamentos de tipo comunitário, mas que vão ter de ser ajustados aos programas disponíveis. E numa lógica de investimento de fundos comunitários na cidade, de um ponto de vista pessoal subscrevo, como cidadão e portuense, a perspetiva do presidente da Câmara Rui Moreira [não vai assinar o contrato proposto pela CCDRN para a distribuição dos fundos comunitários]
O Coliseu é um bom exemplo dessa desproporção e, pelo que me diz respeito, também está aí a dizer não. Porque somos um bom exemplo de como essas contas estão mal feitas e como era necessário alocar mais meios ao Norte e ao Porto, para que este equipamento pudesse ser requalificado. Estamos a falar de um edifício classificado.
Com que resultados espera terminar 2016?
Esperemos que isto evolua positivamente. Os objetivos são manter o rumo, no sentido de consolidar aquilo que está feito; lançar uma campanha à volta dos Amigos do Coliseu, e já aumentamos bastante o associados; dar um salto qualitativo no projeto Porto Todo no Coliseu, que é uma ideia que nós inventámos em conjunto com as associações e coletividades das várias freguesias da cidade; vender bem o circo do Coliseu Porto, que eu acho que tem imensas potencialidades de crescimento, e, com tudo isto, assegurar o custo de operação.
No outro dia estava a fazer um exercício de nostalgia e a minha vida, como a de todas as pessoas, passou pelo Coliseu. Eu aqui vi coisas únicas, como o concerto do [pianista russo] Richter. O Coliseu é nosso. O desafio hoje é fazer com que ele volte a ser outra vez nosso, de uma cidade que é já outra cidade. Há muita coisa que o Coliseu não estava a fazer bem porque, senão, não tinha chegado onde chegou. Nós estamos a fazê-las bem e com profissionalismo. Nos próximos meses vamos ter aqui três concertos do melhor que há em qualquer cidade europeia: Benjamin Clementine, o ex-Antony Hegarty, que agora é Anohni, e vamos ter um must absoluto do jazz clássico que é o John McLaughlin.
Para além das Jam Sessions e do circo, que outros espetáculos de produção própria ou coprodução vamos poder ver aqui?
Vamos ter o Porto Todo no Coliseu, o concerto da Orquestra Metropolitana, continuar com os CCC – Concertos, Conversa, Coliseu, em maio, junho e outubro, e vamos ter o espetáculo das misericórdias, que se vai chamar “Melodias de Sempre”, feito em parceria com a Rádio Festival e a Música no Coração. No ano passado foi feito em volta da Amália e teve um sucesso enorme. Há esse lado do Coliseu Social, receber pessoas que dificilmente viriam cá, até por dificuldades de locomoção, e que demonstram nesse momento que a música é mesmo uma máquina de felicidade. Mas a grande novidade deste ano acho que vai ser o circo. O ano passado não teve animais mas a própria cenografia agora vai ser uma novidade, com um espetáculo criado todo de raiz.