Índice
Índice
É um dos novos títulos da coleção “Ensaios” da Fundação Francisco Manuel dos Santos e pretende responder a duas questões: por um lado, “se Portugal tem seguido a estratégia mais eficaz para garantirmos uma inserção num mundo incerto”; por outro, se haverá pistas e caminhos a seguir para assegurar esta mesma inserção.
Bruno Cardoso Reis, o autor do ensaio, é professor universitário, diretor adjunto do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE e conselheiro convidado do Instituto de Defesa Nacional. É ele quem lança as perguntas e é também ele que aponta sugestões para o futuro. É com base nestas sugestões que o Observador faz a pré-publicação de “Pode Portugal ter uma estratégia”.
A estratégia é, por excelência, um campo que liga reflexão e prática, análise e decisão. Estas soluções concretas devem ser vistas como um contributo para o debate sobre estes temas e como parte de um esforço urgente para abandonar uma cultura organizacional muito avessa à análise e ao planeamento, no Estado e fora dele. Uma cultura excessivamente dada ao improviso puramente reativo. Não escondo que algumas destas sugestões são de tão elementar bom senso, e estão a tornar-se tão generalizadas no mundo, que me parece difícil que a sua implementação continue a ser adiada por muito mais tempo em Portugal. Eis, então, algumas medidas concretas que considero prioritárias para uma melhor abordagem à gestão da grande estratégia em Portugal:
- A criação de um Secretariado e de um Conselho de Segurança Nacional junto do chefe do governo;
- A obrigação dos partidos políticos gastarem, obrigatoriamente, uma percentagem do financiamento público que recebem para criar centros de estudos/fundações para adquirir conhecimento, analisar e propor políticas públicas com uma visão de médio prazo para o país no mundo;
- Um debate no parlamento, todos os quatro anos, em que os partidos discutam e aprovem as prioridades-base de uma Estratégia de Segurança Nacional para o país;
- A realização anual, em Portugal, de um Fórum Internacional sobre Segurança no Atlântico.
Nos próximos parágrafos, apresentamos a razão de ser de cada uma destas sugestões, antecipamos algumas das críticas que podem merecer, e damos resposta a essas críticas.
Criar um órgão de planeamento e coordenação estratégica junto do chefe do governo
Um dado fundamental neste campo nas últimas duas décadas é o número crescente de países que têm criado novas estruturas de coordenação e implementação de grande estratégia. Estas estruturas têm geralmente sido inspiradas, embora com significativas adaptações nacionais, na experiência pioneira e bem-sucedida da criação, nos EUA, em 1947, junto do Presidente, do National Security Council, com o respetivo coordenador e staff de apoio. O que trazem de novo estas estruturas? Elas ligam, desde logo, os campos tradicionais da segurança interna e externa. E esta ligação é, como vimos, um dos grandes desafios da segurança global das últimas décadas. Com efeito, estas têm sido décadas em que predominam cada vez mais conflitos irregulares e ameaças não-estatais, como o terrorismo e a guerrilha, ameaças, frequentemente, transnacionais, que não respeitam fronteiras. Décadas em que mesmo as grandes potências, como a Rússia e os EUA, recorrem a meios não-convencionais, que vão de ciberataques a campanhas de desinformação, até à utilização de drones e forças especiais.
Claro que a emulação de uma estrutura norte-americana para ter sucesso, como foi o caso da adoção generalizada, na Europa, do Ministério da Defesa, nunca pode ser uma simples cópia. Também é claro que nenhum país pode aproximar-se dos enormes recursos materiais e humanos de que essas instituições dispõem nos EUA. Dizer que Portugal não tem meios para ter um Pentágono não é argumento para se dizer que não deve ter o seu Ministério da Defesa. O mesmo se aplica a esta proposta de criar no país uma estrutura semelhante ao National Security Council.
Este tipo de instituições implica também, como é evidente, adaptações às tradições institucionais e aos regimes legais vigentes em cada país. Mas este é, precisamente, um tipo de estrutura especialmente adaptável. Tanto assim é que este tipo de estruturas tem funcionado num regime parlamentar, como o britânico, num regime presidencialista, como os EUA, e num regime autoritário de partido único, como a China, ou ainda num regime semipresidencialista, como a França. Importa sublinhar que, neste momento, entre os países aliados europeus com uma política de segurança e defesa ativa, Portugal é das poucas exceções à tendência de criação deste tipo de mecanismos.
Percebo alguma resistência a esta inovação por parte daqueles que defendem que, em Portugal, não há problemas sérios de planeamento, coordenação, ou implementação efetiva de uma estratégia nacional. Os que, pelo contrário, consideram haver problemas sérios neste campo devem olhar seriamente para a solução a que temos vindo a aludir e a que têm recorrido países tão variados — a criação de uma estrutura deste tipo junto do chefe do executivo, que é quem em Portugal tem a autoridade e os meios para obrigar a uma efetiva implementação de prioridades transversais ao conjunto do governo.
Em Portugal, não só não faltam documentos com “estratégia” no seu título como um dos problemas do país é considerar que, com documentos deste tipo, se resolve o problema do défice de estratégia nacional. Este é o mesmo tipo de mentalidade de quem acha que se resolve um problema difícil com uma nova lei generosa, esquecendo, frequentes vezes, que ela implica uma avaliação, uma orçamentação e uma implementação efetiva.
Ora, como vimos, estratégia e grande estratégia não podem ser confundidas com um plano, e menos ainda com um plano rígido. Embora ela deva assentar em prioridades claramente definidas em função de valores e de interesses que vão para além das urgências do curto prazo, uma boa grande estratégia assenta, sobretudo, em três aspetos fundamentais: na existência de uma boa estrutura de análise da realidade; na ponderação da decisão em função de vários cenários; e no acompanhamento e monitorização da implementação dos planos de ação para atingir as prioridades definidas. Uma boa estratégia implica ainda, a capacidade permanente de revisão dessas prioridades e dos meios que requerem, em função de vários cenários, num contexto nacional, regional e global em evolução.
Um argumento central deste ensaio é, portanto, que, mais do que melhores documentos estratégicos, falta a Portugal um bom mecanismo de implementação e avaliação da visão estratégica definida. Faltam instituições mais adequadas à complexidade da gestão do Estado contemporâneo num mundo globalizado. E aqui não há que reinventar a pólvora. Basta olhar para os mecanismos de boa gestão estratégica que se têm desenvolvido nos últimos anos em países como a Grã-Bretanha, a França, a Espanha ou a China.
Como em tempos fez falta criar em Portugal um Ministério da Defesa que coordenasse o conjunto das Forças Armadas, também agora faz falta a Portugal uma instituição como o National Security Council. Este órgão foi inicialmente criado pelos EUA, no início da Guerra Fria, como resultado das lições resultantes da dificuldade de coordenação estratégica dos vários departamentos do Estado federal norte-americano durante a Segunda Guerra Mundial. Mas a adoção de um órgão deste tipo, em Portugal, parece sofrer do mesmo tipo de resistências corporativas que enfrentou, no final da década de 1950 e, posteriormente, durante várias décadas, a proposta de criação de um Ministério da Defesa. No entanto, como vimos, é o próprio Conceito Estratégico de Defesa Nacional de 2013 que reconhece que faltam mecanismos para a sua coordenação e implementação efetivas. Parece evidente que se deve tirar daqui as devidas consequências em termos de estrutura do Estado.
Se, depois da catástrofe de Pedrógão, o primeiro-ministro António Costa decidiu reunir frequentemente um conselho de ministros especializado para coordenar a resposta ao combate aos incêndios, isso significa claramente que uma estrutura deste tipo — um Conselho de Ministros especializado em questões de segurança — pode existir e é necessário. Porque é também para isto que este tipo de instituições existe: para avaliar, testar, planear, melhorar a resposta a este tipo de riscos de segurança, como sejam incêndios em grande escala e outras grandes catástrofes naturais, como inundações massivas, ou terramotos. Mas também as respostas aos riscos relacionados com ataques terroristas ou outro tipo de ameaças violentas que neste momento, em Portugal, são da responsabilidade de outras estruturas de coordenação. É vital e urgente avançar no sentido de uma coordenação holística e única da resposta a qualquer tipo de emergências complexas, antes que a necessidade de o fazer se imponha por causa de uma resposta descoordenada do Estado a um evento deste tipo.
É claro que uma estrutura deste tipo pode e deve ser adaptada às especificidades do Estado português. Tipicamente, ela funciona a vários níveis: com o chefe do executivo a presidir apenas às reuniões ocasionais em que justificar reunir, ao nível ministerial, para lidar com grandes decisões ou eventos; mais frequentemente, reúne a nível de secretários de Estado, ou de diretores gerais, dependendo do tema e do tipo de coordenação estabelecida. Os chefes dos serviços pertinentes podem ser convidados a participar, quando for necessário. Nada disto choca com as prerrogativas legais do Conselho Superior de Defesa Nacional e menos ainda do Presidente da República, que pode, aliás, ser convidado a estar presente num qualquer Conselho deste tipo quando for pertinente, ou até por regra.
O fundamental é notar que o princípio fundamental presente em todos os países que seguiram esta solução, a começar pelos EUA, logo em 1947, é o de ter um órgão de estudo e planeamento permanente e transversal a todos os setores do Estado, junto do chefe do executivo, seja ele Presidente ou Primeiro- -Ministro. Este órgão é responsável por: avaliar as políticas em curso; desenhar cenários de risco e ameaça; apontar prioridades e propor respostas; coordenar a implementação destas últimas ao nível do conjunto do Estado. Há, claramente, uma necessidade global que explica esta tendência presente em países com regimes e inserções regionais e dimensões tão diversas. Uma pequena potência como Portugal, com pouca margem de manobra no contexto global e pouco dada, tradicionalmente, a planear e coordenar, arrisca-se muito se não tomar devida nota desta tendência.
Podem os partidos políticos ter uma estratégia para Portugal?
Uma crítica frequente ao tipo de análise estratégica que levamos a cabo neste ensaio é o de que ela presume que há um interesse nacional fácil de identificar que depois permita definir prioridades e meios de forma consensual. Ora, neste ensaio não quero ser acusado de presumir que todos partilhamos da mesma visão, ou de que todos apontamos para as mesmas prioridades de grande estratégia nacional.
É, precisamente por isso que proponho que os partidos políticos, que são os que melhor encarnam as divisões ideológicas que podem ter algum impacto na definição das grandes prioridades nacionais, ou dos melhores meios de as concretizar, se obriguem por lei a usar parte do seu financiamento público para estudar essas prioridades, bem como estimar os seus custos e benefícios, e desenhar planos de ação concretos em termos de políticas públicas de qualidade. Propomos ainda que, no início de cada legislatura, a par da aprovação do programa do governo, sejam debatidas no parlamento as bases de uma Estratégia de Segurança Nacional a aprovar, posteriormente, pelo executivo.
Não sendo, decerto, possível obrigar os partidos a pensar estrategicamente, o que defendo é que se criem as condições para que não tenham de improvisar programas políticos na véspera de campanhas eleitorais. Isso levará, certamente, a uma definição melhor, mais sustentável e escrutinável, de prioridades, capacidades, custos e de ação. E que terá um impacto positivo na qualidade das políticas públicas. Será também uma forma de avançar no sentido de uma verdadeira grande estratégia de segurança nacional no sentido mais amplo, olhando para todos os setores relevantes, para todos os riscos e ameaças, para todos os ativos e vulnerabilidades.
Esta proposta de criação obrigatória de um centro de estudos por cada partido com representação parlamentar pode parecer a alguns leitores uma imposição abusiva e inaudita. E poderá mesmo haver quem nos partidos políticos a considere uma violação da liberdade de organização dos mesmos. Na verdade, não estamos a falar de uma imposição ao orçamento partidário propriamente dito. Embora o orçamento dos partidos esteja sujeito, e bem, a algumas regras, como aliás, é o caso de todas as instituições públicas ou privadas. Estamos apenas a propor que daquela parte do orçamento dos partidos com representação parlamentar que resulta de uma subvenção paga pelos impostos de todos nós, uma parte seja usada para este fim.
Será exagerado pedir aos partidos que ponderem alterar a lei para que algum desse dinheiro público que lhes é dado não seja gasto em campanha ou no aparelho partidário? Que esta proposta faz sentido é reconhecido implicitamente pelos próprios partidos portugueses, pois vários esboçaram a adoção deste modelo, criando, ao longo dos anos, fundações partidárias à maneira alemã, mas parecem ter tido dificuldades em as financiar adequadamente. Parece-nos que esta nossa proposta seria uma boa forma de resolver este problema.
Quanto a ser uma medida inaudita, também não é assim. Esta proposta é precisamente inspirada no modelo alemão das fundações partidárias. Um modelo que vários partidos portugueses conhecem bem, pois, nos seus anos iniciais, beneficiaram do apoio destas fundações alemãs que, com os seus fundos, também se dedicam ao apoio à democratização. Não defendo, neste como noutros casos, uma simples cópia. Desde logo porque, infelizmente, isso seria impossível, dado o volume de financiamento muito maior que é possível na Alemanha. Mas defendo que, no mínimo, merece ser estudada e debatida uma versão adaptada desse modelo, assente no mesmo princípio básico.
Seja qual for o modelo eventualmente aprovado, parece-nos difícil de contestar a necessidade de os partidos melhorarem as suas práticas no sentido de apresentarem propostas políticas mais sólidas, assentes em estudos, previsões, boas práticas internacionais, assim como uma avaliação séria dos meios necessários para as implementar e dos seus custos.
Também a ideia de debater no parlamento as bases de uma nova Estratégia de Segurança Nacional parece-nos responder a críticas recorrentes e justificadas ao Conceito Estratégico de Defesa Nacional (CEDN). Não existindo um Estratégia de Segurança Nacional, como é prática comum na maior parte dos países parceiros e aliados de Portugal, dos EUA à Espanha, o CEDN faz as vezes daquela. No entanto, isso significa que um documento que é nacional e que deveria resultar do conjunto do executivo fica sendo responsabilidade delegada pelo Primeiro-Ministro no Ministro da Defesa. E, assim, fica sujeito a críticas várias: se se cinge a um entendimento mais tradicional de defesa militar é criticado por a mesma ser demasiado restritiva, se se alarga a um entendimento holístico mais contemporâneo de segurança, é criticado por um alegado risco de militarização da segurança, ou por ser inexequível dado implicar um grau de coordenação de todos os setores do Estado que o Ministério da Defesa não poderia assegurar.
Neste sentido, parece-nos que faria mais sentido prever uma verdadeira Estratégia Nacional, com prazos de revisão fixados na lei e mais curtos do que tem sido o caso da CEDN, e cuja responsabilidade de elaboração seja do chefe do governo, através de um Secretariado de Segurança Nacional a criar.
Alguns poderão questionar a necessidade de se fazerem revisões tão frequentes de um documento estratégico que deve ter um horizonte de médio ou longo prazo. Por um lado, esta prática de revisão periódica das estratégias é cada vez mais comum em cada vez mais países, porque reflete a necessidade de lidar com as implicações de um mundo em mudança muito acelerada. Por outro lado, é evidente que uma revisão todos os quatro anos não significa que tenham de dar-se mudanças radicais nas prioridades estratégicas definidas anteriormente. Seria desejável, pelo contrário, que estas prioridades tivessem alguma continuidade. Mas um documento deste tipo não se limita a definir prioridades, olha também para o contexto interno e externo da sua implementação, e para os meios e capacidades disponíveis (ou a desenvolver) para atingir esses objetivos prioritários. Ora, quer o contexto, quer os meios disponíveis podem mudar significativamente em poucos anos. Este mecanismo também obrigaria cada novo governo a publicar uma visão estratégica com que se comprometeria publicamente.
Finalmente, embora este seja, tipicamente, um documento do executivo, o debate das suas bases no parlamento seria uma forma de ir além do debate anual mais político do Estado da Nação e levar os vários partidos a definir a sua visão estratégica para Portugal.
Investir num Fórum Internacional de Segurança no Atlântico
O Estado português definiu como uma das suas prioridades estratégicas no CEDN de 2013 a aposta no Oceano Atlântico como uma unidade estratégica significativa, em que Portugal pode e deve desempenhar uma função de pivô, de ponte. O papel de Portugal justificar-se-ia tanto pela sua localização, por via da qual tem responsabilidades por uma extensa área central no Atlântico, como também pela sua tradição de diálogo intenso com Estados diversos na América do Sul, na América do Norte, na Europa e em África.
Este é um objetivo ambicioso, que dependerá de circunstâncias e vontades que estão para além do poder de Portugal, mas que nos parece acertado. O que Portugal pode aqui fazer é ir além das meras declarações retóricas de intenções e dos ocasionais encontros e cimeiras bilaterais e multilaterais. Nesse sentido, proponho a realização anual, em Portugal, de um Fórum Internacional sobre Segurança no Atlântico.
Se olharmos novamente para a Suíça e para Singapura, a que temos recorrido como exemplo do que pequenas potências podem fazer bem em termos de grande estratégia, também elas têm dado prioridade à sua função de ponte global ou regional. E, como meio fundamental para concretizar essa ambição, investiram precisamente na realização de grandes fóruns anuais.
A Suíça, que tem como prioridade afirmar-se como um oásis seguro para o investimento e um grande centro de serviços (nomeadamente, financeiros) apostou na realização do Fórum Económico Mundial (FEM), em Davos. Nessa estância de inverno, o FEM reúne, todos os anos, desde 1987 no formato atual, líderes empresariais globais, responsáveis políticos internacionais, grandes intelectuais públicos, responsáveis de ONG, e outros. É um evento de enorme visibilidade na agenda anual da política e da economia globais. É a ocasião também para a publicação de estudos, por um think tank criado a partir do secretariado do evento, que pensam no debate global. Durante uma semana por ano a Suíça pode reclamar com alguma credibilidade ser o centro do mundo.
Singapura arrancou também com um fórum, mais recentemente, em 2012, e com um âmbito mais modesto, mas perfeitamente sintonizado com a prioridade estratégica desta cidade-Estado de afirmar-se como uma ponte entre os mais diversos Estados e regimes da sua região. Trata-se do Diálogo de Shangri-la sobre a segurança na Ásia-Pacífico, que tem lugar no hotel do mesmo nome em Singapura. Neste caso, o Estado tem um papel muito ativo, embora em colaboração estreita com um think tank desta área. O objetivo é reunir anualmente os principais responsáveis políticos e militares dos Estados desta região do Indo-Pacífico para discutir os principais desafios de segurança na região. O evento permite, naturalmente, a Singapura afirmar-se como placa giratória fundamental nas discussões sobre segurança e defesa nesta área, e aos líderes singapurenses receber anualmente a visita de alguns dos principais responsáveis das grandes potências globais e regionais. Não foi por acaso, por exemplo, que a primeira cimeira entre Trump e Kim Jong-un teve lugar em Singapura.
Portugal pretende ser uma ponte sobre o Atlântico definida como uma unidade estratégica significativa segundo o CEDN de 2013. Se assim é, importa que invista alguns meios nessa sua prioridade. Um evento deste tipo tem a vantagem da regularidade. Poderia e deveria ser concebido para olhar não apenas para as dimensões mais tradicionais da defesa, mas também para uma visão mais holística da segurança. Poderia ter três grandes pilares: segurança económica e energética, segurança ambiental, e defesa. Mesmo ao nível mais tradicional da defesa, deveria dar o devido peso a ameaças não-convencionais e transnacionais, como a pirataria, o terrorismo e o crime organizado.
Este fórum envolve atores vários, desde logo ministros da Defesa e chefes militares, mas também responsáveis de outros setores do Estado, empresários, académicos, responsáveis de ONG. Para ultrapassar resistências tradicionais a este tipo de iniciativas, nomeadamente do Brasil, teria de ser deixado claro que se trata de estabelecer um diálogo em condições de igualdade entre todos os Estados do Atlântico para discutir riscos e ameaças num vasto espaço marítimo partilhado, vital para todos, e impossível de dividir fisicamente. Não se trata de colocar os Estados do Atlântico Norte a discutir ameaças no Atlântico Sul. O que não impede que pudessem ser convidados Estados exteriores à região, mas com uma presença e interesse crescentes na mesma, como por exemplo a China. O objetivo seria todos poderem dialogar francamente sobre as suas diferentes perceções e prioridades, minorar mal-entendidos e, quando possível, promover convergências e reduzir ou eliminar conflitos violentos.
É evidente que isto implica um trabalho intenso e alguma gestão diplomática. Mas é um investimento com um grande retorno a vários níveis, como mostram os casos citados da Suíça e de Singapura. Cimenta ligações, constrói redes, sobretudo, aumenta a visibilidade e a credibilidade do país anfitrião para se afirmar como ponte eficaz na sua região ou no mundo. Permitiria, em suma, a Portugal recuperar algum peso, alguma da centralidade que, como vimos, tem vindo a perder no contexto internacional, no seio de uma NATO, e de uma UE, com quase três vezes mais Estados membros do que quando Portugal a elas aderiu.