Uma oportunidade. É assim que o PS olha para as eleições autárquicas de 2025, que em teoria — caso o calendário eleitoral normal seja respeitado — serão o desafio eleitoral que se seguirá. Entre o próximo fim de semana e o final de setembro, os socialistas entrarão num ciclo de eleições internas (para as concelhias e federações distritais) que servirão para preparar um período que, esperam, poderá ser de “reconquista” a nível autárquico.
Essa esperança tem várias razões de ser: por um lado, porque existem várias capitais de distrito atualmente lideradas por outras forças, algumas com autarcas em fim de ciclo, que o PS acredita estarem ao seu alcance. E essa ambição, somada à ideia de que o efeito da votação no Chega poderá beneficiar os candidatos socialistas, até já leva à pacificação de conflitos internos e antigos — a esperança de uma vitória funciona como o cimento possível para um partido na oposição.
Carneiristas prometem paz, europeias compraram tempo
Para já, em vésperas de as concelhias irem a votos (as lideranças das federações serão votadas a 27 e 28 de setembro), Pedro Nuno Santos parece contar com um aparelho partidário relativamente calmo. Não porque as disputas e as “tricas”, como se admite no partido, não existam, mas porque até ver não parecem ter um significado particularmente profundo ou político: até agora, a maior parte é justificada com disputas locais, sem que os adversários em cada concelhia estejam alinhados com diferentes sensibilidades nacionais, ou à ambição dos vários candidatos de virem a disputar as autárquicas de 2025.
Por outras palavras: para já, o partido está com Pedro Nuno Santos e as eleições ao nível do aparelho não deverão revelar sinais de um descontentamento significativo. “Se tivesse perdido as eleições europeias era diferente, tinha o partido à perna”, admite fonte próxima do líder socialista. Assim sendo, o partido une-se convicto de que as europeias compraram mais tempo a Pedro Nuno — que ainda esta semana já admitia que o Orçamento do Estado pode ser um obstáculo “superável” — e de que, assim sendo o tempo é de fazer cálculos para uma desejada vitória nas autárquicas.
Esta ideia não parte apenas da direção do partido. “O partido deve evitar fraturas desnecessárias em ano de preparação das autárquicas. E todos devem estar mobilizados para esse objetivo”, defendem ao Observador fontes próximas da candidatura de José Luís Carneiro, o oponente de Pedro Nuno Santos nas eleições internas do PS. “O secretário-geral tem de ter tempo para pôr em prática a sua estratégia”, asseguram. E para isso contará com todos, incluindo o próprio Carneiro, “assim o queira”.
Lisboa e Porto com pedronunistas na corrida
Embora a eleição para as federações ainda esteja longe, marcada para o fim do verão, as peças já começam a movimentar-se. Mas pouco, espera a cúpula do partido. A esta distância não é possível ter a certeza de que não surjam novas candidaturas, mas para já “espera-se”, entre fontes da direção, que em nas distritais de Lisboa e do Porto não haja surpresas e se mantenham em jogo apenas os candidatos mais previsíveis: o presidente da Câmara de Loures, Ricardo Leão, alinhado com o antecessor Duarte Cordeiro, em Lisboa; e o vice da distrital do Porto, membro da direção do partido e antigo chefe de gabinete de Pedro Nuno Santos, Nuno Araújo (que já confirmou ao Público a sua candidatura).
Nestas duas frentes, a ambição é óbvia: o PS não está no poder nem em Lisboa nem no Porto — tal como não está em Braga, Coimbra, Setúbal, Faro ou Viseu, por falar em capitais de distrito — e as estruturas têm de começar a preparar rapidamente essa ofensiva, apresentando candidatos “fortíssimos”. Em Lisboa, o nome mais desejado — Duarte Cordeiro — declarou estar, para já, fora de jogo, e a ida de Marta Temido baralhou as contas; surgiram entretanto os de Alexandra Leitão e Mariana Vieira da Silva, com este último a ganhar apoios na ala mais moderada do partido.
Apesar de Bloco de Esquerda e Livre estarem disponíveis para uma coligação que tente ‘roubar’ a autarquia a Carlos Moedas, no PS há quem acredite que, mesmo nessa frente alargada, convém que o rosto principal seja uma figura moderada e que atraia o eleitorado lisboeta. Temido estava a trilhar esse caminho também como presidente da concelhia; agora, a estrutura local volta a ser liderada por Davide Amado, com a vereadora Inês Drummond em segundo lugar e o ex-autarca Pedro Costa em terceiro.
No Porto, fontes próximas de Carneiro, que em tempos liderou a distrital e continua a ter influência nas disputas locais, também garantem que Nuno Araújo concorrerá sozinho à federação — o que não significa, ainda assim, que nesta fação não se mantenham as queixas sobre as mais recentes lideranças (o presidente atual é Eduardo Vítor Rodrigues) por “fecharem o partido à sociedade civil”. Ao nível da concelhia, o assunto está resolvido — o atual presidente, Tiago Barbosa Ribeiro, é candidato único — e as cabeças socialistas pensam em Manuel Pizarro como o nome mais forte para a autarquia, embora haja quem defenda uma candidatura de Carneiro.
Na federação de Braga deverá dar-se o único choque frontal que já é, nesta altura, previsível, com Vítor Salgado, presidente da Câmara de Vizela, e Luís Soares, autarca de Guimarães, como prováveis adversários — o primeiro é mais associado ao pedronunismo e o segundo a Carneiro, o que faz com que esta corrida seja definida por vários socialistas como “a grande disputa”, “a única em que estas questões [que sobraram das eleições internas] estão ativas”, e a única que mostra, até agora, uma distrital “toda partida”.
Dentro do distrito há outras guerras: em Guimarães, a presidência da concelhia será “ultradisputada” por três nomes (o recandidato Ricardo Costa, o vereador Paulo Lopes Silva e o ex-deputado municipal Vítor Oliveira) e à mistura, garantem fontes internas, estarão as ambições de concorrer à presidência da autarquia, para sucederem ao socialista Domingos Bragança, que completa agora o terceiro e último mandato.
A surpreendente calma em Braga, unida em torno de uma única lista (e da ambição de ganhar a Câmara)
Curiosamente, a concelhia em que a calma, surpreendentemente, está a reinar é a sempre conflituosa Braga. E o motivo é claro: desta vez, o PS acredita mesmo que tem hipóteses de conquistar a autarquia, no final do ciclo de três mandatos de Ricardo Rio, e não quer desbaratar essa oportunidade. Segundo fonte local, após uma sondagem animadora feita em março e a vitória socialista na cidade nas eleições europeias, o PS bracarense percebeu que tinha de se unir numa lista única, pela primeira vez desde 2010.
“Ganhar uma câmara com a dimensão de Braga é um objetivo maior do que todas as questões pequenas que nos dividem”, explica a mesma fonte, falando numa “divisão profunda” na coligação de direita que atualmente governa a cidade, e no potencial de “desilusão” dos eleitores com a sua longa governação, que podem ajudar a abrir uma brecha para que o PS possa, desta vez, ganhar. Não por acaso, o slogan do presidente-recandidato da concelhia, Pedro Sousa, é precisamente “ganhar Braga” — e foi em torno desta candidatura que, excecionalmente, as estruturas locais se uniram, depois de uma série de reuniões entre “gente que não se falava há muito tempo”, a partir pedra para criar uma lista única. Funcionou.
Outras capitais de distrito também podem estar ao alcance, segundo as contas do PS. Setúbal continua nas mãos do PCP, enquanto outras câmaras do distrito, que costumavam ser comunistas, se pintam de cor de rosa. A nível interno, a situação parece controlada: o deputado André Pinotes Batista, que liderava a concelhia do Barreiro, prepara-se para conquistar a federação de Setúbal com o apoio dos seus antecessores e até ver sem oposição (embora não se exclua que surja, até setembro, uma lista minoritária). Pinotes será, assim, um dos pelo menos três nomes que fazem parte do secretariado nacional, além de Francisco César e Nuno Araújo, e que sairão para liderar uma federação — mas César terá assento por inerência, por ser presidente do PS/Açores.
Dentro do distrito, rebentou uma pequena guerra na concelhia do Seixal, graças à suspensão de cerca de 70 militantes, de acordo com a queixa apresentada numa carta dirigida a Pedro Nuno Santos a que o Observador teve acesso. A suspensão, garante fonte local, teve a ver com as inscrições irregulares para votar, de pessoas que apresentaram os cartões do clube de futebol como identificação, por exemplo, ou que se inscreveram em duas concelhias diferentes. Já na concelhia do Montijo, a candidata única é mais uma ex-governante — a antiga secretária de Estado Catarina Marcelino — e o único adversário que tinha, o socialista Emanuel Costa, desistiu, sendo que fontes locais garantem que o percurso de Marcelino pode evoluir para uma candidatura autárquica, sucedendo ao socialista em fim de ciclo Nuno Canta.
Efeito Chega e ex-governantes como trunfo
A esperança do partido é que, convencendo um nome sonante a avançar com uma candidatura, seja possível ganhar câmaras como Évora (que a CDU ganhou por uma distância de apenas 300 votos em relação ao PS), e, apesar de as distâncias serem maiores, Faro ou Coimbra. Neste último caso, a ex-ministra Ana Abrunhosa é vista como uma possível candidata “forte” e que poderia vencer a autarquia, caso queira ser candidata.
Sendo estas as primeiras eleições internas e autárquicas em que o PS está afastado do poder na última década, há quem registe a “disponibilidade” de figuras com maior nome no partido, como ex-governantes, para se lançarem a um desafio autárquico — nos corredores, circulam como hipóteses nomes como os ex-governantes Mariana Vieira da Silva, Alexandra Leitão, Ana Abrunhosa, João Costa ou António Mendonça Mendes, entre outros. Entretanto, existem dirigentes que contam ao Observador ter recebido pedidos para tentarem colocar nas suas concelhias figuras “de fora”, apostando mais na notoriedade de socialistas que estejam à procura de um lugar para continuarem o seu percurso político, findos os anos do PS no poder, do que na prata da casa.
Além desta espécie de “reconquista” de autarquias e capitais de distrito das quais tem estado afastado, apesar de continuar a ter o maior número de câmaras a nível nacional, o PS admite que outro fator possa afetar as suas contas: a votação no Chega. Nas últimas autárquicas, o partido não ganhou nenhuma câmara, mas conseguiu fazer eleger 19 vereadores (sendo que metade se desvinculou depois do partido).
Agora, o PS acredita que se o Chega crescer a nível autárquico, como aconteceu a nível nacional, esse crescimento pode beneficiar os socialistas: o efeito de divisão dos votos à direita, somado a uma esquerda à esquerda do PS tradicionalmente fraca (no caso do Bloco de Esquerda) ou em tendência decrescente (PCP) no plano autárquico, poderia, teoricamente, ajudar o PS a conquistar mais câmaras — caso se confirme que o Chega roubará maioritariamente votos ao PSD, e não ao próprio PS. Mas isso são contas para mais tarde. Para já, o PS tenta arrumar a casa — para depois se lançar às autárquicas.